Assine VEJA por R$2,00/semana
Continua após publicidade

O que diferencia humanos de macacos?

Um novo estudo destacado em reportagem em VEJA levantou uma percepção: apesar de popular, a ideia de que somos 99% iguais aos chimpanzés é falsa

Por Sabrina Brito 1 ago 2019, 16h49

Em 1975, foi publicado um artigo na revista científica Science em que um professor da Universidade da Califórnia e sua aluna anunciavam que o DNA do ser humano seria 99% idêntico ao de um chimpanzé, primata que é o parente mais próximo da nossa espécie. O anúncio fez cair por terra a ideia de que a espécie humana é superior às outras. Afinal, como poderíamos sê-lo, se somos praticamente iguais a um macaco, animal muitas vezes retratado como inferior? No entanto, uma parte importante da história é omitida quando se reproduz a ideia de que somos 99% idênticos a eles.

Para chegar a esse número, os pesquisadores responsáveis pelo estudo compararam, é claro, o genoma humano e o genoma desses símios. O que não ficou claro foi a forma utilizada para chegar à porcentagem dos 99%.

O DNA é composto por pares de bases nitrogenadas, as quais codificam informações genéticas. Ao sobrepôr as sequências de bases encontradas em nós e nos chimpanzés, os cientistas se depararam com diversos trechos que não estavam presentes nos dois genomas — isto é, porções de DNA sem correspondência entre os dois animais. Além disso, encontraram trechos que estavam presentes em ambos, mas em porções distintas do DNA, e trechos que de fato eram idênticos, posicionados no mesmo local.

Para escrever o artigo, os pesquisadores desconsideraram as partes sem correspondência nos dois materiais genéticos, o que equivalia a um total de 1,3 bilhões de bases nitrogenadas. Assim, esse número, que representa 18% do genoma dos chimpanzés e 25% do genoma humano, foi ignorado na pesquisa. A comparação propriamente dita se deu entre as bases remanescentes, que eram 2,4 bilhões. Foi entre esses 2,4 bilhões de bases que foi constatada uma similaridade de 99%.

Ou seja: apesar de ser muito significativa, — sobretudo para a década de 70, quando não se dava valor à semelhança que compartilhamos com outros primatas — a simetria encontrada entre nós e eles é muito menor do que aquela que foi propagada por muitos anos.

Continua após a publicidade

Desde então, muitos outros estudos foram publicados em que a se investigou a semelhança do DNA do Homo sapiens com seus parentes. As porcentagens estimadas foram de 96%, 98%, entre outras conjecturas. Um parecer mais recente que foi aprovado por grande parte da comunidade científica é bem menor: 70%. Esse, sim, levaria em conta as partes não correspondentes entre os materiais genéticos.

Seja como for, as correspondências são inegavelmente muitas. Contudo, não é difícil encontrar diferenças genéticas entre o homem e os chimpanzés. Há muitos casos que servem para ilustrar a longa lista de distinções encontradas quando comparamos os nossos materiais genéticos.

Um deles foi explorado na edição número 2644 de VEJA, na qual se fala sobre um estudo que revelou o motivo pelo qual o ser humano é, de longe, o animal com maiores chances de ter doenças cardíacas. Tudo se deve ao desaparecimento de um gene do DNA de um ancestral do Homo sapiens que, entre outras coisas, regula a produção de uma molécula ligada à formação de gorduras nos vasos sanguíneos. Em nenhum outro ser vivo (em seu estado natural), nem mesmo nos primatas, pode ser observada a síntese de gordura nas artérias de forma tão frequente.

Um outro bom exemplo é a refinada habilidade de comunicação. Chimpanzés possuem, sim, a capacidade de se expressar e de trocar informações uns com os outros. No entanto, a presença da linguagem de forma mais estruturada e elaborada é exclusividade humana — e grande parte do processo se deve à genética. De acordo com estudos recentes, o gene FOXP2, presente apenas na nossa espécie, é responsável pela habilidade de associar automaticamente palavras a imagens e experiências. Sem ele, a linguagem como a conhecemos seria impossível.

Outra distinção, também a nível microscópico, entre nós e os grandes primatas (isto é, gorilas, chimpanzés e orangotangos) é o número de cromossomos. O ser humano apresenta 23 pares de cromossomos, à medida que os membros do outro grupo têm 24. A assimetria vem do fato de que, depois de nosso ramo evolutivo se separar do ramo que originou os macacos modernos, dois cromossomos do homem se fundiram, diminuindo o nosso número cromossômico. O dos símios, no entanto, permaneceu intacto. Essa mudança ocorreu por meio da mutação, processo evolutivo aleatório e despropositado.

Continua após a publicidade

Ainda outra diferença traz resultados que podem ser observados a olho nu: é também a genética que explica o porquê de sermos o primata com mais tendências a engordar. Enquanto os outros membros do grupo possuem taxas de gordura corporal de menos de 9%, nós, graças a uma mudança na forma como o DNA é armazenado nas células de gordura, costumamos ter entre 14% e 31%. Um maior acúmulo desse tipo de tecido, que pode ser transformado em energia, foi uma grande vantagem evolutiva, já que nossos cérebros desenvolvidos — proporcionalmente muito maiores do que os de quase todos os outros mamíferos — exigem muita energia para operar.

Apesar das muitas distinções já constatadas, pode-se questionar: e se a semelhança dos genomas inteiros, inclusive as partes ignoradas pelos pesquisadores em 1975, fosse realmente de 99%? Ainda assim, haveria inúmeras divergências entre nossos materiais genéticos.

Pense assim: o DNA é formado pela combinação entre pares de bases nitrogenadas. A estimativa é de que cada célula humana contenha aproximadamente três bilhões de pares de bases. Se o que nos separa dos chimpanzés é 1% do DNA, isso equivaleria a 30 milhões de diferenças dentro de uma única célula — das quais temos trilhões. 

De qualquer forma, é um verdadeiro abismo genético que nos separa até mesmo dos nossos parentes mais próximos. Dadas as gigantescas dimensões do DNA, não é de se admirar. Nosso material genético é armazenado de forma compacta, em que as moléculas se enrolam em si mesmas e, assim, permitem que guardemos muita informação biológica em um minúsculo espaço físico. Se fosse possível desenrolar o DNA de apenas uma célula e então colocá-las lado a lado, a estimativa é de que seu comprimento seria de cerca de 2 metros. Juntando todas as células do corpo humano, teríamos DNA suficiente para percorrer duas vezes o diâmetro do sistema solar. Imagine quantas diferenças cabem nesse espaço.

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 39,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.