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“Premiamos ideias que fazem as pessoas rir, e depois pensar”, diz criador do Ig Nobel

O matemático Marc Abrahams conta a história do prêmio mais excêntrico da ciência mundial

Por Marco Túlio Pires
Atualizado em 6 Maio 2016, 17h13 - Publicado em 30 set 2010, 18h25

Na cerimônia de premiação, é possível ver ganhadores do prêmio Nobel fantasiados e empunhando vassouras

Há 20 anos, o matemático americano Marc Abrahams criou o prêmio que nenhum cientista quer no currículo. O Ig Nobel, que traz embutido no nome uma sátira ao Prêmio Nobel, todo ano premia as pesquisas mais excêntricas do mundo. “São ideias que primeiro fazem as pessoas rirem, e depois as fazem pensar”, define Abrahams. A cerimônia aconteceu pela primeira vez no MIT (Massachussetts Institute of Technology), em uma sala com capacidade para 350 pessoas. Atualmente, é realizada na Universidade de Harvard, reúne 1.200 pessoas, e é transmitida ao vivo pela internet para o mundo todo. Pautada pela descontração, a premiação conta com alunos, professores e até ganhadores do Nobel na plateia – que não raro sobem ao palco para cumprimentar os vencedores.

Para se ter uma ideia do tipo de pesquisa laureada, em 2009, a premiada com o Ig Nobel da Paz (as categorias são iguais às do Nobel, com algumas adições) discorria sobre se era melhor sofrer um golpe na cabeça com uma garrafa de cerveja cheia ou uma vazia (a cheia é melhor, concluía a pesquisa, utilíssima para bêbados brigões). Outro vencedor foi um canadense que passou sete anos desenvolvendo uma armadura contra ursos.

Se no início o prêmio era visto com um pé atrás pela comunidade científica, atualmente é encarado com bom humor pelos vencedores, que não ousam faltar à cerimônia e levar o troféu (que a cada ano muda de formato – já foi uma dentadura e um frango de borracha) para casa. Nesta quinta-feira, acontece o 20º Ig Nobel, para alegria de quem leva a ciência a sério, mas também sabe dar risada de seus enganos. Em entrevista a VEJA, Marc Abrahams, de 54 anos, fala sobre a criação e popularização do prêmio mais engraçado da ciência mundial.

Marc Abrahams, criador do prêmio IgNobel, durante a cerimônia de 2005 ()

Que tipo de loucuras você comete regularmente?

Você sabe que sob o ponto de vista pessoal, nada do que faço é maluco, concorda? [risos] Sou um cara que mora em Massachussets, nos Estados Unidos, e tenho uma vida pacata, com algumas exceções. Há 20 anos eu organizei a primeira cerimônia do prêmio Ig Nobel, que acontece anualmente. Também sou o editor de uma revista chamada Annals of Improbable Research (Anais da Pesquisa Improvável – AIR em inglês). Tudo que faço profissionalmente gira em torno de uma ideia – coisas que fazem as pessoas rir em um primeiro momento, e então as fazem pensar. Coisas que não saem da cabeça a partir do momento que você as escuta e que você quer falar com os amigos. E é isso. Eu recolho esse material, escrevo sobre o assunto e organizo a cerimônia onde damos os prêmios para os melhores.

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O que você fazia antes do Ig Nobel?

Eu me formei em matemática aplicada na Universidade de Harvard. Antes do Ig Nobel eu tinha uma empresa de programas educacionais que simulavam coisas. Antes disso, ajudei a desenvolver softwares para outras pessoas, incluindo o trabalho na primeira máquina de leitura para pessoas cegas. Você colocava o livro aberto no maquinário e ele começava a ler o livro utilizando uma voz computadorizada.

De onde veio a ideia de criar o Ig Nobel?

Desde criança eu sempre gostei de escrever sobre coisas engraçadas e sobre ciência. Há pouco mais de 20 anos resolvi correr atrás de alguma revista ou editora disposta a publicar algumas coisas que eu tinha escrito. Uma das revistas me ligou de volta me convidando para ser editor! Claro que eu não poderia ter dito não, ainda mais porque o trabalho se aproximava tanto das coisas que eu já fazia desde pequeno. Então, durante 5 anos eu tive uma vida dupla. Administrava minha empresa de softwares e era editor da revista. Depois de um tempo vi que eu gostava mais da revista. Depois de um tempo, a revista foi fechada, mas todo o pessoal se juntou e formou a Annals of Improbable Research, que existe até hoje de maneira independente.

Como você descreveria o escritório da AIR?

