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Habilidade de manipular partículas quânticas cria novas possibilidades tecnológicas

Pesquisas de vencedores do Nobel já deram início ao desenvolvimento de novas tecnologias, como os computadores quânticos. E há mais a caminho

Por Guilherme Rosa
Atualizado em 6 Maio 2016, 16h26 - Publicado em 9 out 2012, 21h58

O pesquisador americano David Wineland e o francês Serge Haroche ganharam nesta terça-feira o Prêmio Nobel de Física por conta de seus experimentos com partículas quânticas – que são menores que os átomos. Segundo os organizadores do prêmio, eles deram início a uma nova era da física quântica, pois demonstraram pela primeira vez que era possível medir e manipular essas partículas sem destruí-las. Com isso, abriram inúmeras portas para sua aplicação técnica, como a pesquisa de computadores quânticos e relógios óticos. “É impossível prever o que pode vir daí. A história da ciência demonstra que as aplicações de uma descoberta costumam ir muito além do que é previsto originalmente”, diz Luiz Davidovich, professor do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que trabalhou com Serge Haroche na década de 1990.

Perfil

O francês Serge Laroche, vencedor do prêmio Nobel de Física de 2012, ao lado do americano David Wineland ()

Serge Haroche

Naturalizado francês, Serge Haroche nasceu em Casablanca, no Marrocos, em 1944. Fez seus estudos na década de 1960 em Paris, onde se tornou PhD em Física. Trabalhou nos primeiros anos de sua carreira no CNRS (Centre national de la recherche scientifique, um dos principais centros europeus de pesquisa). Também esteve nos Estados Unidos, onde estudou e lecionou em instituições como MIT, Harvard e Yale. Atualmente é professor do Collège de France, onde é titular da cadeira de Física Quântica.

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O americano David Wineland, vencedor do Prêmio Nobel de Física de 2012, ao lado do francês Serge Laroche ()

David Wineland

Nasceu em Milwaukee, no estado de Wisconsin (EUA), em 1944. Graduou-se em Berkeley, na Califórnia e se tornou PhD em Física pela Universidade de Harvard, em 1970. Desde 1979 trabalha no NIST (National Institute of Standards and Technology).

Durante boa parte do século 20, houve uma discussão entre os físicos para saber se os fundamentos bizarros da física quântica realmente teriam base na realidade – Einstein, por exemplo, achava que não. Isso acontece porque o mundo funciona de modo diferente na escala quântica, desafiando as noções da física clássica e nossa própria intuição. “Fomos formados no mundo macroscópico. Para fugir do leão, o macaco só precisava compreender a mecânica clássica. Essa compreensão ficou embutida em nossos genes”, diz Celso de Melo, professor do Departamento de Física da Universidade Federal de Pernambuco e presidente da Sociedade Brasileira de Física.

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Foram experiências como as dos ganhadores do Nobel que ajudaram a comprovar a física quântica. Mesmo assim, ela traz diversas implicações que não foram totalmente compreendidas pelos pesquisadores. “Ainda existe muito a ser investigado sobre os fundamentos desse campo. As pesquisas na área estão abrindo novas fronteiras da física”, diz Melo. O físico afirma que nos últimos vinte anos a área tem ganhado reconhecimento acadêmico, e isso pode ser visto nos prêmios Nobel distribuídos durante esse período. Em 2005, por exemplo, o prêmio foi concedido a Roy J. Glauber, por conta de estudos sobre os estados das partículas quânticas.

Aplicação prática – Por conta desse destaque recebido pela área – e pelas promessas de novas tecnologias trazidas pelas pesquisas – o prêmio desse ano não foi nenhuma surpresa. Os dois experimentos mostraram que era possível manipular os sistemas quânticos e, com isso, abriram inúmeras portas para sua aplicação técnica. “O prêmio foi para uma área que pode ser chamada de informação quântica. Ela trata da possibilidade de usar as partículas quânticas para melhorar a transmissão de informações”, diz Davidovich, que é pesquisador dessa área.

Quando realizou seus experimentos, David Wineland já tinha em mente o desenvolvimento de novas tecnologias. Sua pesquisa mostrou que era possível isolar e controlar íons, átomos eletricamente carregados. As partículas foram separadas do ambiente por meio de campos elétricos, e em seguida manipuladas pela ação de um laser. Com a ajuda do raio, os pesquisadores colocaram o íon em um estado chamado de superposição, uma propriedade física do mundo quântico que permite que uma mesma partícula assuma dois estados energéticos diferentes ao mesmo tempo. Foi esse estado duplo que levou o físico Erwin Schrödinger a desenvolver o bizarro conceito do Gato de Schrödinger: um gato dentro de uma caixa que está ao mesmo tempo vivo e morto.

