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O luto no reino animal: uma história evolutiva

Mesmo que o luto no reino animal não seja uma unanimidade entre pesquisadores, chimpanzés e outros primatas apresentam sinais de sofrimento após morte

Por Da redação
Atualizado em 22 jun 2016, 16h12 - Publicado em 22 jun 2016, 16h08

Ao estudar durante anos o comportamento de chimpanzés e macacos, pesquisadores foram capazes de identificar um comportamento peculiar dos animais: sinais de sofrimento quando um participante do grupo morria. No entanto, o que leva os animais a apresentarem esse tipo de reação é um mistério – e desvendá-lo poderá auxiliar a compreender como o luto se desenvolveu na evolução das espécies e dos humanos.

Thomas – Quando o chimpanzé órfão Thomas morreu, sua companheira Pan pareceu lamentar sua morte – assim como outros membros do grupo. Mesmo durante a habitual hora de alimentação dos chimpanzés, grande parte dos animais preferiu ficar em volta do corpo de Thomas, como se estivessem “velando” o corpo. Pan visita o amigo morto em três ocasiões e se retira, sentando sozinha. Outra fêmea dominante chamada Noel chegou, inclusive, a limpar os dentes do chimpanzé com grama antes que o corpo dele fosse levado pela equipe do Chimfunshi Wildlife Orphanage Trust, na Zambia.

Este não é o primeiro caso registrado de chimpanzés que lamentam a morte de outros integrantes do grupo, mas é o melhor caso já documentado de luto no meio destes animais, capturado em vídeo.

Macacos-dourados – Outros exemplos surpreendentes foram vistos em macacos, que também foram flagrados praticando rituais de luto por seus mortos. O pesquisador Bin Yang, da Academia de Ciências de Shaanxi, na China, estuda há 10 anos uma comunidade com mais de 130 macacos-dourados selvagens. Essa espécie vive em grupos nas Montanhas Qinling, na província de Shaanxi. A maioria dos grupos é formada por um macho e diversas fêmeas; assim, os machos sobressalentes nos grupos formam a sua própria comunidade.

Em dezembro de 2013, o pesquisador identificou que uma fêmea do grupo que estava analisando havia desaparecido da comunidade. DM, como era chamada, reapareceu três dias depois. Desnorteada, a fêmea ficou distante do grupo até que o macho dominante sentasse perto dela, tocando as mãos de DM duas vezes. Enquanto isso, outros membros do grupo permaneceram distantes, observando.

A dupla subiu em uma árvore e, neste momento, os pesquisadores perceberam que DM estava bastante fraca, pois, 30 minutos depois, a fêmea caiu no chão, batendo a cabeça em uma pedra. Percebendo que ela estava seriamente ferida, os outros adultos do grupo desceram das árvores para ficar perto da fêmea, emitindo sinais de alerta. Quando escureceu, todo o grupo tornou a se distanciar de DM, restando apenas o macho; quando a fêmea tentou se levantar para seguir o grupo, ela tornou a cair e morreu. O macho dominante puxou a mão da fêmea algumas vezes de forma gentil, depois a abraçou. Ele ficou fora da montanha, considerado seu ambiente seguro, por mais tempo que faria em condições normais em sua comunidade.

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Quando Yang retornou das Montanhas Qinling, ele compartilhou os resultados de sua observação com o primatólogo James Anderson, da Universidade de Kyoto, no Japão, especialista em tanatologia de primatas (estudo da morte, suas causas e fenômenos a ela relacionados). Os pesquisadores publicaram em maio um estudo no veículo especializado Current Biology apresentando os dados das analises comportamentais do caso. De acordo com Anderson, é difícil precisar se o macaco dominante sabia que DM estava morrendo, mas seu comportamento demonstrou mais empatia, atenção e afeição.

Macacos-de-gibraltar – Diversas mortes relatadas em grupos de macacos-de-gibraltar também foram analisadas. Estudo publicado na revista especializada Primates, também em maio, relatou diversos casos de acidentes fatais ocorridos em espécimes de macacos-de-gibraltar entre setembro de 2013 e setembro de 2014. De acordo com os pesquisadores, esse grupo de macacos que fica no Parque Nacional de Ifrane no Marrocos passa muito tempo perto de locais que abrigam turistas  – muitos deles, próximos às estradas. Essa proximidade faz com que muitos sejam mortos por atropelamento.

