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‘Mapear genoma será tão rotineiro quanto exame de raio-X’

No livro 'Seu Genoma por Mil Dólares', o geneticista Kevin Davies diz que o sequenciamento completo do DNA vai cair de preço o suficiente para se tornar uma prática corriqueira na prevenção e combate de doenças como câncer ou diabetes. Em entrevista ao site VEJA, o pesquisador explica os desafios e o impacto do mapeamento genético para médicos e pacientes

Por Marco Túlio Pires
Atualizado em 6 Maio 2016, 16h57 - Publicado em 23 out 2011, 14h37

Em 2007, o médico americano Jeffrey Gulcher não tinha muitos motivos para se preocupar com a saúde. Embora sedentário e um pouco acima do peso, sentia-se bem aos 48 anos. Naquele ano, a empresa que ajudou a fundar, a Decode Genetics, havia lançado um serviço de análise de DNA. A amostragem era minúscula – menos de 0,1% do seu genoma -, mas o resultado seria suficiente para descobrir um risco maior de desenvolver determinadas doenças. Gulcher resolveu se submeter ao teste e descobriu que tinha duas vezes mais chance de ter câncer de próstata do que a média da população. Procurou um urologista e, após uma biópsia, descobriu que tinha um tumor agressivo na próstata. Graças ao diagnóstico precoce, seu tratamento foi bem sucedido.

O que é genoma?

Daniel Cisalpino, mestre em biologia pela UFMG

“O genoma é toda a informação hereditária de um organismo. Ele pode ser entendido como se fosse o disco rígido de um computador. Dentro dele ficam as pastas, ou cromossomos. Dentro de cada cromossomo ficam os arquivos, ou genes. Os genes são responsáveis por desencadear características e comportamentos do organismo, desde resistência a certos remédios ou o desenvolvimento de doenças. O Projeto Genoma, concluído em 2003, identificou onde ficava cada um dos três bilhões de “arquivos” dentro das 46 pastas – ou cromossomos – do código genético humano. Agora, os especialistas estão trabalhando para saber qual é a função de cada um dos genes”

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“Não fosse a varredura de genes, o médico não teria tomado a tempo as medidas necessárias para conter a doença”, diz Kevin Davies, doutor em genética e fundador do periódico Nature Genetics, um dos mais respeitados do mundo na área de genética. Davies relata o caso de Gulcher em seu novo livro, Seu Genoma por Mil Dólares (tradução de Ivo Korytowski, Companhia das Letras, 424 páginas, 55 reais). Na obra, o pesquisador britânico fala de uma nova área da medicina que começa a surgir na esteira do Projeto Genoma, finalizado há oito anos. O primeiro sequenciamento completo de DNA humano custou um investimento de um bilhão de dólares. Hoje, o processo sai por cerca de 5.000 dólares nos Estados Unidos. Em questão de dois anos, diz Davies, por 1.000 dólares ou menos qualquer pessoa terá um mapa detalhado com a predisposição genética para uma série de doenças e características. Os dados também poderão revelar se o paciente tem resistência a determinado tipo de droga e qual dose de medicamento seria mais eficiente para combater vírus, câncer e outras ameaças à saúde. “O sequenciamento de DNA será um processo rotineiro no futuro, como o raio-x e a ressonância magnética.” Em 2013, estima o geneticista, 30.000 pessoas terão seu mapa genômico particular. Em 2014, um milhão.

O geneticista inglês Kevin Davies é o fundador do periódico britânico Nature Genetics, um dos mais respeitados na área de genética ()

Obstáculos – A literatura médica já começa a colecionar casos de sucesso, mas os benefícios do sequenciamento completo do DNA ainda devem levar tempo para alcançar a maioria da população. O mapeamento do genoma pode ficar mais barato, mas a maior parte dos centros de sequenciamento genético ainda está restrita aos Estados Unidos e à Europa, onde há mais investimento em pesquisa científica. Além disso, a indústria farmacêutica não vai cobrar barato por eventuais remédios personalizados que surjam a partir de análises genéticas. A geneticista brasileira Mayana Zatz lembra também que a análise do genoma é tarefa bastante complexa. “É possível relacionar algumas doenças com alguns genes, mas ainda estamos longe de entender o processo completamente”, diz. “Existem estudos que relacionam corretamente algumas doenças com os genes, mas é preciso compreender as mutações de cada indivíduo e como elas se manifestam em decorrência dos três bilhões de genes presentes no genoma humano”, acrescenta Davies. Para tanto, um dos grandes desafios é justamente a formação de médicos. “A tecnologia está se movendo muito mais rápido do que nosso entendimento sobre a biologia humana”, explica o britânico. “Precisaremos de muitos médicos do genoma.” Leia a seguir trechos da entrevista concedida ao site de VEJA. Sequenciar o DNA do ser humano foi um passo importante, mas não suficiente. Por quê? Para que o sequenciamento completo do DNA humano realmente cause impacto na medicina, precisamos de milhares de genomas decodificados. Todos os médicos sabiam disso à época do Projeto Genoma. Para que isso pudesse acontecer, precisávamos de métodos para agilizar e baratear o sequenciamento. Esses processos estão chegando lá. Por exemplo, demoramos 13 anos – de 1990 a 2003 – e gastamos um bilhão de dólares para realizar o sequenciamento completo do genoma humano. Atualmente, o mesmo processo leva uma semana e custa menos de 5.000 dólares.

