“O diagnóstico trouxe muita coisa boa”, diz carioca com mal degenerativo
Maria Margarida Saito, de 41 anos, sofre de uma síndrome cerebral mais comum em idosos
Em 2018, Maria Margarida Saito recebeu um diagnóstico que mudaria sua vida. Foi nesse ano que ela descobriu que sofria de Doença do Lobo Frontal, mais comum entre pessoas muito mais velhas do que ela. VEJA conversou com Maria Margarida sobre sua vida, a descoberta da doença e a vida após o diagnóstico.
Como foi receber a notícia da doença?
Eu trabalhava em uma multinacional como analista sênior de logística e, de repente, tive uma sensação estranha. Sabia que algo estava errado, mas, à primeira vista, atribuí tudo ao estresse gerado pelo trabalho puxado. Fui a uma psicóloga e ela logo me indicou a um psiquiatra. Entreguei os exames e a carta de referência para ele e sentei enquanto o doutor analisava a minha situação. Senti um calafrio. Perguntei a ele quanto tempo eu tinha. Ele me explicou que eu sofria da Doença do Lobo Frontal, um mal degenerativo comum em indivíduos de idade avançada.
O que exatamente isso quer dizer?
Segundo o médico, isso tudo significava que a metade direita do meu cérebro era parecida com a de uma pessoa de 90 anos. Já outra metade apresentava duas isquemias, nome dado a eventuais interrupções no fluxo sanguíneo que podem comprometer o funcionamento de um órgão — no caso, o meu cérebro. Resumidamente, descobri que, por causa da doença, espera-se que eu desenvolva demência ou esquizofrenia daqui a cinco ou dez anos.
De que forma você convive com esse diagnóstico?
É muito difícil. Tenho episódios de automutilação quando o buraco na alma se torna muito dolorido. Nesses casos, a sangria parece a única forma de deixar a dor ir embora. Já cheguei até mesmo a tentar suicídio. Mas o pior sintoma da doença são as alucinações. Às vezes estou sozinha com a minha mãe em casa (eu moro com ela, pois preciso de companhia 24 horas por dia) e vejo outra pessoa na sala conosco. Pergunto à minha mãe quem trouxe aquela pessoa para a minha casa, e ela responde que não há ninguém ali.
É uma tristeza constante?
Os sentimentos e sintomas variam muito. Há dias em que não consigo levantar da cama por causa da depressão, dias em que não consigo falar de tanto que gaguejo, dias em que mal consigo me movimentar direito. Não posso mais dirigir, não saio para a rua sozinha sob circunstância alguma. Estou batalhando muito.
Qual a sua perspectiva daqui para frente?
Pode parecer estranho dada a minha situação, mas eu sou muito otimista. Tenho muita fé em Jesus Cristo e na realidade. Afinal, ou a doença me derruba ou eu derrubo ela. Desde que recebi o diagnóstico, decidi que viveria cada dia como se fosse o último — e é o que tenho feito.
Como o diagnóstico mudou a sua vida?
Inesperadamente, o diagnóstico de uma doença degenerativa me trouxe muita coisa boa. Com o senso de finitude que ele me proporcionou, voltei a sonhar. Tenho até mesmo vontade de fazer outra faculdade, talvez psicologia ou uma pós-graduação em logoterapia. Amo estudar, e quero muito agregar à humanidade, ajudar o próximo. Mas, ao menos por enquanto, não vou conseguir realizar esse sonho, pois não tenho dinheiro. Meus remédios são caros, e eu e minha mãe vivemos do salário mínimo de aposentadoria dela e de doações de amigos e familiares.
Essa noção de finitude não te aflige?
Encaro minha finitude com muita tranquilidade. Já separei roupas e perfume para o meu velório e deixei cartas que serão entregues às pessoas mais próximas de mim quando eu me for. Escrevi até um livro sobre minhas experiências que deve sair neste semestre. O título é “Sal da terra e luz do mundo”. O sal é como o amor: precisa ser sempre na medida certa. Já a luz ilumina o maior número de pessoas quando está no alto. É isso que quero ser.
Qual você quer que seja o seu legado?
Meu propósito nessa vida sempre foi doar amor, e espero que essa seja a herança que eu deixarei depois de partir. Se eu pudesse deixar um recado para outras pessoas com doenças degenerativas, seria o seguinte: deixe um legado seu na Terra. A gente parte, mas aquilo que deixamos nas vidas dos outros permanece. Não se enxergue com autopiedade, mas sim como uma ferramenta de amor ao próximo que pode fazer diferença no mundo — independentemente de quanto tempo ainda temos para respirar.