Na primeira e mais detalhada observação desse espécime, a equipe internacional de pesquisadores relatou o caso de Mary, uma fêmea que foi atingida por um ônibus. Seriamente ferida, Mary conseguiu chegar a uma árvore próxima. Na ocasião, dois machos adultos se aproximaram da macaca e tocaram nos ferimentos ocasionados pelo atropelamento. Passadas algumas horas, os macacos foram dormir e outro macho chegou para realizar um tipo de “preparação” (como Noel fez com o chimpanzé Thomas ao limpar seus dentes).

Outro macho, identificado como IS, sentou-se ao lado de Mary e permaneceu ali durante toda a noite. Na manhã seguinte, identificando que Mary havia morrido, IS não saiu do lado da companheira até meio-dia, quando finalmente saiu para se alimentar – comportamento não usual para os macacos-de-gibraltar que, geralmente, passam a maior parte dos seus dias comendo. Parte dos companheiros de Mary lamentou sua morte em volta do corpo, enquanto outros demonstravam sinais de desconforto e ansiedade.

Patrick Tkaczynski, pesquisador da Universidade de Roehampton, no Reino Unido, e coautor da pesquisa com os macacos-de-gibraltar, afirmou à BBC que a atitude desses animais não é surpreendente. “Os macacos-de-gibraltar são conhecidos por formar laços sociais de longo prazo. Esses laços podem ser a resposta para as reações peculiarmente fortes à morte de seus amigos ou parentes”, afirmou o pesquisador. A característica de formar fortes laços sociais, portanto, pode explicar os comportamentos de ansiedade e sofrimento apresentados pela espécie. Mesmo reconhecendo que existe o sofrimento entre os animais, Tkaczynski diz que é cedo para categorizá-lo como uma atitude que representa luto – enquanto isso, outros pesquisadores afirmam que esse processo posterior à morte de amigos ou parentes existe no reino animal.

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A antropóloga Bárbara King, pesquisadora da Faculdade de William & Mary, em Williamsburg, Virgínia, estuda há anos o luto no reino animal. De acordo com ela, os casos apresentados são bons exemplos de que os primatas estão, efetivamente, apresentando comportamentos de luto e lamentação. “Estou procurando por evidências de sofrimento emocional, mudanças nos padrões de comportamento que perduram por algum tempo, alguma evidência de resposta de um animal que tinha um relacionamento forte com o animal morto. Tudo isso está presente nesses casos”, afirmou a pesquisadora à BBC.

Hormônios do estresse – Em 2006, um estudo publicado na Proceedings of the Royal Society B analisou as fezes de uma fêmea de babuíno que havia perdido um parente. Os pesquisadores mediram os níveis do hormônio relacionado ao estresse, identificando que nas quatro primeiras semanas após a perda do parente próximo, os níveis do hormônio estavam significativamente mais altos. Por outro lado, os babuínos que não experimentaram a perda de algum animal próximo, não apresentaram elevação nos níveis do hormônio.

Um estudo publicado na Athropological Science em 2009 ainda mostrou 157 casos de fêmeas de um grupo de macacos-japoneses (estudados pela esquipe durante 24 anos) que perderam seus filhotes e carregaram os corpos por até 17 dias após a morte. Segundo os pesquisadores japoneses, incidentes como esses mostram que os macacos sabiam que seus parentes haviam morrido e que, portanto, a morte tem um poderoso impacto na vida desses animais. “Sabemos que os macacos são criaturas inteligentes com estruturas hierárquicas complexas e vínculos sociais muito fortes. Não me surpreende que, para esses animais, seja natural sentir a perda e expressá-la de maneira compreensível”, afirma King.

Humanos – O comportamento desses animais pode ainda auxiliar na compreensão das atitudes e rituais de luto da nossa sociedade. Humanos, como todos os primatas, possuem fortes relações emocionais com amigos e parentes. Os laços emocionais e sociais, vistos também nos casos dos chimpanzés e macacos, torna fácil a compreensão de como a morte de pessoas próximas é algo significativo em nossa sociedade. De acordo com Tkaczynski, os rituais e comportamentos de luto são consequências da adaptação humana para sermos altamente sociáveis.

Se o luto e o sofrimento são consequências de sermos tão próximos uns dos outros, não é surpreendente que os macacos e chimpanzés reajam da mesma forma. Segundo Tkaczynski, o comportamento desses animais reflete “nossa história evolutiva compartilhada de vínculo social”. Com informações da BBC.

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