“O Brasil nunca deixou de ter protagonismo na questão ambiental”
O geógrafo Carlos Durigan, da Wildlife Conservation Society, fala sobre os esforços de preservação de espécies e o novo papel dos zoológicos

Por décadas, zoológicos e aquários foram vistos como espaços de coleções de animais que pouco faziam pela conservação das espécies. Esse papel mudou e hoje, essas instituições têm papel vital em proteger animais ameaçados, ampliar a conscientização sobre a necessidade de proteção e apoiar iniciativas que acontecem em campo.
Até o dia 26 de novembro, o Zoológico de São Paulo recebe a 45º Congresso da Associação de Zoológicos e Aquários do Brasil (a programação completa pode ser encontrada aqui), que discute iniciativas de conservação, o papel do Brasil no cenário global e como as tecnologias podem ser aliadas desse processo. O evento tem foco em estudantes de biologia, veterinários e profissionais que atuam com animais silvestres em diversas instituições de conservação.
Em entrevista a VEJA, o geógrafo e ecólogo Carlos Durigan, da Wildlife Conservation Society, um dos palestrantes do evento, conversa sobre seu trabalho na Amazônia e o cenário atual dos esforços de conservação.
Qual é o novo papel dos zoológicos e aquários no século 21?
Existe uma evolução muito positiva em relação aos zoológicos no mundo todo. No passado, muitas décadas atrás, era comum o estabelecimento de coleções em aquários ou zoológicos. Mas houve uma evolução e hoje eles têm um papel fundamental na conservação da biodiversidade. E esse papel é relevante em dois sentidos. No primeiro, há a preservação de um banco genético. Instituições cuidam de animais que não existem na natureza. E alguns até têm se engajado em iniciativas de reintrodução desses animais na natureza. Um caso emblemático aqui no Brasil é o da ararinha-azul. Há outro papel fundamental, de sensibilização e educação ambiental. Os visitantes se aproximam não só dos animais exibidos, mas também com projetos de proteção da vida silvestre.
É um papel que vai além do espaço físico do próprio zoológico ou aquário.
Sim, e faz parte de um processo de aprendizado das próprias instituições. Muitos zoológicos são heranças de gerações passadas. Vários foram criados com o objetivo de constituir coleções e exibir os animais, mas outros já surgiram com um sentimento conservacionista. A Wildlife Conservation Society (WCS), entidade que represento, surgiu para proteger o bisão norte-americano, uma espécie super ameaçada. Essas instituições são peças fundamentais em fazer uma ponte com o trabalho em campo. Isso inclui o combate ao tráfico, porque infelizmente o comércio ilegal ainda exerce uma pressão grande sobre diversas espécies. Mas também um trabalho de inteligência que envolve a conscientização para não adquirir ou até consumir esses animais. Há uma questão séria de zoonoses. Dizemos que os animais silvestres nunca serão pets, e isso é real. A Covid-19 é uma pandemia que surgiu no comércio de espécies silvestres.
As estimativas apontam que há cerca de 1 milhão de espécies sob algum grau de ameaça. É um cenário alarmante.
Realmente, é um cenário muito negativo. Existe uma estimativa de pelo menos 1 milhão de espécies ameaçadas. Mas o número pode ser muito maior. Porque para termos certeza que uma espécie está ameaçada é preciso realizar um trabalho complexo de monitoramento. Por isso, o número dificilmente será menor, mas pode ser bem maior que um milhão.
Como reverter essa situação?
