Ustra terá de indenizar família de morto pela ditadura
Coronel reformado do Exército foi condenado a pagar 100 mil reais à família do jornalista Luiz Eduardo da Rocha Merlino, morto sob tortura nas dependências do DOI-Codi em 1971. Ainda cabe recurso
O coronel reformado do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra foi condenado pela Justiça de São Paulo a pagar uma indenização de 100 mil reais à família do jornalista Luiz Eduardo da Rocha Merlino, morto sob tortura em 19 de julho de 1971 nas dependências do DOI-Codi (Destacamento de Operações e Informações – Centro de Operações de Defesa Interna), núcleo de repressão do regime militar então sob comando do acusado. A sentença é da juíza Claudia de Lima Menge, da 20ª Vara Cível da Capital, e ainda cabe recurso.
É o primeiro revés do coronel Ustra no âmbito judicial. O Ministério Público Federal, frequentemente, fustiga o militar, a ele atribuindo torturas e mortes nos porões. Ustra terá que pagar R$ 50 mil a Regina Maria Merlino Dias de Almeida, irmã da vítima, e a Angela Maria Mendes de Almeida, sua companheira.
“Evidentes os excessos cometidos pelo requerido (Ustra), diante dos depoimentos no sentido de que, na maior parte das vezes, o requerido participava das sessões de tortura e, inclusive, dirigia e calibrava intensidade e duração dos golpes e as várias opções de instrumentos utilizados”, assinala a juíza Claudia Menge em sua decisão. “Mesmo que assim não fosse, na qualidade de comandante daquela unidade militar, não é minimamente crível que o requerido não conhecesse a dinâmica do trabalho e a brutalidade do tratamento dispensado aos presos políticos. É o quanto basta para reconhecer a culpa do requerido pelos sofrimentos infligidos a Luiz Eduardo e pela morte dele que se seguiu, segundo consta, por opção do próprio demandado, fatos em razão dos quais, por via reflexa, experimentaram as autoras expressivos danos morais”, completa.
Anistia – O advogado Paulo Alves Esteves, que defende o coronel Ustra, disse que vai recorrer da sentença ao Tribunal de Justiça do Estado. “A condenação desrespeita a Lei de Anistia”, observou Esteves. Segundo a juíza Claudia de Lima Menge, o processo não guarda relação com a Lei de Anistia, de 1979, por esta ser “de âmbito exclusivamente penal”.
“Não é de olvidar, porém, que até mesmo a anistia assim referendada pela Corte Suprema não está infensa a discussões, tendo em conta subsequente julgamento proferido pela Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), em que o Brasil foi condenado pelo desaparecimento de militantes na guerrilha do Araguaia, enquadrados os fatos como crimes contra a humanidade e declarados imprescritíveis”, destaca a juíza.
Militantes do Partido Operário Comunista (POC), Merlino e Angela Mendes de Almeida estavam na clandestinidade desde 1968. Em 1971, após um período na França, o jornalista voltou ao Brasil. Em 15 de julho, quando visitava a família em Santos, litoral paulista, foi preso por agentes do DOI-Codi.
Segundo relatos de testemunhas, nas dependências do órgão Merlino passou por severas sessões de tortura, que causaram sua morte quatro dias depois. Companheiros de prisão, entre eles o ex-ministro da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, Paulo Vanucchi, que depôs perante a 20ª Vara Cível de São Paulo, afirmam tê-lo visto com evidentes sintomas de falta de circulação nas pernas, consequência das horas no pau de arara.
A versão oficial para a morte de Merlino foi suicídio – ele teria se jogado na frente de um carro quando era transportado ao Rio Grande do Sul para reconhecer colegas militantes.
(Com Agência Estado)