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Erros (e acertos) de ‘Fragmentado’ e suas muitas personalidades

O novo terror de Shyamalan recebeu críticas por estigmatizar o Transtorno Dissociativo de Identidade. Confira onde filme derrapa ao tratar da doença

Por Leticia Fuentes Atualizado em 4 abr 2017, 09h13 - Publicado em 1 abr 2017, 08h43

No filme Fragmentado, último longa do diretor indiano M. Night Shyamalan, que foi lançado no Brasil na última quinta-feira, Kevin é um homem que vive com 23 personalidades em seu corpo. Ora ele se apresenta como um estilista talentoso, ora como uma mulher misteriosa, ora como um menino de nove anos – e ora como um sequestrador metódico que rapta três adolescentes e as mantém em cativeiro em um porão. Essas oscilações acontecem porque Kevin foi diagnosticado com Transtorno Dissociativo de Identidade (TDI), anteriormente chamado de “transtorno de múltiplas personalidades”.

É exatamente a agressividade de algumas das personalidades do protagonista que conduz o filme – e as principais derrapadas do longa. Criticado por especialistas em saúde mental em todo o mundo, Fragmentado mais peca do que acerta na maneira de retratar o distúrbio, tornando Kevin muito distante do que seria, no mundo real, alguém com o transtorno. O protagonista surge, na maior parte do filme, como um louco ou assassino.

“Isso estigmatiza os portadores de transtornos mentais, vinculando-os a um comportamento violento, irracional, perigoso para a sociedade”, afirma Rodrigo Leite, médico do Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo. “Em geral, esses indivíduos não fazem mal às pessoas a seu redor. O maior mal costumam fazer a si próprios.”

Transtorno Dissociativo de Identidade

Segundo a quinta versão do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V, na sigla em inglês), o distúrbio exibido pelo protagonista de Fragmentado é diagnosticado pela “presença de duas ou mais identidades ou estados de personalidade distintos, que recorrentemente assumem o controle do comportamento”. Isso significa que cada personalidade é vivida pelo paciente como se tivesse uma história pessoal diferente, com autoimagem e características próprias e até outros nomes. O Manual também afirma que “identidades particulares podem emergir em circunstâncias específicas, diferindo em termos de idade e gênero declarados, vocabulário e conhecimentos ou afeto predominante”. Em outras palavras, é possível que, por exemplo, um adulto assuma comportamentos infantis ou um linguajar diferente quando as personalidades se manifestam. Estima-se que 1% a 3% da população mundial apresente esse tipo de transtorno, segundo a Sociedade Internacional para o Estudo do Trauma e da Dissociação (ISSTD, na sigla em inglês) – ou seja, é uma condição rara.

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De acordo com a literatura médica, inúmeras personalidades podem conviver em quem apresenta o transtorno. Contudo, de acordo com especialistas, a exibição de tantas personalidades não é frequente e menos ainda é a exibição de alter egos que cometem crimes.

Violência rara

Para evitar esse tipo de estereótipo em torno do TDI, a americana Amelia Joubert, de 18 anos, enviou no fim do ano passado uma petição para que os atores de Fragmentado fizessem um anúncio avisando o público que a “violência em pessoas com TDI é muito rara e que elas não são assassinas”, como escreve a jovem no documento. No entanto, não recebeu resposta da produção do filme.

Joubert foi diagnosticada com o transtorno há três anos. Ela exibe onze personalidades, faz um diário em vídeo no seu canal no Youtube, mantém um grupo de apoio a pessoas com o distúrbio no Facebook com quase 4.000 participantes e trabalha como babá. Segundo a jovem, após o filme, algumas pessoas lhe perguntam se ela é perigosa e pelo menos uma pessoa sugeriu em suas páginas que ela não deveria trabalhar com crianças.

A Sociedade Internacional para o Estudo do Trauma e da Dissociação (ISSTD, na sigla em inglês), também se manifestou contra o retrato feito pelo longa e divulgou uma declaração criticando o uso de um personagem com distúrbios mentais para aumentar os lucros do filme. A instituição pediu que, já que o filme se apoia em um perfil tão destacado da realidade, parte do dinheiro das vendas seja revertido em apoio à educação e pesquisa sobre o transtorno. Segundo Robert Slater, especialista americano em clínica social e membro da Sociedade, o comunicado foi motivado por uma série de relatos de pacientes que ficaram desestabilizados depois de assistir ao filme. “Há um tratamento muito sensacionalista em torno do Transtorno Dissociativo de Identidade, que é frequentemente retratado com indivíduos fazendo coisas terríveis”, disse a VEJA.

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Dados do Departamento de Saúde e Serviços Humanitários dos Estados Unidos mostram que 3% a 5% dos crimes no país são cometidos por pessoas com transtornos mentais – e as chances de que elas se tornem vítimas de um crime são dez vezes maiores do que o resto da população.

Os especialistas reconhecem, contudo, que o filme é uma obra de ficção e dá continuidade a uma tradição cinematográfica de vilões de filmes de terror com transtornos mentais, como as versões cinematográficas de “O Médico e o Monstro”, baseadas no livro do escocês Robert Louis Stevenson, de 1886.

“É importante fazer filmes sobre transtornos mentais para chamar a atenção do público. Do ponto de vista do entretenimento, ele é muito bom, mas é preciso ser cuidadoso em relação às liberdades que toma”, afirma o psiquiatra Rodrigo Leite.

Confira os erros e acertos de “Fragmentado” e o Transtorno Dissociativo de Identidade:

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