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“Deus é o próprio conjunto de leis que rege a natureza”, afirma físico e escritor Leonard Mlodinow

Cientista americano fala ao site de VEJA sobre o livro que publicou junto com Stephen Hawkings, uma das mentes mais brilhantes da atualidade, e conta como sobreviveu ao ataque terrorista ao World Trade Center

Por Marco Túlio Pires, do Rio de Janeiro
Atualizado em 6 Maio 2016, 17h00 - Publicado em 12 set 2011, 16h09

Olhei para cima e pensei: “Meu Deus, o que aconteceu com esse avião? Ele está vazio? É um voo de treinamento? Espero que ele tenha cuidado porque está muito próximo do prédio”

Aos 56 anos, Leonard Mlodinow é dono de uma biografia singular. Nos anos 1980, trabalhou como roteirista nas séries de tv McGyver-Profissão: Perigo e Jornada nas Estrelas: A Nova Geração. Depois se tornou professor do Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech), autor de best-seller e parceiro de Stephen Hawking, um dos mais brilhantes físicos da atualidade. Com ele, escreveu dois livros, Uma Nova História do Tempo, espécie de continuação do fundamental Uma Breve História do Tempo, e o recém-lançado O Grande Projeto (Editora Nova Fronteira, tradução Mônica Gagliotti, 192 páginas, 69,90 reais). Mlodinow é também um dos sobreviventes do atentado terrorista de 11 de setembro de 2001. Tinha acabado de deixar o filho na escola, nas imediações do World Trade Center, quando o primeiro avião atingiu a torre norte.

Pela segunda vez no Brasil, Mlodinow veio participar da Bienal do Livro do Rio. Seu livro O Andar do Bêbado (Ed. Zahar), sobre a influência do acaso em nossas vidas, é um dos mais vendidos há mais de um ano por aqui, um feito para um livro de divulgação científica. Em entrevista ao site de VEJA, Mlodinow comenta o aprendizado com Hawking e as dificuldades da parceria (Hawking sofre de esclerose lateral amiotrófica, doença que lhe tolheu quase todos os movimentos); fala do trauma do 11 de setembro (“depois do atentado, toda vez que vejo um avião voando muito baixo acho que está acontecendo tudo de novo”); e explica por que não precisamos de Deus para explicar o universo, tema central de O Grande Projeto.

Como é trabalhar com Stephen Hawking? Como vocês se comunicavam? O Stephen tem um computador na frente dele que mostra letras. Com um cursor, ele escolhe a primeira letra de uma palavra e o sistema sugere outras que começam com aquela letra. Você pode escolher a palavra ou a segunda letra, e daí o processo se repete. Para isso, é preciso clicar com um mouse. É um processo muito lento e, quando começamos a trabalhar juntos, em 2004, ele utilizava o dedão para clicar. Com o tempo, ele perdeu o movimento do dedão. Colocaram um sensor nos óculos e, com o movimento da bochecha, ele simulava o clique do mouse. Infelizmente isso não está funcionando muito bem. De sessenta palavras por minuto ele passou a comunicar uma palavra por minuto. É muito difícil trabalhar com ele agora.

Como o senhor o descreveria? Ele é um físico normal: muito teimoso. É bastante focado nas pesquisas que faz e no que acredita. Ele diz que a teimosia é sua melhor e a pior qualidade. Penso que, para passar pelo que ele passou, é preciso muita teimosia. Em Física também, ou você é teimoso ou você desiste. É muito fácil encontrar problemas que te desanimam. Além disso, a impaciência não funciona com ele. Entre uma resposta e outra, eu costumava meditar, esperando ele responder. Quando uma resposta demorava de 5 a 10 minutos, eu ficava olhando para o nada, com uma postura meio zen. Foi um aprendizado muito forte, porque não sou uma pessoa paciente. De vez em quando, eu ficava tentando adivinhar o que ele queria dizer, lendo a frase que ele estava construindo. Quando errava, isso o deixava muito irritado.

