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Peregrinação vira ‘city tour’ na Zona Sul do Rio

Mudança forçada no local da caminhada pôs os fiéis no eixo dos turistas que visitam a cidade para fotografar o Pão de Açúcar e o Cristo e fazer compras

Por Helena Borges, Carolina Farina e Pâmela Oliveira
Atualizado em 10 dez 2018, 09h59 - Publicado em 27 jul 2013, 15h05

A chuva que arrasou o Campo da Fé, em Guaratiba, foi o maior revés da Jornada Mundial da Juventude no Rio, com prejuízos para os organizadores, gastos inesperados para o poder público e uma mudança brutal num planejamento que se mostra problemático desde os primeiros dias do evento. Mas os peregrinos não têm muito do que reclamar. A caminhada de 9,5 quilômetros do roteiro improvisado da peregrinação, entre a Central do Brasil e a Praia de Copacabana se deu entre Padres Nossos e Ave-Marias, uma parada para fotos na frente do Pão de Açúcar, outra para ver o Cristo Redentor e até com um lanchinho no shopping center – com umas comprinhas, claro.

Com a transferência do percurso de uma área isolada para o eixo turístico da cidade, a peregrinação virou ‘city tour’, e em vez da solidão e da reflexão, o caminho foi de cantoria e descontração. Alguns até aproveitam um atalho: fizeram parte do caminho de metrô. Os que preferiram gastar o sapato percorreram um trajeto comumente usado para as corridas de rua. Ou seja, se faltaram as estruturas preparadas para Guaratiba, sobraram as lojinhas, camelôs e confortos da cidade.

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As curitibanas Isabelle Bandeira e Vytoria Villalba acordaram às 5h para começar a caminhada até Copacabana. Elas só dormiram três horas na noite anterior, esperando para finalmente tomar o primeiro banho quente da semana – na escola onde elas e mais outros trezentos peregrinos estão abrigados, apenas três chuveiros tem água quente. Contrariando o sono, a geografia da cidade e a corrente de romeiros, saíram de Botafogo, bairro vizinho ao da vigília, para o centro da cidade. “Queríamos muito fazer a peregrinação por completo, ela é parte da preparação para a noite, não pode ser ignorada. E quanto mais cedo saímos, mais perto ficamos. Ontem deu para ficar pertinho do papa, hoje queremos repetir a dose”, contou Isabelle que, assim como a amiga, tem 15 anos.

https://www.youtube.com/watch?v=B9v0aX4niNY

Para moradores do Rio, a peregrinação também foi de descobertas. Moradora de Paciência, na Zona Oeste, a dona-de-casa Clara Helena da Silva, de 51 anos, saiu de casa 4h para participar da vigília e da missa de encerramento da JMJ. Em Guaratiba, tudo estava mais perto de casa, e a mudança dificultou a missão de Clara. Não só pela distância. Copacabana era, para ela, uma barreira: em 2007, Clara perdeu um filho, que morreu afogado no mar de Copacabana quando tentava salvar uma amiga. “Eu não em conformei com a morte dele e jurei que nunca mais pisaria em Copacabana. Quando soube que a vigília foi transferida para Copacabana, vi que deveria superar isso. Não está sendo fácil, mas busquei forças no papa Francisco. Olhei bem para no rosto dele. Chorei e agora vou caminhando até lá”, contou Clara. No caminho até Copacabana, Clara conta com o apoio dos 11 peregrinos que recebeu em casa.

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Peregrinos dormem nas areias de Copacabana

Chovia e fazia 18 graus no centro da cidade quando as duas amigas começaram a caminhada junto aos outros oito integrantes do grupo que as acompanhava. De marquise em marquise, caminharam sob o olhar mais do que atento dos sorridentes soldados do exército emparelhados pela Avenida Presidente Vargas, todos fazendo questão de dar um simpático bom dia às duas jovens que riam dos encasacados enquanto desfilavam de shorts jeans e óculos escuros. “Isso aqui, para nós, é como estar em casa. Você sabe quanto está fazendo em Curitiba agora?”, comentou o coordenador do grupo, Diego Guterres, de 24 anos. Quando os jovens saíram da capital paranaense, na segunda-feira, a temperatura era inferior a 2 graus.

Os percalços do percurso urbano, como viram os peregrinos, são bem diferentes. Na altura da Candelária, uma senhora de longos cabelos e saias que iam até o chão começou a lançar uma “maldição” sobre o grupo. “Vocês idolatram mais ao papa do que a Deus! Quando o mundo se acabar, vão descobrir a verdadeira face dele! Ele se mostrará ser a besta”, rogou.

