Natalia Pasternak: “É preciso acolher as vítimas da desinformação”
A presidente do Instituto Questão de Ciência (IQC), que estuda fatores que levam pais a recusar vacinação dos filhos, sugere ideias para remediar a situação
O que vem abalando a imunização infantil no país? Acabamos de realizar uma pesquisa do IQC com a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) para saber o que os médicos recebem de dúvidas sobre vacinas no consultório e que motivos levam os responsáveis pelas crianças a decidir não vaciná-las. O estudo ressalta o papel da informação falsa veiculada para enganar e causar medo. Há outros motivos já conhecidos que prejudicam a imunização, como questões de logística, esquecimento ou complacência — achar que não é necessário vacinar porque certas doenças não circulam mais. Mas, com a pandemia, cresceu também a recusa vacinal por se acreditar que os efeitos adversos poderiam ser ainda mais graves.
Isso afetou não só as vacinas da Covid-19, mas a vacinação como um todo. E não por acaso será um dos temas centrais no congresso Unidos pela Saúde, que reunirá especialistas de dentro e fora do país, e acontece agora em junho, em São Paulo.
Até que ponto os médicos contribuem, ainda que inadvertidamente, para a hesitação vacinal? Os profissionais de saúde em geral precisam de treinamento para lidar com esse fenômeno. Sem preparo, alguns passam informações erradas aos pacientes, dizendo, por exemplo, que não se deve tomar muitas vacinas de uma vez ou compartilhando incertezas. Nossa pesquisa revela, inclusive, que os médicos sentem falta de material de apoio para distribuir aos pais e mães. O ponto é que, se a informação equivocada vem de um pediatra, os responsáveis pela criança ficarão confusos porque confiam nele. Mas, claro, há médicos abertamente antivacina, que tentam desqualificar o discurso científico e se aproveitam da autoridade do jaleco.
Médicos antivacina… Eles são fruto de falhas na formação ou de razões ideológicas? Não devemos generalizar. A grande maioria que não recomenda uma ou outra vacina e expressa algum receio aos pais não é exatamente antivacina, mas também vítima da desinformação. Eles pensam que aquilo faz mal e querem proteger seus pacientes. Mas há uma pequena porção de médicos, justamente os que disseminam a desinformação, que o fazem por razões ideológicas, políticas e até financeiras. Uma pesquisa feita nos EUA mostrou que 65% da propaganda antivacina em plataformas como Facebook e Twitter vinha de apenas doze perfis de usuários, alguns deles médicos. Eles lucram muito com isso, vendendo produtos, livros e newsletters com “alternativas” sem fundamento à vacinação.
O que diria a um pai ou a uma mãe que insiste em não vacinar seu filho? Aquelas pessoas que recusam as vacinas também querem o melhor para os seus filhos. Então o nosso papel é acolher seus medos e suas dúvidas, e não julgá-las ou acusá-las. É preciso lembrar que existe uma diferença muito clara entre os propagadores da desinformação e as vítimas da desinformação. O professor Edzard Ernst (médico alemão que é uma das principais vozes contra as pseudociências) tem uma frase genial a respeito: “Aponte e exponha os charlatães, proteja suas vítimas”.
Publicado em VEJA de 14 de Junho de 2023, edição nº 2845