Saiba mais

COMPUTADOR QUÂNTICO

Ao contrário da física clássica, onde os conceitos de onda e partícula estão separados, no universo quântico são as duas faces de um mesmo fenômeno, uma propriedade que, teoricamente, permite multiplicar as capacidades dos computadores. A parte da informação mais básica que um computador atual pode entender é um bit. Este é um dígito binário ou de dois valores, isto é, 0 ou 1, que também é uma unidade de medida no computador que designa a quantidade elementar de informação. No mundo quântico, esta unidade básica, chamada qubit, pode ter valor 0 ou 1 como um bit, mas também possuir os dois valores ao mesmo tempo, uma estrutura descrita como “superposição”.

Esta característica, em teoria, permitirá aos computadores quânticos realizar milhões de cálculos simultaneamente. Atualmente, as unidades informáticas de maior desempenho podem decifrar um número de até 150 cifras, mas um número de 1.000 dígitos requereria praticamente toda a potência de cálculo disponível no mundo, enquanto que um computador quântico o faria em apenas algumas horas.

GATO DE SCHRODINGER

Em 1935, o físico Erwin Schrödinger criou o experimento mental para ilustrar as diferenças entre a física quântica e a física clássica. Ele imaginou um gato dentro de uma caixa, completamente isolado do resto do mundo. Dentro da caixa também há uma garrafa de cianeto. No entanto, o veneno só será liberado após o decaimento de uma substância radioativa qualquer, também na caixa.

Como o decaimento dessa substância é regido pelas leis de mecânica quântica, o material radioativo está em um estado de superposição, onde ele pode, ao mesmo tempo, decair e não decair. Por isso, o gato também está morto e vivo ao mesmo tempo. Ele permanece nesse estado até que alguém abra a caixa, pois o estado de superposição é tão suscetível à interação com o ambiente que a tentativa de observar o gato iria fazer seu estado colapsar imediatamente. Com a caixa aberta, o gato estará necessariamente ou vivo ou morto – e não mais uma mistura dos dois estados.

Schrödinger usou o paradoxo para mostrar o quanto as leis da física quântica eram complexas e poderiam levar a conclusões absurdas se transportadas para a realidade macro. No final, ele se arrependeu de adicionar mais confusão às já complexas ideias da física quântica, mas o conceito já havia se popularizado.

Embora a experiência pareça teórica demais, ela representou os primeiros passos do desenvolvimento do computador quântico. Ao usar essa propriedade, os cientistas podem superar um bit tradicional, que tem valor de 1 ou 0, e criar o qubit (abreviação de quantum bit), que pode ter os dois valores ao mesmo tempo. “Se conseguirmos desenvolver o computador quântico, ele terá vantagens extraordinárias em termos de velocidade de processamento e segurança”, afirma Celso de Melo. Depois de seu experimento com a manipulação de íons, Wineland continuou a fazer pesquisa em busca do computador quântico.

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Pura paixão – Serge Haroche, ao contrário de Wineland, é um defensor pesquisa baseada apenas na curiosidade científica, sem a necessidade de uma aplicação técnica à vista. Em seu estudo, usou dois espelhos para aprisionar uma partícula de luz. “Normalmente, quando os fótons são detectados, eles são absorvidos e destruídos. O grupo de Haroche mostrou pela primeira vez que é possível medir a atividade da partícula sem destruí-la”, diz Davidovich, que, junto com outros pesquisadores da UFRJ e da USP, foi parceiro de Serge Haroche em um estudo posterior.

Na década de 90, eles usaram a mesma técnica para explorar as fronteiras entre a física quântica e a clássica. “Dentro de uma cavidade, nós construímos um campo eletromagnético com características quânticas, que apresentava dois estados diferentes ao mesmo tempo. À medida que esse campo ia ficando maior, seu funcionamento de aproximava de um sistema clássico, e ele passava a se manifestar em apenas um desses estados. Nós matamos o Gato de Schrödinger”, brinca Davidovich. Segundo o pesquisador, Haroche se tornou amigo dos pesquisadores brasileiros que conviveram com ele durante o período e costuma visitar o país.

Mesmo que tenha sido feita por pura curiosidade científica, a pesquisa já tem consequências práticas, como seu uso no desenvolvimento dos computadores quânticos. “É bom lembrar que a física quântica já deu origem ao laser, à ressonância magnética, a relógios incrivelmente precisos. No entanto, os jovens que a desenvolveram no início do século 20 não tinham interesse nessas tecnologias. Eram movidos apenas pelo interesse intelectual – e porque aquilo tocava seu coração”, afirma Davidovich. Por isso, é bom aguardar um tempo para ver o que mais pode ser feito a partir da manipulação dos sistemas quânticos. “A ciência é movida pela paixão. Por uma sutil particularidade de nossa espécie, essa paixão acaba servindo à humanidade e mudando nossos hábitos.”

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