Outros credos – Nada que pudesse abalar a alegria da caminhada. “Viva o papa Francisco!”, exclamou, um pouco contido, um peregrino, ao que todos respondem com um caloroso “viva”, antes de emendar em um Pai Nosso. A implicância é brincadeira, mas os jovens admitem o medo da represália por grupos que não compartilham das mesmas opiniões. “Ontem estávamos em Copacabana quando começou a manifestação. Tentávamos fugir, mas quando mudamos o caminho os manifestantes também mudaram e nos encontramos com eles por várias vezes, sempre nos obrigando a recuar. Pichavam coisas, quebravam vidraças e jogavam reboco no chão. Gastamos duas horas fugindo deles. Só chegamos em casa perto da meia-noite”, contou Vytoria.

No Aterro do Flamengo, diferentes idiomas, bandeiras das mais variadas surgindo de todos os cantos e um número incalculável de caminhões sinalizam a chegada ao ponto de recolhimento do kit peregrino. Inúmeros fiéis aguardavam pacientemente havia horas, fazendo uma enorme fila antes mesmo do início da entrega. Por eles passam carros cheios de soldados que arrancam gritinhos e acenos das católicas menos, digamos, puritanas. A fila só começa a andar por volta das 9h, quando enfim começou a transitar pelo Aterro uma grupo retirante-peregrino, jovens com caixas e sacolas enormes na cabeça cheias de mantimentos, alguns carregando bancos ou até mesmo imagens de santos.

Talita Couto e Mariana Moraes saíram às 5h30 de casa, na região dos Lagos. Para dar conta de assistir à missa na sexta-feira, participar da peregrinação e garantir seu lugar na praia, o jeito foi deixar o sono de lado: “É muito cansativo, mas vale a pena”, resumiu Talita. “E ainda nem gastamos toda a nossa energia, deixamos um pouco na reserva para a missa com o papa Francisco”, brincou a amiga.

Duas meninas da Guatemala estavam cansadas por terem participado de todos os atos centrais. Elas não quiseram arriscar participar da peregrinação e perder os lugares na areia, próximas ao papa. Por isso, resolveram ir de metrô até Copacabana. “Queremos reservar nossas energias para a vigília”, justificou Gladyz González.

Quando o Pão de Açúcar surgiu no horizonte, os diferentes grupos batalham pelo melhor ponto à beira-mar e aproveitam a saída do sol para fazer uma foto com o cartão-postal da cidade. Feito o registro, os olhos se voltam para o Cristo Redentor, que surge no lado oposto, entre as nuvens. Isabelle inveja os cariocas que passam fazendo a típica corrida matinal. “Queria eu ter um visual desses todo dia. O Rio tem tudo para ser uma das melhores cidades do mundo. Pena que a impressão que tem nos passado é de má organização geral, da cidade e do evento”, criticou.

Uma placa avisa que faltam apenas dois quilômetros para a praia de Copacabana e as meninas comemoram. Com os sapatos encharcados, as pernas doloridas por causa da trilha pelo Pão de Açúcar feita no dia anterior e o estômago roncando (“não dá pra sentir fome às 5h da manhã, né”), elas aproveitam para fazer uma boquinha no shopping antes de chegar ao destino. Mas avisam logo ao grupo que querem ir rápido – conheceram uns italianos uns dias atrás e pretendem encontrá-los pelas areias de Copacabana na hora do almoço.

Ao fim de 9,5 quilômetros de caminhada, eles ainda têm energia para cantar e dançar. Mas os rostos dos peregrinos não escondem o cansaço. E, entre um verso e outro, abrem-se espaço para as reclamações sobre dores nas pernas e nas costas. Não poderia ser de outro jeito: ao longo de todo trajeto, os jovens que participarão da vigília na noite deste sábado trazem consigo sacos de dormir, mochilas e os kits alimentação, que pesam em torno de três quilos — além de enfrentar a chuva.

Um dos primeiros a chegar a Copacabana é um grupo de 33 peregrinos da Bahia que saiu às 6h20 do Aterro. Ao avistarem a praia de Copacabana, o sorriso transimte a sensação de dever cumprido. A visão do palco onde o papa Francisco celebrará a cerimônia de abertura da vigília renova as forças dos jovens, que andaram por quase quatro horas. Ana Cláudia da Silva conta que ela e os colegas chegaram nesta manhã ao Rio, somente para participar da vigília. Do aeroporto, seguiram direto para o Aterro. Não têm sequer onde ficar: seguirão acampados na praia até o fim da Jornada Mundial da Juventude. Mais à frente, um grupo de peregrinos do Amazonas canta para espantar o cansaço. Assim como os jovens da Bahia, não têm onde ficar. “Viemos para acompanhar a missa, o resto resolvemos depois”, diz Aurino da Silva.

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