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Em O Grande Projeto, o senhor e Hawking afirmam que não precisamos de Deus para explicar o universo. Por quê? Algumas pessoas têm mania de tratar a ciência como um monstro que quer dominar o universo. A ciência não tem nada contra a religião ou contra a filosofia. A ciência diz que tudo segue um conjunto de leis. Queremos saber quais são essas leis, e não acreditamos que haja exceções ou milagres. Não tentamos desacreditar milagres, mas assumimos que eles não existem porque nunca fomos capazes de reproduzi-los em laboratório. Se há um Deus invisível e indetectável, deixamos isso para os teólogos. Só queremos descobrir as leis da natureza – sem que as pessoas se zanguem com a gente.

O senhor acredita em algum deus? De certo modo sim. Apesar de acreditar nas leis da Física, parece que não existe uma razão para explicar por que essas leis existem. Por que as coisas não acontecem aleatoriamente? Talvez esse seja o milagre: o universo segue as leis da natureza. Talvez essas leis que regem o universo sejam a definição de ‘deus’. É uma noção bem diferente de um ser que está lá em cima metendo o dedo na vida das pessoas e fazendo milagres. A Física busca explicações simples para descrever o mundo que experimentamos.

Deus não seria uma explicação bem mais simples do que a complexa Teoria das Supercordas, por exemplo? Seria ótimo se a explicação de tudo fosse Deus. Albert Einstein disse que os cientistas tentam fazer tudo da maneira mais simples possível, mas não de maneira simplória. Essa explicação – de que Deus está por trás de tudo – não serve, por exemplo, para descrever a velocidade com que um objeto vai cair de um prédio e prever sua trajetória. Se servisse, aí sim seria uma explicação simples, mas isso não quer dizer absolutamente nada. Descartamos esse tipo de noção. A civilização não teria ido muito longe pensando dessa forma.

Saiba mais

MULTIVERSO

É a hipótese de que vários universos coexistem, o que poderia explicar fenômenos físicos ainda pouco compreendidos, como o próprio Big Bang – a ‘explosão’ que teria dado origem ao cosmo. Segundo alguns defensores dessa hipótese, o homem não é capaz de ver outros universos porque enxerga o mundo em apenas três dimensões, e outras realidades poderiam passar despercebidas aos olhos (embora influenciando o meio). Outros acreditam que as distâncias que separam um ‘mundo’ de outro são muito grandes para notarmos sua existência.

SUPERCORDAS

De acordo com a física moderna, existem quatro forças fundamentais na natureza: a gravidade, o eletromagnetismo e as forças nucleares fraca e forte (entre subpartículas dos átomos). Já existe um modelo teórico que une três dessas forças: o eletromagnetismo e as forças nucleares. Esse modelo se chama o “modelo padrão” e esta sendo testado com muito sucesso nos aceleradores de partículas. Falta unir as quatro forças – a gravidade e as outras três forças – em um único modelo teórico. A Teoria das Supercordas é a candidata que vem ganhando mais força nos últimos anos para se tornar a Teoria de Tudo.

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O modelo acaba com a noção de que as partículas fundamentais são partículas pontuais. Em vez disso, propõe que sejam, na verdade, pequenos laços que vibram o tempo todo. Essas “cordas” fechadas em círculo vibrariam de diferentes formas, e essa diferença caracteriza as diversas partículas do universo.

O senhor fala como se a Teoria das Supercordas, amplamente discutida no livro, já tivesse sido verificada na prática, o que não é o caso. Qual distinção faz? Ninguém mostrou que a Teoria das Supercordas não é verificável. Dizemos, contudo, que não sabemos como vamos verificá-la. Concordo que quanto mais tempo se passa sem uma teoria seja provada, o desinteresse cresce e os cientistas se ocupam com outros temas. Exigimos que as teorias sejam verificáveis, mas não precisa ser hoje. Algumas demoram mesmo. Einstein levou 11 anos para formular a Teoria Geral da Relatividade.

