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Suicídio de reitor da UFSC inflama polêmica sobre prisões pela PF

‘Decretei minha morte no dia da minha prisão’, diz bilhete deixado por Luiz Carlos Cancellier de Olivo; entidades como a OAB e políticos veem abuso na ação

Por Da Redação
3 out 2017, 17h13

O suicídio do reitor afastado da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Luiz Carlos Cancellier de Olivo, 60 anos, na segunda-feira, ampliou a polêmica em torno das práticas adotadas em operações contra a corrupção. Entidades do mundo jurídico e acadêmico, além de políticos, criticaram a prática do Ministério Público Federal e da Polícia Federal de pedir a prisão de suspeitos com base em indícios de crimes.

Na esteira do debate, que se proliferou pelas redes sociais, políticos investigados na Operação Lava Jato , como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), aproveitaram o momento para defender a imposição de limites na atuação tanto de policiais federais quanto do MPF e do Poder Judiciário.

Cancellier morreu ao se jogar das escadas do sétimo andar do Beiramar Shopping, em Florianópolis. O reitor trazia nos bolsos a sua Carteira Nacional de Habilitação (CNH) – pela qual foi identificado – e um bilhete, segundo a assessoria da Polícia Civil. “Eu decretei a minha morte no dia da minha prisão pela Polícia Federal”, dizia um trecho da mensagem. A carta foi enviada para a perícia para determinar se Cancellier realmente foi o autor do texto.

Na segunda-feira, após a confirmação da morte de Cancellier, a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) criticou fatores que teriam levado à morte do reitor, como a “atuação desmedida do aparato estatal”, as “práticas de um estado policial” e a destruição da honra das pessoas “em nome de um moralismo espetacular”.

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“É inaceitável que pessoas investidas de responsabilidades públicas de enorme repercussão social tenham sua honra destroçada em razão da atuação desmedida do aparato estatal”, disse a nota. “É inadmissível que o país continue tolerando práticas de um estado policial, em que os direitos mais fundamentais dos cidadãos são postos de lado em nome de um moralismo espetacular.”

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de Santa Catarina afirmou, em nota, que é “chegada a hora de a sociedade brasileira e da comunidade jurídica debaterem seriamente a forma espetacular e midiática como são realizadas as prisões provisórias no Brasil, antes sequer da ouvida dos envolvidos, que dirá sua defesa”.

O comunicado da OAB estadual foi assinado pelo seu presidente, Paulo Marcondes Brincas, que deu aulas para Cancellier na UFSC. “Reputações construídas duramente, ao longo de anos de trabalho e sacrifícios, podem ser completamente destruídas numa única manchete de jornal. Para pessoas inocentes, o prejuízo é irreparável. Cabe-lhes a vergonha, a dor e o sentimento de injustiça. O peso destes sentimentos pode ser insuportável.”

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O Conselho Federal e o Colégio de Presidentes da OAB seguiram a posição do braço catarinense da instituição. A entidade diz que a acusação contra Cancellier foi “não ter dado sequência ao processo administrativo de apuração” de casos de corrupção ocorridos antes de ele assumir a reitoria da UFSC, nos quais não teve nenhuma participação. “Mesmo assim, [Cancellier] foi preso provisoriamente, impedido de ingressar na universidade e teve sua imagem brutalmente exposta.”

“Não nos peçam o linchamento. Queremos a apuração de todos os fatos e de todas as acusações. Mas conclamamos a todos a dizer não ao culto ao autoritarismo e ao processo penal como instrumento de vingança. Apurar e punir, sim. Violar o devido processo legal, a dignidade da pessoa humana e a presunção de inocência, nunca”, disse o Conselho Federal da OAB.

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Caixão com o corpo do reitor afastado Luis Carlos Cancellier Olivo é recebido na UFSC; ele estava impedido pela Justiça de ir à universidade (Jair Quint/Agecom/UFSC/Divulgação)

O procurador-geral de Santa Catarina, João dos Passos Martins Neto, disse que é necessária a apuração das responsabilidades civis, criminais e administrativas das autoridades policiais e judiciárias envolvidas na prisão do reitor. “As informações disponíveis indicam que Cancellier padeceu sob o abuso de autoridade, seja em relação ao decreto de prisão temporária contra si expedido, seja em relação à imposição de afastamento do exercício do mandato, causas eficientes do dano psicológico que o levaram a tirar a própria vida.”