Existem diversas maneiras. Vou citar um caso importante para nós. Na região amazônica, o pirarucu entrou para a lista de espécies ameaçadas. O que é um problema, porque é uma espécie muito consumida, é a base alimentar de milhões de pessoas, além de ser um animal extremamente interessante do ponto de vista biológico. O Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, com o apoio do WCS, criou um projeto que é referência. Primeiro, fizemos um censo dos peixes. Desenvolvemos uma metodologia de contagem. A pesca foi proibida, e até hoje é proibida. A única exceção é o manejo sustentável, feito em áreas específicas. Conseguimos reduzir a pressão sobre a espécie e, ao mesmo tempo, garantir carne de pirarucu legalizada no mercado. A fiscalização vai aos mercados e às feiras para identificar vendedores ilegais. E existem outros exemplos, com o mico-leão-dourado e outros primatas.
Quais são os maiores riscos enfrentados por essas espécies?
As maiores ameaças às espécies, em geral, estão relacionadas à destruição do hábitat e uso intensivo ou pressão de uso. São espécies mortas ou caçadas para alimentação, utilização como pet, por conta de algum conflito, como a onça-pintada, que é um predador do gado. Ou mortas por retaliação ou por medo, como insetos e cobras. Mas há também casos de pressão causada por mudanças climáticas. O clima pode afetar seriamente espécies mais sensíveis.
É mais fácil sensibilizar as pessoas para a necessidade de proteção quando o animal tem um apelo maior, como a onça-pintada, do que insetos ou répteis, por exemplo?
Olha, até a onça-pintada gerou uma mobilização. Alguém postou um vídeo de uma onça capturando uma capivara para comer e quiseram cancelar a onça. Quer dizer, até animais icônicos podem ser cancelados. Mas realmente eles têm um apelo maior. O que fazemos é focar nessas espécies em uma campanha de sensibilização. Falamos também da importância de proteger a floresta, garantir água de qualidade. E nesse mesmo ambiente outras espécies que não geram o mesmo apelo vão também acabar sendo beneficiadas. É claro que sempre é muito importante nessas estratégias ter a ciência como base, inclusive para mostrar a função de cada animal. A gente convive com muitas espécies de seres vivos, algumas delas nocivas. Mas elas também estão aí, convivendo conosco, e serão beneficiadas por estratégias de conservação.
As redes sociais ajudam ou prejudicam nas campanhas de conservação?
Infelizmente, as redes sociais podem ser fontes de informações úteis e relevantes, mas também de muita besteira. Precisamos passar por um aprendizado, como sociedade, para filtrar as fontes. Nos últimos anos vimos um processo de deseducação das pessoas, que deixaram de confiar na mídia e em fontes confiáveis. Vamos precisar construir um movimento de desconstrução dessa coisa absurda. Não podemos conviver com isso.
Há uma expectativa de que o Brasil volte a assumir o protagonismo das questões ambientais?
Eu sou otimista. Pelos discursos que ouvimos até agora, espero que possamos retomar essa posição. Não falo de uma gestão específica, mas de protagonismo em uma agenda global. Demos vários passos para trás nos últimos anos. Houve um desmonte de diversas agendas de estado. É por isso que é preciso haver um engajamento independente de ideologia política. Porque é uma questão de sobrevivência mesmo. Precisamos cuidar do nosso patrimônio nacional. Precisamos construir consensos, não só ambientais, mas econômicos.
Qual é o papel do Brasil nessa agenda global de conservação?
Veja, o Brasil começou tudo isso. Em 1992, fizemos a Rio 92. Na época, o então presidente Fernando Collor enfrentava um processo de impeachment, e mesmo assim o país viveu um momento super importante. O Brasil tem um protagonismo muito forte. É um país gigantesco em termos de área, de diversidade étnica muito rica. Somos diversos, temos culturas indígenas, quilombolas, populações tradicionais, grupos sociais diversos. O Brasil continua participando de forma ativa com cientistas, ambientalistas, movimentos sociais e diferentes exemplos de gestão pública, nas esferas estaduais e municipais, e privadas. A gente nunca deixou de ter esse papel de protagonismo na questão ambiental. Vamos contra o mainstream. Por isso o papel da sociedade civil, da academia, das fundações, dos aquários e santuários. Tudo isso mostra esse protagonismo.