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Casos de perfurações graves no cérebro ajudaram no avanço da ciência

No século XIX, Phineas Gage teve o cérebro perfurado por uma barra de ferro. Com rápida recuperação e drástica mudança de personalidade, o acidente do americano se tornou um dos primeiros grandes casos de estudo sobre a especialização cerebral

Por Da Redação
Atualizado em 6 Maio 2016, 16h21 - Publicado em 20 abr 2013, 16h55

No último domingo, Bruno Coutinho, de 34 anos, limpava seu arpão de pesca quando disparou acidentalmente contra o próprio rosto. O arpão media 30 centímetros e penetrou o crânio na altura do olho esquerdo, percorrendo 15 centímetros e atingindo seu cérebro. Morador de Petrópolis, na Região Serrana do Rio, Coutinho se manteve lúcido e foi capaz até de ligar para os bombeiros pedindo socorro. Esse não é o primeiro caso do tipo. No ano passado, um jovem de 24 anos sobreviveu após ser atingido na cabeça por um vergalhão de dois metros, também no Rio de Janeiro.

Um levantamento de 2001 mostra que pelo menos 7% das pessoas que sofrem algum tipo de ferimento invasivo no cérebro conseguem resistir ao dano. Segundo os especialistas, a sobrevivência está diretamente ligada às áreas atingidas e à extensão do ferimento. Ao machucar o cérebro, um indivíduo pode ter atingida uma região importante – e acabar morrendo – mas também pode sofrer o dano em uma área que não é essencial para a manutenção da vida. O ferimento pode ser até mais extremo do que o sofrido por Coutinho e atravessar completamente o crânio, mas, se não atingir uma área vital, o indivíduo é capaz de sobreviver.

A história da medicina está cheia de casos assim. Parte desses casos ajudou os pesquisadores a compreenderem a mente humana e a avançar a ciência. A história de Phineas Gage é exemplar. Um americano de 25 anos, Gage chefiava uma equipe que trabalhava na construção de ferrovias. Em 1848, uma explosão acidental jogou uma barra de ferro de um metro contra sua cabeça. Como um projétil, ela penetrou pelo lado esquerdo de seu rosto, debaixo do olho, e saiu pelo topo da cabeça, caindo cerca de 25 metros depois. A parte da frente do lado esquerdo de seu cérebro foi completamente estraçalhada (hoje, os pesquisadores sabem que se trata do lobo frontal esquerdo).

Phineas Gage ()
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Phineas Gage sobreviveu após ter seu cérebro atravessado por uma barra de ferro, mas nunca mais foi o mesmo. Sua história se tornou tão notória que seu crânio está até hoje exposto em um Museu na Universidade Harvard

Phineas Gage foi jogado para trás pelo impacto, mas não chegou nem a perder a consciência. Sua espantosa recuperação impressionou a comunidade médica da época. Depois de dez semanas, ele já se sentia capaz de voltar ao trabalho. No entanto, quando tentou recuperar o velho emprego, não durou muito tempo. Acontece que sua personalidade tinha mudado. Segundo os relatos, ele tinha se tornado grosseiro, irreverente, violento e impaciente, mostrando pouco respeito por seus companheiros. Até o final da vida, ele nunca mais conseguiu se manter em um emprego. Gage morreu em 1860, depois de passar por crises de ataques epilépticos.

Sua história se tornou um grande caso de estudo. Os pesquisadores da época diziam que o acidente – e a destruição parcial de seu cérebro – haviam feito com que suas faculdades intelectuais tivessem sido suplantadas por seus instintos animais. Os cientistas do século XIX encararam o fato como uma prova de que a personalidade podia estar localizada em uma parte específica do cérebro humano.

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Hoje, mais de 160 anos depois do acidente, sua história está presente nos principais livros estudados por alunos de psicologia e neurociência. Os pesquisadores recentes sabem que existem alguns exageros nos relatos sobre o quanto a personalidade de Gage mudou e nas conclusões tiradas à época. Mas o caso é tido como uma das primeiras demonstrações de que o cérebro não é homogêneo, mas composto de diferentes partes, com múltiplas funções – um dos pilares mais discutidos da neurociência. É sabido que muito da personalidade do indivíduo está contida justamente nos lobos frontais.

Nesse meio tempo, o estudo de áreas cerebrais danificadas se tornou comum. Ao saber que determinada área não funciona bem, os pesquisadores podem analisar o indivíduo e descobrir qual a exata função dessa área. Ainda no século XIX, o médico francês Paul Broca usou o método para estudar a especialização cerebral, descobrindo, por exemplo, a área responsável pela fala.

Muito do que se pensava saber no século XIX sobre as áreas cerebrais e sua especialização já está superado, mas o estudo de cérebros que passaram por ferimentos ainda é muito comum. Em 2007, por exemplo, pesquisadores da Universidade de Iowa publicaram um estudo na revista Nature mostrando que, em pacientes com danos no córtex pré-frontal ventromedial, as escolhas utilitárias se tornam mais comuns durante os julgamentos morais. Segundo o estudo, isso demonstra que até mesmo a moral está baseada em estruturas especializadas localizadas no cérebro.

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