A afirmação sobre a existência de múltiplos universos pode ter o mesmo impacto que a descoberta de que a Terra não é o centro do universo? Antigamente era natural pensar que tudo no universo estava a serviço dos seres humanos. A Revolução Copérnica (de Nicolau Copérnico, astrônomo que formulou, no século XVI, a teoria de que o Sol é o centro do Sistema Solar, contrariando a crença vigente de que esse posto pertencia à Terra) nos trouxe a noção de que a Terra não está no centro de tudo. Similarmente, a Revolução Darwiniana nos disse que a humanidade não é a essência da vida. Se a Revolução dos Multiversos for verdadeira, nem o nosso universo é o centro: existe uma infinita variedade de coisas acontecendo, e não há locais ou seres favorecidos.

No fim do livro, o senhor e Hawking afirmam que a Filosofia está morta. Como assim? Cheguei a comentar com Stephen que não deveríamos publicar isso. Originalmente, a frase foi formulada de outra maneira. Algo como: “como ferramenta para aprender sobre o mundo físico, a Filosofia está morta”. Ele concordou, mas disse que assim não causaria impacto. Decerto houve impacto, mas isso também nos atingiu, dado o número de filósofos que ficaram furiosos. O que queríamos dizer é que há muitos e muitos séculos os efeitos naturais não tinham uma explicação razoável, apesar de estar pautados pela Filosofia. Hoje, os instrumentos da Filosofia não permitem que sondas sejam enviadas ao espaço, que novas tecnologias sejam criadas para melhorar a vida das pessoas. Com a Física podemos observar o mundo, formular uma teoria, montar um experimento e fazer previsões. As teorias são verificáveis, e milagres, não. Foi nesse sentido que afirmamos que a filosofia estaria morta.

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Dos seriados em que você trabalhou, qual o senhor prefere: McGyver ou Jornada nas Estrelas? Gosto do ‘mcgyverismo’ do McGyver, mas esse era apenas um pequeno aspecto do personagem. Jornada nas Estrelas refletia questões maiores da ciência e da filosofia. O que é a pessoa? Pode o computador ser uma pessoa? Meu episódio favorito é um que escrevi 100%: Dophin. Era sobre uma mulher que foi criada em um planeta para ser rainha em outro. Ela nunca tinha visto pessoas, porque havia sido criada em total isolamento.

Biblioteca básica

Uma Breve História do Tempo

Uma Breve História do Tempo ()
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Busca explicar temas da Cosmologia aos leigos. Foi publicado inicialmente em 1988, mas chegou às bancas em novas versões em 1996, 1998 e 2005. Vendeu mais de dez milhões de cópias no mundo.

Autor: HAWKING, STEPHEN

Editora: ROCCO

Como foi o seu 11 de setembro? Foi muito tenso e complicado. Aquela vizinhança sempre foi uma espécie de quintal para a minha família. Morávamos colados no WTC. Boa parte de A Janela de Euclides (Editora Geração, 296 páginas, 50 reais) foi escrita em uma cafeteria no segundo andar de uma das torres. No dia, tinha acabado de deixar meu filho na escola e estava indo pegar o metrô para voltar, quando o avião passou por cima de nossas cabeças e acertou o prédio. Olhei para cima e pensei: “Meu Deus, o que aconteceu com esse avião? Ele está vazio? É um voo de treinamento? Espero que ele tenha cuidado porque está muito próximo do prédio.” Foi então que a explosão aconteceu. Fogo e detritos por todo lado, pessoas correndo e entrando nas lojas para se proteger e muita gritaria. Foi desesperador.

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Os acontecimentos daquele dia ainda o afetam? Com certeza. Estou sempre olhando para aviões e me perguntando se há algo errado. Onde moro, em Los Angeles, muitos aviões voam baixo a caminho de Long Beach. Sempre que isso acontece fico pensando que é algum novo atentado terrorista.

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