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“A ciência mudou minha vida”, diz ganhador do ‘Nobel jovem’

O piauiense Manoel Nunes, 17, fala da trilha que o levou a conquistar a láurea

Por Sara Salbert
9 nov 2024, 08h00

Desde pequeno, cultivava aquele fascínio pelo funcionamento das coisas simples — desmontava brinquedos para entender a função de cada peça e criar algo novo, diferente. Com essa cabeça, participei da primeira feira de ciências aos 6 anos e segui investigando o mundo à minha volta. Minhas ideias chamavam atenção — achavam originais —, mas ficou claro para mim que precisava extrapolar a sala de aula. Às vezes, fazia uma pergunta, e o professor vinha com uma resposta vaga. Aí criei meu próprio método de aprendizagem, que se somava ao do colégio. Era uma viagem solitária. Não me interessavam as fórmulas nem ficar decorando conceitos. Meu grande prazer sempre foi ir atrás dos detalhes. E assim se passaram os anos — até que recebi em Estocolmo, na Suécia, um prêmio com o qual tanto sonhava, uma espécie de Nobel da ciência concedido a um projeto dedicado ao estudo sobre a água. A láurea só me deu mais gás para continuar nessa trilha.

Foi no ensino médio que decidi encarar o universo das competições científicas para valer. A estreia, porém, foi um desastre: fiquei em último lugar na primeira feira de ciências fora da escola. Mas não me desmotivei, não. Passava noites em claro estudando, a ponto de esquecer de comer. Perdi 10 quilos. E minhas necessidades foram crescendo conforme ia me aprofundando nas pesquisas. Na ciência, quanto mais você quer, mais caro tudo fica. Para tirar as ideias do papel, precisava de equipamentos, como impressora 3D e computadores avançados, com que minha família não tinha condições de arcar. Nunca recebi apoio financeiro, de empresas nem de governos. Comecei então a vender rifas e brownies para pôr de pé meus projetos. E o prejuízo só fez crescer quando passei a ir a torneios internacionais e bancar as despesas. Até hoje, desembolso dinheiro para estar entre meus pares mundo afora.

De todos, meu mais ambicioso invento foi o Rover Aquático, um barco de baixo custo, capaz de monitorar a qualidade da água de forma autônoma e remota. Criei pensando nas comunidades ribeirinhas e no povo Yanomami, que sofrem constantemente com a contaminação dos rios. O objetivo era construir algo que qualquer pessoa pudesse usar, mesmo sem conhecimento técnico. O Rover realiza sozinho todo o processo que normalmente exigiria uma equipe especializada em tratamento de água, com a vantagem de contribuir para o ambiente, prevenindo desastres naturais. Passei quase dois anos aperfeiçoando o projeto. Foram oito versões antes de chegar ao protótipo final. Ganhei com ele cinco medalhas de ouro em feiras nacionais e decidi me candidatar ao Prêmio Jovem da Água de Estocolmo. Nunca alguém vindo do Nordeste havia vencido a etapa nacional e representado o Brasil na Suécia. Só faltava enfrentar os quarenta melhores jovens cientistas do mundo, entre americanos, chineses e outros excelentes competidores.

Quando meu nome foi anunciado como vencedor, pensei: “Valeu tudo!”. Como parte do rito, fui convidado para um jantar com a realeza sueca e recebi um diploma assinado pela comissão do próprio Nobel. As pessoas me dizem que sou supertalentoso, mas, honestamente, sei que não sou um gênio. Sou é dedicado desde muito, muito cedo, e empolgado. O ambiente que tive em casa, ao lado dos meus pais, também se revelou decisivo. Eles não apenas sustentaram meus estudos — minha mãe como manicure e meu pai como cobrador de ônibus —, mas sedimentaram em mim a ideia de que estava ali a chave para uma vida melhor. Meu próximo passo é buscar parcerias com instituições públicas e privadas para que o Rover Aquático possa ser produzido em larga escala e tenha um papel efetivo na preservação ambiental. Quero cursar engenharia elétrica e me especializar no exterior, onde posso adquirir conhecimentos que infelizmente no Brasil, onde ainda se investe pouco em ciências, acho que não teria. Depois, o plano é voltar e dividir o que aprendi. Não troco meu Piauí por nada.

Manoel Nunes em depoimento a Sara Salbert

Publicado em VEJA de 8 de novembro de 2024, edição nº 2918

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