Digamos que é uma miniatura do GooglePlex [quartel-general do Google]! Tudo é gerenciado a partir do meu apartamento que fica a 5 minutos a pé do campus de Harvard. Recebemos todo tipo de visitas improváveis de toda parte do mundo. E graças à internet passo muito tempo conversando com pessoas de todo canto. Nossa equipe está espalhada no planeta.

O que significa o “Ig” no nome Ig Nobel?

Não significa nada especificamente. O nome é assim por causa de um trocadilho que existe em inglês. Os prêmios são chamados Ig Nobel e existe uma palavra, “ignoble”, que em inglês é o antônimo de nobre. Rapidamente as pessoas passaram a apelidar os prêmios e a cerimônia de “ig”, então, é comum esbarrar em alguém dizendo “Ei, você vai ao ‘ig’ esse ano?”.

Como foi a primeira cerimônia? Mudou muito de lá para cá?

A essência é a mesma, mas o evento está mais elaborado agora. A primeira cerimônia aconteceu no Massachussetts Institute of Technology (Instituto de Tecnologia de Massachussetts) em uma sala com capacidade para 350 pessoas. Alguns anos depois nos mudamos para a Universidade de Harvard, que fica perto. Só que agora estamos no maior e mais antigo teatro de Harvard, com capacidade para 1.200 pessoas. O evento é transmitido pela internet e repórteres e pessoas do mundo todo vêm assistir à cerimônia.No primeiro ano, além dos ganhadores do prêmio Ig Nobel, tivemos a participação de vencedores do prêmio Nobel, para cumprimentar e entregar os prêmios. Isso continua até hoje. Além disso, acrescentamos uma ópera ao espetáculo, falando sobre algum tópico da ciência.

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Você imaginava que o evento ficaria tão grande?

Bem no início, observando como as pessoas reagiam quando ouviam falar sobre o prêmio, eu vi que havia a chance de crescer bastante. Mas estou feliz de ver que a cada ano ficamos ainda maiores.

Roy Glauber, vencedor do Nobel de Física em 2005, faz graça com uma vassoura durante a premiação de 2006 ()

As categorias são fixas ou são criadas para cada prêmio?

São 10 prêmios todos os anos. Algumas categorias são as mesmas sempre. Sempre temos um prêmio para Física, Química, Paz, Literatura, Biologia e Medicina. As outras categorias mudam dependendo do projeto. Alguns são muito difíceis de categorizar. Por exemplo, demos o prêmio para um canadense que passou sete anos construindo e testando uma armadura que o protegeria contra ursos. Em qual categoria você colocaria isso?! Serve em tanta coisa e em nada ao mesmo tempo! Finalmente, depois de meses de discussão conseguimos encontrar a categoria ideal – engenharia de segurança.

O que é preciso fazer para indicar um projeto ao prêmio?

Qualquer pessoa pode enviar uma indicação. Normalmente, recebemos sete mil indicações todos os anos. Aqueles que não são escolhidos, permanecem em nosso banco de dados, para que sejam reconsiderados em anos futuros. Atualmente, a maioria das pessoas faz o cadastro via email com informações que descrevem o projeto e passam referências sobre onde e como podemos investigar mais sobre o assunto. Todos os anos, um ou dois projetos, a cada 10, são de pessoas que indicam elas mesmas. Essas pessoas quase nunca ganham o prêmio. É muito difícil ganhar intencionalmente. É quase como um efeito colateral da pesquisa. O que não esperávamos, e isso acontece há bastante tempo, são empresas, universidades, hospitais e até governos indicando seus funcionários e pesquisadores.

Poderia dar alguns exemplos de projetos que não foram escolhidos?

Temos a política de não falar sobre as indicações. Na maioria dos casos, entramos em contato com os escolhidos discretamente para que eles tenham a oportunidade de recusar essa honra. As pessoas podem recusar se quiserem, obviamente. Mas a maioria absoluta fica muito feliz em receber o prêmio.

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Vocês recebem cartas de pessoas revoltadas com o prêmio?

Uma vez ou outra, algumas pessoas recusam. Isso acontece mais porque elas trabalham para um chefe que não gosta delas e por isso têm medo que o prêmio seja usado contra elas de alguma forma. As pessoas que recebem o prêmio não mandam cartas contrariadas com o prêmio, claro, mas recebemos correspondências de pessoas que admiram os ganhadores. De vez em quando alguém fica muito bravo dizendo “vocês não deveriam ter dado o prêmio a fulano porque o que ele fez foi algo maravilhoso”. Porém, a pessoa que estão tentando proteger normalmente vai à cerimônia e fica bem feliz por participar.

Quais são os critérios para escolher os projetos vencedores?

