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Patrimônio ameaçado

Estudo revela a falta de transparência em relação à situação da Amazônia. Governos estaduais responsáveis pela gestão da área escondem informações da região

Por Jennifer Ann Thomas Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 26 out 2018, 07h00 - Publicado em 26 out 2018, 07h00
(Arte/VEJA)

A real situação da região amazônica brasileira — que ocupa 60% do território nacional e se espalha por nove estados — constitui hoje um autêntico mistério. É essa conclusão, em tudo desalentadora, que salta das páginas de um novo estudo realizado pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), a respeitada ONG que atua no monitoramento do uso das terras naquela região, ao qual VEJA teve acesso antecipadamente (o levantamento deve ser publicado na segunda-feira 29). Pela Lei de Acesso à Informação (LAI), os dados referentes à área teriam de ser repassados pelas autoridades estaduais ao governo federal e à sociedade. No entanto, não é isso que ocorre, conforme a pesquisa.

Entre os oito estados da região analisados pelo Imazon — só Rondônia ficou de fora, porque a gestão do trecho local da Amazônia é de responsabilidade direta do governo federal —, nenhum pôde ser considerado aprovado no quesito transparência. Em média, 56% das informações que deveriam ser compartilhadas não estão disponíveis publicamente (veja o quadro ao lado).

A situação, por assim dizer, menos pior é a do Pará, com 29% dos dados apresentados considerados “satisfatórios”. Historicamente vinculado à grilagem, o estado avançou no ranking graças ao trabalho do próprio Imazon. O primeiro relatório sobre transparência de dados fundiários da região amazônica realizado pela ONG, em 2013, va­lia-se exclusivamente de estudos feitos no Pará. A constatação de que a maioria dos dados era omitida levou à criação, pelo Ministério Público, de uma comissão para investigar o caso. A pressão fez com que os órgãos estaduais paraenses se forçassem a colaborar mais na divulgação de informações sobre o assunto.

Cinco anos depois, no entanto, a situação, seja no Pará, seja nos outros estados pesquisados, está muito longe do ideal. “A consequência desse obscurantismo é óbvia, ainda mais depois que replicamos o estudo para outras sete regiões”, disse a VEJA a advogada paraense Brenda Brito, pesquisadora do Imazon. “Sem informações em mãos, não compreendemos o que acontece nesse patrimônio da nação; logo, não temos ferramentas para elaborar ações capazes de preservá-lo”, diz ela. Com razão. Não se conhece ao certo, por exemplo, a dimensão da grilagem de terras, do desmatamento e dos conflitos no campo — como montar estratégias para solucionar tais problemas? Mesmo com a escassez de dados disponíveis, sabe-se que 71 indivíduos morreram na região apenas no ano passado em decorrência de brigas que envolviam questões de uso da terra. O número já é alarmante — e é razoável supor que outros casos permaneçam desconhecidos devido à omissão de dados.

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O cenário é ainda mais intrincado em Mato Grosso. Em 2013, durante o governo de Silval Barbosa (MDB) —preso em 2015 por envolvimento em um esquema de propina em troca da concessão de incentivos fiscais —, o Executivo baixou um decreto estabelecendo que o acesso a tais informações teria de ser justificado, pois elas integrariam uma base sigilosa. A determinação afronta a LAI, de âmbito federal. “O que se coleta acaba sendo repassado apenas a quem está próximo do governo”, critica a ambientalista Alice Thuault, diretora adjunta do Instituto Centro de Vida, de Mato Grosso. “Para qualquer um que atue no setor é evidente como isso acaba protegendo, por exemplo, o desmatamento”, acredita ela. “O Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), uma autarquia federal, sempre demonstra entender a importância de dados desse tipo e disponibiliza rapidamente o que possui. Só que, ao se requisitar a mesma coisa em Mato Grosso, recebe-se a resposta de que o acesso a tais informações, mesmo por ambientalistas, estimularia a prática da grilagem. O que não faz o menor sentido”, relata Thuault. Caberia ao MP fiscalizar os governos.

Entre os conservacionistas, a expectativa é que a situação se agravará. De acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, entre julho e setembro deste ano o desmatamento na Amazônia cresceu 61,2% em comparação a igual período de 2017. Ao mesmo tempo, o líder nas pesquisas de intenção de voto para presidente, Jair Bolsonaro (PSL), declarou que tirará o Brasil do Acordo de Paris (2015), o tratado internacional que visa ao combate às mudanças climáticas e cujos compromissos incluem, por exemplo, a redução da devastação das florestas. Um dos nomes cotados para o Ministério da Agricultura de Bolsonaro, Luiz Antonio Nabhan Garcia, da União Democrática Ruralista, afirmou recentemente que vê espaço para aumentar o desmatamento. Sair do tratado internacional, contudo, não seria simples. A decisão precisaria ser aprovada pelo Congresso e, além disso, o distrato teria de ser formalizado com os outros 194 países signatários. A atitude provavelmente culminaria em sanções econômicas, como já ameaçou o presidente da França, Emmanuel Macron. Disse ele, no mês passado: “Não vamos mais assinar acordos comerciais com quem não respeita o Acordo de Paris”.

Publicado em VEJA de 31 de outubro de 2018, edição nº 2606

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