Martins Neto disse esperar que o legado de Cancellier seja o “de ter exposto ao país a perversidade de um sistema de Justiça criminal sedento de luz e fama, especializado em antecipar penas e martirizar inocentes, sob o falso pretexto de garantir a eficácia de suas investigações”.

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Luis Carlos Cancellier Olivo
O reitor afastado da UFSC, Luis Carlos Cancellier Olivo, encontrado morto em shopping de Florianópolis na segunda-feira (Pipo Quint/Agecom/UFSC/Reprodução)

O caso

A prisão temporária (com validade de cinco dias) do reitor, decretada pela juíza substituta da 1ª Vara Federal de Florianópolis,  Janaina Cassol Machado, foi cumprida pela PF em 14 de setembro. A magistrada também afastou Cancellier de suas funções.

Em ofício, a juíza diz que Cancellier “deliberadamente envidou esforços para barrar as investigações” referentes à Operação Ouvidos Moucos, que apura um esquema de corrupção que teria desviado bolsas e verbas no valor de 80 milhões de reais de cursos de Educação a Distância (EaD) do Programa Universidade Aberta (UAB). Solto no dia seguinte à prisão, Cancellier, que era reitor desde maio de 2016, negou ao jornal Diário Catarinense, que tivesse tomado atitudes para obstruir as investigações.

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“De forma peremptória, devo negar qualquer atitude que leve à obstrução da denúncia feita em relação à universidade. Nunca foi do feitio da reitoria e muito menos de nossa gestão a hipótese de obstruir investigação na universidade, que está submetida a uma série de controles da Controladoria-Geral da União (CGU), da Advocacia-Geral da União (AGU), Ministério Público, Conselho de Curadores, Conselho Universitário e uma série de outros órgãos”, disse o reitor.

Ele negou que sabia da existência de irregularidades. “Em um programa como esse da UAB, que vem sendo executado há mais de oito anos, sendo considerado excelência em ensino pela Capes, não haveria como a administração central obstruir qualquer investigação. Na atual gestão, procuramos sempre manter um clima de diálogo, de harmonia, reduzir as tensões, de desarmar os espíritos, de defesa da legalidade”, afirmou.

Velório

O corpo de Cancellier foi velado na segunda-feira, na UFSC. Segundo nota da universidade, o caixão foi recebido com uma salva de palmas de estudantes, técnicos-administrativos, docentes, amigos, familiares e autoridades, que formaram um corredor até a entrada principal do prédio da reitoria. “Impedido de entrar na universidade em decorrência da Operação Ouvidos Moucos, da Polícia Federal, a escolha por realizar o velório na instituição foi simbólica”, disse a universidade.

“O caixão chega pela porta da frente, que é o lugar por onde ele entrou nessa instituição como reitor. É justo que, nesse ato de despedida e homenagem, ele retorne pela porta da frente”, disse Áureo Moraes, chefe de gabinete, ao discursar no velório.

Políticos vão no embalo

A morte de Cancellier também repercutiu entre políticos investigados na Operação Lava Jato. O ex-presidente Lula, condenado a nove anos e seis meses de cadeia pelo juiz federal Sergio Moro, afirmou que o reitor foi exposto “sem nenhum motivo justificável, apenas para a sanha das manchetes sensacionalistas e a sede da destruição de reputações”. “Cancellier deveria ter retornado em vida para exercer suas atividades na universidade da qual era reitor e da qual foi afastado em medida que desrespeitou a autonomia universitária e que não deveria ter lugar no estado democrático”, disse Lula.

Outros petistas tiveram discurso semelhante. Os deputados federais Maria do Rosário (RS) e Paulo Teixeira (SP) repercutiram a manifestação do procurador-geral Martins Neto, enquanto o deputado Wadih Damous (RJ) divulgou vídeo em que defende a revisão do instituto da delação premiada.

Defesa

A reportagem tentou ouvir a juíza federal que autorizou a prisão sobre as críticas, mas a assessoria da Justiça Federal de Santa Catarina disse que ela não iria se pronunciar. A PF também foi procurada, mas não respondeu.

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