Nenhuma grande cidade do mundo, mesmo nos países mais desenvolvidos, está completamente preparada para eventos climáticos excepcionais. O rigor do último inverno do Hemisfério Norte provocou grandes transtornos em cidades que contam com excelente infra-estrutura, como Nova York. No caso do Rio de Janeiro, a quantidade de chuva que caiu desde as 17h da última segunda-feira é superior a todo o volume pluviométrico do mês de abril de 2009.
A enchente é comparável às ocorridas em 1966, 1988 e 1996. Para complicar, o temporal começou com a maré alta. Nessa situação, o mar funciona como um tampão, impedindo que a água escoe pelas galerias pluviais.
De fato, nenhum programa de drenagem poderia impedir o transbordamento da Lagoa Rodrigo de Freitas, diz o presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil, Sérgio Magalhães. Mas outras áreas da cidade, que todo carioca sabe que vão inundar assim que começa a chover forte, como a Praça da Bandeira, certamente poderiam estar em melhor situação se a prefeitura tivesse pelo menos usado o orçamento previsto em obras de drenagem, dragagem de rios e canalização.
A grande tragédia carioca está mesmo é na falta de infraestrutura de transportes e de política habitacional. “As mortes que aconteceram no Rio estão associadas à pobreza e à negligência das autoridades ao longo de décadas. Sem política habitacional ou de transportes, a população mais pobre acaba se instalando em áreas de risco”, diz Magalhães. E, o que é pior, com o beneplácito do poder público.
Luis César Queiroz Ribeiro, professor do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (IPPUR/UFRJ), acusa os governantes de colocar a máquina para funcionar apenas em situações de emergência. �O Rio de Janeiro, assim como São Paulo, é produto de construções desordenadas, que não obedecem a padrões urbanos e leis de uso e ocupação do solo”, defende. “Esse caos é um reflexo da fragilidade do poder público em administrar a cidade.�
Por isso, o desastre que se abateu sobre o Rio de Janeiro, apesar de chocante pela grande quantidade de vítimas e pelo caos que provocou, não surpreende os especialistas ouvidos por VEJA.com. “A topografia montanhosa, repleta de rios e lagoas, é pouco favorável para o desenvolvimento de centros urbanos”, diz Sílvia Barboza, coordenadora da Comissão de Habitação do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB-RJ). “Para piorar, as encostas são ocupadas desde o século 19.”
Chuva histórica – Sílvia Barboza enfatiza que o primeiro passo agora é olhar para as áreas de risco que, historicamente, sofrem com os temporais, como a região da Praça da Bandeira e os morros do Macaco, do Borel e da Mangueira. “São locais que realmente precisam ser trabalhados, pois já mostraram várias vezes que não podem comportar esse tipo de desastre”, pontua.
De acordo com Sílvia, o entorno da Mangueira, por exemplo, possui bons terrenos livres que poderiam fazer parte de programas federais. “A cidade precisa de planejamento urbano, e os programas urbanísticos do governo devem estar integrados para que as soluções não sejam pontuais. O aperfeiçoamento desses programas é essencial para minimizar as tragédias, pois elas sempre vão ocorrer”, opina.
Outra medida importante seria mapear a cidade, para que se descubram terrenos e imóveis desocupados. Assim, a população que ocupa as áreas de risco poderia ser transferida.
(Com reportagem de Cecília Araújo e Marina Dias)