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Ross Altman ()

Opinião do especialista

Ross Altman, MD

Diretor de Bioengenharia da Universidade de Stanford

“Em até duas décadas estaremos rotineiramente utilizando informações genéticas para prescrever remédios, refinar diagnósticos, melhorar o tratamento de câncer e ajudar casais a descobrirem os riscos potenciais de futuros filhos serem acometidos por determinadas doenças. Inicialmente, os avanços ajudarão na escolha do remédio e na dosagem. A fabricação de medicamentos personalizados acontecerá na próxima fase, a da farmacogênese 2.0.”

Em seu novo livro, o sr. diz que o sequenciamento completo do DNA vai custar 1.000 dólares. Em quanto tempo? Existem empresas que chegarão nesse preço em questão de dois anos. E existem outras trabalhando em alternativas reais que podem chegar a 100 dólares no mesmo espaço de tempo.

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O que os médicos conseguem descobrir sequenciando o genoma? Os médicos já provaram em vários estudos que muitos dos tijolos que formam o DNA, chamados de bases genéticas, podem revelar o risco que os pacientes têm de desenvolver doenças, como câncer ou diabetes. Podem dizer se você terá a cera do ouvido seca ou úmida, resistência a determinadas substâncias ou predisposição à calvície. Além disso, essas informações podem dizer de que parte do mundo vieram seus ancestrais.

Alguns especialistas dizem que as informações extraídas de um mapa genômico não têm relevância médica. Qual a opinião do senhor? A tecnologia está se movendo muito mais rápido do que nosso entendimento sobre a biologia humana. Atualmente, nos EUA, a genética não é parte muito importante das faculdades de medicina. Felizmente, já existem vários médicos e grupos que reconhecem isso. O programa educacional de muitas escolas de medicina está mudando, mas pode levar uma geração inteira até que tenhamos uma nova safra de médicos que saibam interpretar a informação genética dos pacientes. Alguns dizem que haverá um novo tipo de “radiologista genômico” para analisar o sequenciamento e interpretá-lo. O sequenciamento de DNA será um processo rotineiro no futuro, como o raio-x e a ressonância magnética. Precisaremos de muitos médicos do genoma para que isso aconteça.

Eric Topol ()
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Opinião do especialista

Eric Topol, MD

Diretor do Scripps Translational Science Institute

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“Podemos sequenciar o DNA de indivíduos com condições gravíssimas ainda não diagnosticadas para determinar a causa e talvez desenvolver um tratamento. Podemos sequenciar o DNA de tumores para identificar mutações e construir terapias personalizadas para cada indivíduo. O processo está ficando cada vez mais barato, e isso é só o começo.

Como podemos confiar nos resultados que relacionam os marcadores com as doenças? São resultados honestos, feito por empresas e cientistas sérios. Eles utilizam tecnologia de ponta para conseguir os relatórios. É importante ressaltar que as informações dos mapas genéticos gerados atualmente são preliminares. É algo que vai estimular o paciente a pensar sobre determinado risco, analisar o histórico familiar e discutir com o médico de confiança.

De que forma o sequenciamento do DNA humano vai influenciar a medicina? Muitos geneticistas acreditam que vamos chegar num estado em que vamos “sequenciar uma vez e ler depois.” Isso significa que vamos ter o nosso genoma codificado e armazenado em um computador e depois leremos essas informações ao longo da nossa vida em vários momentos diferentes. Existem empresas nos EUA, por exemplo, que vão oferecer testes para mais de 100 distúrbios genéticos para futuros pais. Se a mãe e o pai carregam genes que podem aumentar o risco de uma futura criança desenvolver determinada doença, os pais poderão planejar e tomar decisões mais conscientes. Essa habilidade de poder enxergar adiante será uma constante na medicina influenciada pela genética. É uma forma de aumentar as ferramentas que pacientes e médicos têm para melhorar a qualidade de vida. Não é a resposta definitiva para a saúde humana, mas é uma boa ajuda.

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