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“Não podemos criar dois padrões de classe média”, diz embaixador da Rio+20

Único brasileiro da comissão que definirá os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, embaixador afirma que metas serão "voluntárias", não impostas

Por Luís Bulcão, do Rio de Janeiro
Atualizado em 6 Maio 2016, 16h24 - Publicado em 21 dez 2012, 06h58

Quando o chanceler Antônio Patriota bateu o martelo na mesa central da plenária da Rio+20 para anunciar a adoção do documento final da conferência, houve um misto de aplausos e vaias por parte negociadores e representantes da sociedade civil. O festejo se devia ao fim de um extenuante processo de negociação, iniciado em 2011 e que parecia sem solução até as vésperas da cúpula de chefes de estado. O incômodo era pelo resultado muito aquém do esperado para o evento que tinha a missão de reerguer e colocar em prática os conceitos da Rio 92. Para quem participou do processo de negociação por dentro, o legado daquele esforço está nas sementes plantadas pelo documento de 49 páginas de promessas – a maioria evasiva, é verdade. O texto O Futuro que Queremos tem, apesar de suas limitações, alguma força política. Entre o que foi estabelecido naquela data estão os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, ideia que só começará a ganhar forma a partir de 2013, com a criação do grupo de 30 membros representativos das cinco regiões da ONU (Américas, África, Ásia, Oceania e Europa).

Único representante brasileiro a integrar a comissão, o embaixador André Corrêa do Lago enxerga nos ODS uma forma de fazer a agenda da sustentabilidade convergir com os esforços para o desenvolvimento a partir de 2015. É uma oportunidade para resgatar a ambição de compromissos que ficaram sem conclusão na Rio+20. No entanto, o próprio embaixador admite que sabe-se pouco sobre o real formato que os ODS poderão assumir. As negociações, que não avançaram durante a conferência, indicam que os objetivos serão separados por setores, como transportes, energia e cidades. No entanto, não devem ser criadas metas juridicamente vinculantes, como as que estão em negociação no âmbito da Convenção sobre Mudança Climática. Segundo Corrêa do Lago, a tendência é que o grupo trabalhe com metas voluntárias. Ou seja, cada país deve adotar o seu plano de implementação de maneira que sejam direcionados às suas realidades, mas que contribuam para os objetivos globais. “Temos que assegurar que países sejam estimulados a fazer mais e não causar temor de que eles possam sofrer algum tipo de cobrança com a qual não possam se comprometer”, afirmou, em entrevista ao site de VEJA.

De acordo com o embaixador, um dos principais desafios dos ODS é contribuir para a discussão sobre as mudanças de padrões de consumo e produção. “O problema básico é que, gostem ou não, o mundo inteiro está adotando um modelo de consumo ocidental, que será insustentável para 9 bilhões de pessoas em 2050. Se sabemos que vamos chegar lá, temos que tratar o desenvolvimento com isso em vista. Não olhando de forma alarmista, mas de forma objetiva”, argumenta. Corrêa do Lago admite que os embates entre as posições de países desenvolvidos e em desenvolvimento devem estar presentes no âmbito da comissão. “É muito claro que sempre que se fala em mudança de padrões de consumo e produção os países desenvolvidos adotam uma posição de defesa. São os países em desenvolvimento que estão crescendo. Há certa tendência dos países desenvolvidos de achar que não são eles que têm que mudar. Isso é inaceitável. Não podemos criar dois padrões de classe média”, afirma.

Qual será a linha geral dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável?

A ideia é de compromissos voluntários. A ONU havia iniciado um processo de revisão dos Objetivos do Milênio. Um processo que denominou de “agenda para o desenvolvimento pós-2015”. Isso se refere a um novo olhar sobre os ODM, que terminam em 2015. Já os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) fazem parte de um processo iniciado antes da Rio+20. A ideia original foi apresentada no painel de alto nível para a sustentabilidade, que atuou em 2011 para a formulação do relatório “Povos Resilientes, Planeta resiliente” e foi levada adiante pela ministra (do Meio Ambiente),Izabella Teixeira. O Brasil gostou da ideia e começou o movimento para que os ODSs fossem trabalhados pelos países membros da ONU, pois assim teriam mais força. Então surgiu um movimento para introduzir os ODS na agenda da Rio+20, trabalho que foi liderado pela Colômbia. Funcionou bem. A partir desse momento, começou negociação para o documento final, que incluiu os ODS no resultado da Rio+20.

Mas alguns países temiam que os ODS atrapalhassem os Objetivos do Milênio.

Há um temor por parte de alguns países. Na verdade, a ONU trabalha na revisão dos Objetivos do Milênio. Já os ODS estão sob mandato da Rio+20. Então são dois processos caminhando em paralelo, mas que vão se encontrar em algum momento na agenda de desenvolvimento. Mas não necessariamente vão ser interligados.

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Isso não pode gerar uma certa confusão?

