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Rio: roubalheira na saúde cruzou fronteiras do estado

Contratos fraudulentos no principal programa de saúde do Rio de Janeiro são obra de um grupo que, ao que tudo indica, espalhou seus tentáculos também no Rio Grande do Norte

Por Da Redação 6 abr 2012, 07h03

O dossiê expõe a desfaçatez com que empresas e indivíduos desviam para o próprio bolso dinheiro que serviria para melhorar o precaríssimo atendimento da saúde pública

Quanto mais se explora o lamaçal da saúde pública no Brasil, mais podridão vem à tona. No Rio de Janeiro, o mau cheiro envolve agora o Instituto de Atenção Básica e Avançada à Saúde (Iabas), uma das entidades teoricamente sem fins lucrativos que a prefeitura contratou para gerenciar o principal programa de saúde do município, as Unidades de Pronto Atendimento (UPAs). Chamadas de Organizações Sociais (OS) e regulamentadas por uma lei de maio de 2009, as treze gestoras contratadas sem licitação controlam um orçamento que, até o fim deste ano, vai ultrapassar 2,7 bilhões de reais. Desse total, uma fatia de 600 milhões de reais foi parar nas mãos do Iabas, que administra cinco UPAs nas zonas Norte e Oeste da cidade. Um recém-concluído relatório do Tribunal de Contas do Município (TCM) mostra que a bolada, destinada a ajudar pessoas doentes e sem recursos, tem sido usada para engrossar uma vasta rede de irregularidades. De forma bastante didática, o dossiê expõe, mais uma vez, a desfaçatez com que empresas e indivíduos desviam para o próprio bolso dinheiro que serviria para melhorar o precaríssimo atendimento da saúde pública no país.

Um conjunto de documentos, aos quais VEJA teve acesso, indica que os tentáculos do esquema se esparramaram para além dos cofres fluminenses. O homem que assinou os contratos agora na mira do TCM, Ricardo José de Oliveira e Silva, então no cargo de diretor médico do Iabas, traz no currículo outra mancha, também na área da saúde. Em fevereiro de 2011, ele partiu para Natal, no Rio Grande do Norte, assessorado por outros três ex-funcionários da saúde pública do Rio. Foi gerir os 8,1 milhões de reais destinados à campanha Natal Contra a Dengue, no cargo de diretor executivo do Instituto de Tecnologia, Capacitação e Integração Social (ITCI). Acabou sendo afastado dois meses depois. A razão: irregularidades na contabilidade e na contratação de serviços. Indícios de que os descalabros na saúde do Rio de Janeiro e de Natal podem estar conectados por uma teia da qual ainda não se conhece a amplitude.

O dossiê do TCM disseca a roubalheira no Rio. Ele trata de contratos firmados entre fevereiro de 2010 e junho de 2011. Só em duas UPAs, a investigação aponta mais de 1,2 milhão de reais em notas fiscais duplicadas. Ou triplicadas: a mesma nota de número 144, no valor de 58 233 reais, aparece na prestação de contas do Iabas em 4 de outubro e 6 de dezembro de 2010 e ainda em 23 de março de 2011. É relativa a exames de raios X. No relatório de 67 páginas, os técnicos afirmam haver “sobrepreços excessivos em todos os contratos analisados”. Uma das beneficiadas é a Rufolo Serviços Técnicos – uma das quatro empresas recém-flagradas pelo Fantástico, da Rede Globo, oferecendo propinas para vencer licitações em hospitais federais. O Iabas cancelou o contrato com a Rufolo. No mais, não vê motivo de preocupação. O presidente do instituto, Eduardo Cruz, explica em sua lógica, digamos, peculiar as razões de sua tranquilidade: “Organizações Sociais são empresas privadas. Buscamos os melhores custos, mas não temos de seguir a Lei de Licitações ou qualquer tabela de preços de qualquer órgão público”. No mínimo, uma imoralidade. O TCM ainda mostra que o Iabas ganhou o direito de administrar a saúde dos cariocas sem nem mesmo ter um departamento montado para tal. Para sanar a deficiência, contratou a Anstafi Serviços Econômicos e Financeiros Ltda. por 853 000 reais – “terceirização” não prevista em contrato. Detalhe: a Anstafi tem como sócio André Staffa Filho, um dos diretores do Iabas na época.

Coronel reformado do Corpo de Bombeiros, conselheiro do Conselho Regional de Medicina e conceituado obstetra, Ricardo Oliveira e Silva, o diretor que em 2010 assinou a maior parte dos contratos do Iabas no Rio, deixou o instituto em dezembro de 2010. Para os novos desafios que viria a assumir em Natal, ele levou três cariocas já experientes na saúde. Um foi Marcos Henrique Crispim, então funcionário da Toesa Service – prestadora de serviços também desmascarada no ato da bandalha. Outro foi o tenente-coronel bombeiro Rafael Amoreira Paixão, que no Rio era fiscal de um contrato de aluguel de ambulâncias da Toesa. O terceiro convocado por Oliveira foi Saulo Pereira Fernandes, ex-assessor especial da Subsecretaria Executiva de Saúde do Rio e, como o chefe, ex-Iabas. O grupo só teve tempo de transferir 2,8 milhões para uma prestadora de serviço, a Tefé Tefé (que, surpresa, funciona no endereço da Toesa). Em menos de dois meses, o Ministério Público estadual detectou irregularidades e entrou com uma ação para cancelar o contrato com a ITCI, empresa em torno da qual se reunia a turma do obstetra. As investigações seguem na promotoria e no Tribunal de Contas de Natal. No momento, Crispim está no Recife, trabalhando na mesma Toesa para o mesmo ITCI. O coronel Paixão é chefe de informática da Secretaria de Defesa Civil. Oliveira e Silva e Fernandes se encontram no Rio, sem cargo relacionado à saúde pública. Por enquanto. Como bem mostra a reportagem na página 64, os corruptos brasileiros sempre encontram uma brecha para voltar a sugar os cofres públicos.

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