Assine VEJA por R$2,00/semana
Continua após publicidade

Neandertais praticavam canibalismo

Ossos encontrados em caverna da Espanha dão pistas sobre estrutura social do grupo

Por The New York Times
Atualizado em 6 Maio 2016, 17h11 - Publicado em 21 dez 2010, 23h33

Os cientistas encontraram mais de 1.800 fragmentos de ossos de neandertal na caverna, alguns dos quais com fragmentos de DNA

No fundo de uma caverna nas florestas do norte da Espanha estão os restos de um horrível massacre. Os primeiros indícios vieram à luz em 1994, quando exploradores se depararam com um par do que eles pensavam ser maxilares humanos na caverna conhecida como El Sidrón. A princípio, acreditou-se que os ossos eram do tempo da Guerra Civil Espanhola. Naquele tempo, os combatentes republicanos usavam a caverna como esconderijo. A polícia descobriu mais fragmentos de ossos em El Sidrón, e os enviou a cientistas forenses, que determinaram que os ossos não pertenciam a soldados, nem mesmo a seres humanos modernos. Eram restos de neandertais que morreram 50 mil anos atrás.

Hoje, El Sidrón é um dos locais mais importantes da Terra para aprender sobre neandertais, que prosperaram por toda Europa e Ásia entre 240 mil e 30 mil anos atrás. Os cientistas encontraram mais de 1.800 fragmentos de ossos de neandertal na caverna, alguns dos quais com fragmentos de DNA.

Mas o mistério permaneceu por 16 anos. O que aconteceu com as vítima em El Sidrón? Em um artigo publicado esta semana no Proceedings of National Academy of Sciences, cientistas espanhóis que analisaram os ossos e o DNA relataram uma resposta horrível. As vítimas eram uma dúzia de membros da mesma família, abatidas por canibais.

“É um achado surpreendente”, disse Todd Disotell, antropólogo da Universidade de Nova York. Chris Stringer, do Museu de História Natural de Londres, disse que o artigo “nos dá o primeiro vislumbre da estrutura social dos neandertais”.

Túnel dos ossos – Todos os ossos foram localizados em um espaço do tamanho de um quarto que os cientistas batizaram de Túnel dos Ossos. Eles estão misturados em um amontoado de cascalho e lama, o que sugere que os neandertais não morreram na câmara. Em vez disso, morreram na superfície acima da caverna.

Os restos mortais não poderiam ter ficado lá todo o tempo. “Os ossos não foram desgastados pela erosão”, disse Carles Lalueza-Fox, da Universidade Pompeu Fabra em Barcelona, co-autor do novo artigo. Parte do teto provavelmente desabou durante uma tempestade e os ossos caíram na caverna.

Continua após a publicidade

Não há ossos de animais arrastados para o Túnel dos Ossos juntamente com os dos neandertais. Na verdade, a única outra coisa que os cientistas descobriram foram fragmentos de lâminas de pedras de neandertais. E quando analisaram atentamente os ossos dos neandertais, encontraram marcas de corte – sinais de que as lâminas foram usadas para separar os músculos dos ossos. Os ossos longos foram abertos. Com base nesses indícios, os cientistas concluíram que os neandertais foram vítimas de canibalismo. Os cientistas descobriram evidências de canibalismo entre neandertais em outros sítios, mas El Sidrón é excepcional pelo volume das provas.

CSI pré-histórico – Enquanto os pesquisadores examinavam os fragmentos de osso, tentaram associá-los entre si. Alguns dentes soltos se encaixam perfeitamente na mandíbula, por exemplo. “A coisa toda era bem complicada. Na verdade, era uma bagunça”, disse Lalueza-Fox.

Depois de passar anos sobre estes quebra-cabeças anatômicos, Lalueza-Fox e seus colegas conseguiram identificar doze indivíduos. A forma dos ossos permitiu aos cientistas estimar a idade e o sexo. Os ossos pertenceram a três homens, três mulheres, três adolescentes e três crianças, incluindo um bebê.

Assim que os cientistas souberam com o que estavam lidando, olharam para o DNA nos ossos. A escuridão, o frio e a umidade de El Sidrón tornou-se um ambiente excelente para o DNA antigo. Lalueza-Fox e seus colegas publicaram uma série de relatórios intrigantes sobre o DNA. Em dois indivíduos, por exemplo, descobriram um gene variante que pode ter dado a eles cabelos ruivos. Ele começaram um ambicioso projeto para descobrir o DNA nos dentes dos doze indivíduos. Em um teste, foram capazes de identificar um cromossomo Y em quatro. Os cientistas já identificaram quatro deles como homens – três adultos e um adolescente – com base em seus ossos.

Os cientistas, então, procuraram o DNA mitocondrial, passado da mãe para os filhos. Eles observaram dois trechos pequenos, em especial, chamados HVR1 e HVR2, particularmente propensos a sofrer mutações de geração em geração. Todos os doze neandertais tinham HVR1 e HVR2. Os cientistas descobriram que sete deles pertenciam à mesma linhagem mitocondrial, quatro a uma segunda e um a uma terceira.

Família – Lalueza-Fox alega que os neandertais deveriam ter uma relação muito próxima. “Se você vai para a rua e colhe amostras de doze indivíduos aleatoriamente, não há nenhuma maneira de encontrar sete dos doze com a mesma linhagem mitocondrial”, disse ele. “Mas se você for à festa de aniversário de uma avó, com chances de encontrar irmãos e primos de primeiro grau, facilmente vai descobrir sete com a mesma linhagem.”

Continua após a publicidade

Todos os três homens tinham o mesmo DNA mitocondrial, o que poderia significar que eram irmãos, primos ou tios. As mulheres, entretanto, vieram de linhagens diferentes. Lalueza-Fox sugere que os neandertais viviam em pequenos grupos de parentes próximos. Quando dois bandos se encontravam, por vezes trocavam filhas.

“Não posso garantir mas suponho que as meninas neandertais choravam amargamente como as meninas modernas que enfrentam a perspectiva de deixar a família para trás no dia de seus ‘casamentos'”, disse Mary Stiner, uma antropóloga da Universidade do Arizona.

Linda Vigilant, antropóloga do Instituto Max Planck de Antropologia Evolucionária, na Alemanha, considera a pesquisa “um bom começo”. Mas questiona a alegação de Lalueza-Fox de que os neandertais sejam da mesma família por pertencerem à mesma linhagem mitocondrial. Em seu próprio trabalho com chimpanzés selvagens, ela encontrou alguns animais com HVR1 e HVR2 idênticos que não tinham relação próxima.

A melhor maneira de resolver o debate, disse Vigilant, é encontrar mais DNA de neandertal para compará-los aos genes de El Sidrón. “É emocionante pensar que podemos ser realmente capazes de abordar a questão num futuro próximo”, disse.

Lalueza-Fox acha que pode ser possível traçar uma genealogia dos neandertais de El Sidrón nos próximos anos. Ele também espera obter uma ideia melhor de como morreram. As lâminas de pedra podem fornecer uma pista. Foram feitas a partir de rochas situadas a poucos quilômetros de distância da caverna. As vítimas poderiam ter entrado sem querer no território de outro bando de neandertais. Por sua transgressão, pagaram com a vida.

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 39,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.