Alguns gostariam de juntar os dois porque os Objetivos do Milênio tratam a sustentabilidade de forma desintegrada. Os Objetivos do Milênio foram criados a partir de documentos produzidos pelo grupo de países desenvolvidos da OCDE e não a partir de uma negociação governamental. Deveriam ter integrado melhor dimensão da sustentabilidade. Outros ressaltam que Objetivos do Milênio se referem apenas a problemas de pobreza extrema, abordando questões relacionadas a quem vive com menos de um dólar por dia. Esses são problemas já superados pelos países desenvolvidos. Em contrapartida, o espírito dos ODS é universal. Ou seja, vão os Objetivos do Milênio e os ODS vão ser diferentes de um ponto de vista conceitual. Em relação aos ODS, países como o Brasil ficam em melhor posição. Por exemplo, na questão de energias renováveis, o Brasil apresenta resultados melhores do que o Reino Unido, que tem apenas 3% da sua matriz energética proveniente de fontes renováveis. A segunda preocupação é que os Objetivos do Milênio possam ser superados pela Assistência Oficial ao Desenvolvimento. Se esses objetivos forem expandidos além da erradicação da pobreza, não se consegue fazer nada mesmo.

Então os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável serão mais abrangentes?

Os ODS são tratados de um ponto de vista universal, com forte impacto na economia, pilar do desenvolvimento sustentável que ninguém ainda superou (os outros dois pilares são social e ambiental). O setor privado tem ação mais importante nos ODS, por exemplo.

O que se pode prever dos ODS em termos práticos?

Não se pode prejulgar o resultado. Nunca houve reunião sobre assunto depois de aprovado o documento da Rio+20. Há posições bastante diferentes. A ideia é ter metas claras, mundiais, não nacionais. Alguns países adotaram critérios e apresentaram números conseguiram resultados positivos, como o Brasil. Temos que assegurar que países sejam estimulados a fazer mais e não causar temor de que eles possam sofrer algum tipo de cobrança com a qual não possam se comprometer.

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Em que o senhor apostaria?

Uma coisa positiva é que os ODS podem ser instrumentos efetivos para adotar padrões sustentáveis para produção e consumo. Os padrões de produção e consumo são inspirados nos países desenvolvidos. Espera-se que esses países encontrem respostas para os desafios que enfrentamos. É muito claro que sempre que se fala em mudança de padrões de consumo e produção os países desenvolvidos adotam uma posição de defesa, pois são os países em desenvolvimento que estão crescendo. Há certa tendência dos países desenvolvidos de achar que não são eles que têm que mudar. Isso é inaceitável. Não podemos criar dois padrões de classe média. Também há uma tendência, verificada durante as negociações da Rio+20, de determinar que os ODS fossem divididos por setor, por exemplo, energia, transporte, cidades. Cada passaria a tratar o desenvolvimento levando em consideração os aspectos sociais, econômicos e ambientais. O importante é fazer com que isso esteja implícito em cada um dos setores. Essa etapa visivelmente ainda não foi vencida. Mas a Rio+20 consagrou mais uma vez as prioridades para erradicação da pobreza, mudança de padrões de consumo e gerenciamento sustentável dos recursos naturais. O mundo deu um mandato para que haja um equilíbrio entre as três forças. Os ODS são um instrumento para essa integração.

Como o Brasil vai se posicionar nesse processo?

Ao longo dos próximos meses, vamos fazer uma série de consultas. Inclusive aos atores da Comissão Nacional para a Rio+20, que envolve representantes governamentais e da sociedade civil. Queremos manter o diálogo que foi muito frutífero para a Rio+20. A partir daí tomaremos A posição brasileira vai depender da evolução dessa discussão, tendo noção clara das implicações dos ODS. O Brasil tradicionalmente não vai às discussões com propostas idealistas não negociáveis. O Brasil pretende mais uma vez levar uma posição de vanguarda, mas ao mesmo tempo sendo algo realista.

E quais são as prioridades?

O objetivo do desenvolvimento é eliminar as pessoas que estão vivendo em extrema pobreza. Tomar medida contra a pobreza que crie crises ambientais graves não é bom. Mas tem que ter uma visão da prioridade para encaixar a sustentabilidade dentro do conceito de urgência. A classe abastada tem que adotar a sustentabilidade antes de uma classe que não tem nada. Deve haver uma liderança daqueles que possuem os meios financeiros e tecnológicos.

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Os países desenvolvidos estão cumprindo com seus compromissos?

Em certas áreas, sim. Mas nenhum país cobriu isso em todos os seus setores. Os europeus tiveram avanço extraordinário na área de transporte público. Mas nenhum país é bom aluno em todas as áreas. É ilusão achar que o problema está na população que está entrando no mercado de consumo. O problema básico é que, gostem ou não, o mundo inteiro está adotando um modelo de consumo ocidental, que será insustentável para 9 bilhões de pessoas em 2050. Se sabemos que vamos chegar lá, temos que tratar o desenvolvimento com isso em vista. Não olhando de forma alarmista, mas de forma objetiva.

E o Brasil, está fazendo o dever de casa para aproveitar as oportunidades geradas pelas negociações da sustentabilidade?

Todos os países tem áreas nas quais ainda podem fazer mais esforços. Justamente esse exercício de internalização do conceito de sustentabilidade pode fazer com que o país descubra um maior potencial em determinadas áreas. Mas é preciso que isso surja a partir de um debate interno, não de algum tipo de discussão internacional. Quanto mais nos debruçarmos sobre o tema, mais vamos perceber que o Brasil tem um potencial crescente para consolidar uma posição de liderança.

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