Existe um grupo, o conselho de gestores do Ig Nobel, formado por umas 100 pessoas. São voluntários, editores da revista AIR, alguns são cientistas, outros repórteres, temos vencedores de prêmio Ig Nobel e até do Nobel. Fazemos algumas reuniões aqui nos EUA e temos várias conversas pela internet. Não é fácil escolher, existem muitas pessoas merecedoras neste mundo [risos].

O troféu IgNobel de 2007 ()

Vocês já foram criticados por algum orgão oficial?

Em 1995, o principal conselheiro científico do governo britânico me mandou algumas cartas tentando nos proibir de dar o prêmio para cientistas do Reino Unido. Eu pensei que ele estava brincando, mas não estava. Quando eu respondi dizendo que os cientistas estavam felizes em receber os prêmios ele me mandou outra carta dizendo “você tem que parar de dar esses prêmios mesmo que eles queiram receber!”. Acho que ele só estava tendo um dia ruim.

Como a comunidade científica reage ao Ig Nobel?

No início eles eram um pouco suspeitos porque muitas pessoas, antes de ouvir com detalhes o que é o prêmio, achavam que estávamos tentando ridicularizar as pessoas. Na verdade, o prêmio não pretende fazer isso. Somos completamente neutros sobre os resultados. Se você der uma olhada na lista de vencedores, que já possui cerca de 200 projetos, você vai ver que alguns são maravilhosos e outros nem tanto. Mas isso não interessa pra gente. Não temos uma opinião formada sobre nenhum deles.

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Algum projeto vencedor do prêmio Ig Nobel já levou a alguma descoberta importante na Ciência?

Um grupo de cientistas holandeses realizou experimentos durante muitos anos para descobrir quais coisas atraíam mosquitos, especialmente os que transmitem a malária. Eles descobriram que esses insetos, em grande parte, são atraídos por cheiro. E dois dos cheiros pelos quais esses mosquitos se atraem mais são chulé e queijo limburger, um quejo holandês de cheiro muito forte. Os pesquisadores não estavam interessados em queijos ou pés, eles queriam saber o que atrai esses mosquitos para desenvolver soluções para eliminá-los. Na mesma época que receberam o prêmio Ig Nobel, eles receberam oito milhões de dólares da fundação Bill Gates para continuar a pesquisa.

Vocês pretendem trazer o prêmio para outros países?

A gente viaja muito levando alguns ganhadores. Eu falo sobre os prêmios, mostro algumas fotos, apresento os pesquisadores e eles dão um pequeno depoimento. As pessoas fazem perguntas, é maravilhoso. Nunca fomos ao Brasil, mas eu adoraria se alguém nos convidasse. Mas já vou avisando que nenhum de nós tem dinheiro, alguém tem que pagar.

Como vocês arrecadam dinheiro?

Um pouquinho aqui, outro ali. As pessoas assinam as revistas e pagamos a cerimônia de entrega dos prêmios vendendo ingressos. As viagens pelo mundo são custeadas pelas instituições, empresas, universidades ou até governos que nos convidam como forma de fomentar a ciência em algum lugar de uma maneira diferente.

Toshiyuki Nakagaki, da Universidade de Hokkaido (Japão), canta ao receber seu IgNobel, em 2008 ()

Por que três prêmios na primeira edição não foram considerados legítimos?

No primeiro ano demos três prêmios para projetos que não eram reais. Naquela época ainda estávamos descobrindo como seria o Ig Nobel. Por isso, decidimos colocar três coisas que eram engraçadas para dar uma mistura de real com fantasia. Imediatamente após a cerimônia percebemos que o evento causa tantas reações justamente pelas coisas que são reais. Desde então, todos os indicados são bem reais e damos duro para garantir que essas coisas malucas existem. É também por isso que convidamos os vencedores, você pode vê-los e pode conversar com eles.

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Vocês já tomaram de volta o prêmio de algum vencedor?

Em 1994 demos o prêmio a uma agência japonesa de meteorologia. Algumas fontes japonesas nos disseram que essa agência havia divulgado um relatório dizendo que os terremotos eram causados pelo agitar das caudas de bagres gigantes. A gente tinha informações, mas não tínhamos detalhes suficientes. Um tempo depois, analisando a situação, percebemos que não tínhamos certeza se a agência tinha sequer divulgado algum relatório. Desde então tive notícias de um repórter japonês de que essas coisas realmente aconteceram e foi um constragimento geral. Mas ainda não temos certeza e, portanto, tomamos o prêmio de volta. Se alguém souber de detalhes do ocorrido gostaríamos muito de saber.

A missão da AIR é ajudar as pessoas a responder a seguinte pergunta: “Como decidir o que é importante, o que é real, o que é ciência e todo o resto?” Qual seria a sua resposta para essa pergunta?

Exatamente.

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