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Fóssil encontrado no Peru revela que mulheres primitivas também caçavam

A descoberta dos restos de uma jovem enterrada com seu kit de caça pode mudar o entendimento do papel feminino há milhares de anos

Por Sabrina Brito Atualizado em 13 nov 2020, 09h49 - Publicado em 13 nov 2020, 06h00

A imagem que as pessoas têm dos povos antigos, que habitaram a Terra há milhares de anos, é bastante clara: enquanto homens caçavam grandes mamíferos, as mulheres coletavam frutos e vegetais, numa divisão de tarefas tão precisa quanto imutável. Ainda que o cenário esteja fixado no imaginário, um novo estudo mostra que talvez as coisas não fossem bem assim. No último dia 4, o periódico científico Science Advances publicou um artigo sobre os restos mortais de uma mulher entre 17 e 19 anos que viveu há 9 000 anos. O aspecto mais interessante da descoberta é que a moça, designada WMP6, foi encontrada ao lado de armas primitivas — o que indica que, ao contrário do que se pensava, existiam mulheres caçadoras naquele local e período.

A primeira pista de que se trata mesmo de um exemplar do sexo feminino foi a leveza dos ossos encontrados (sabe-se que o esqueleto masculino é mais pesado). A confirmação da suspeita veio com a análise do esmalte dentário de WMP6, que permitiu a constatação de que, de fato, eles eram de uma mulher.

Embora o estudo tenha sido feito só agora, a escavação foi realizada em 2013, em Wilamaya Patjxa, sítio arqueológico a 4 000 metros de altitude, no Peru. Além dos restos da caçadora, foram achados ossos de outros cinco indivíduos e mais de 20 000 arte­fa­tos. Havia tantos vestígios que os arqueólogos tiveram de escavar uma área grande, de cerca de 40 metros quadrados. Ainda assim, mesmo com tantas relíquias capazes de encher os olhos de qualquer antropólogo, foi a WMP6 que captou a atenção de todos. Isso porque ela desafia a noção bem assentada de que, entre os povos de caçadores e coletores, cada sexo desempenhava um papel definido.

Os pesquisadores conjecturam, com base nas ferramentas de pedra lascada, que a caçadora tinha como principais presas o cervo e a vicunha, espécie de ruminante que até hoje habita a região. Os dois animais compunham parte da dieta dos humanos da época. Mais relevante, porém, do que saber o que comiam é entender como se comportavam. A principal hipótese levantada pelo arqueólogo Randy Haas, líder da equipe que trabalhou na escavação, é que, ao contrário do senso comum, homens e mulheres dividiam as tarefas de maneira igualitária. “A ocorrência de caçadores masculinos é definitivamente mais comum. Mas, de acordo com nossos estudos, isso não se aplica à época de WMP6”, disse o arqueólogo a VEJA. “A mudança na dinâmica pode ter decorrido de fatores biológicos, sociais e tecnológicos.”

ESCAVAÇÃO NAS ALTURAS – Pesquisadores no sítio arqueológico a 4 000 metros de altitude, onde foi encontrada a caçadora: ossos e armas – (fotos Randy Haas/UC Davis/.)

Haas analisou 430 sítios arqueológicos nas Américas, datados de 14 000 a 8 000 anos atrás, e conseguiu identificar 27 pessoas enterradas com kits de caça. Desse total, dezesseis foram declarados homens e onze, mulheres — números próximos, mas não iguais. A investigação levou à conclusão de que as caçadoras representavam algo entre 30% e 50% do grupo. As evidências, entretanto, são ainda inconclusivas. É possível que, devido à situação precária dos restos mortais, decompostos, a identificação do sexo esteja errada. Além disso, naturalmente, é difícil fazer projeções exatas sobre centenas de povos com base em apenas 27 corpos. Deve-se ter em mente ainda que as ferramentas não são prova definitiva. Embora seja possível que pertencessem à mulher com a qual foram encontradas, também pode ser que elas tenham sido depositadas ali pelo legítimo dono como uma forma de homenagem a ela. Determinar de forma incontestável costumes de um povo primitivo é uma tarefa árdua.

Um dos especialistas que discordam das conclusões de Haas é Robert Kelly, arqueólogo da Universidade de Wyoming, nos EUA. Para ele, a análise em si é convincente, mas não há nada que embase a ideia mais ampla de paridade entre os sexos. Se existiram caçadoras, elas não seriam mais de 10% do total — projeção bem menos otimista que a de Haas. Longe de desmerecer o trabalho de um colega, Kelly faz questão de afirmar que o estudo foi, no mínimo, refrescante para o campo da antropologia. “Mesmo discordando das conclusões, reconheço a importância de revisitarmos nosso conhecimento para checar se ele é preciso”, disse. De todo modo, o achado no Peru subverte antigas teorias que classificavam as mulheres primitivas como incapazes de realizar tarefas pesadas, como caçar cervos. A moça WMP6, ao que tudo indica, tinha uma rotina tão intensa quanto os parceiros masculinos. Nesse aspecto, ela pode ter sido uma precursora da igualdade entre os sexos.

Publicado em VEJA de 18 de novembro de 2020, edição nº 2713

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