ONG tinge de verde a disputa por terras no Brasil
Em relatório que confunde conflitos no campo com ativismo ambiental, o país aparece no topo do ranking da violência, seguido de Peru e Colômbia

A ONG Global Witness divulgou na terça-feira um relatório chamando a atenção da Rio+20 para o que suspeita tratar-se de uma ‘crise oculta’ do ambientalismo: a escalada da violência contra ativistas, jornalistas e líderes comunitários envolvidos na defesa de ‘direitos humanos relacionados ao meio ambiente’.
De 2002 a 2011, nas contas da ONG, foram 711 assassinatos. Os anos mais violentos foram, pela ordem: 2011 (106 mortes), 2010 (96) e 2003 (90). O Brasil concentra a maioria das mortes (365), seguido de Peru (123), Colômbia (70), Filipinas (50), Tailândia (20), México e Honduras (10 cada).
Embora admita fragilidades – em particular a ‘alarmante falta de dados em muitos países’ -, o relatório é pródigo em conclusões e recomendações apressadas. Seus autores não hesitam em culpar o agronegócio, as hidrelétricas, a mineração etc. E cobram garantias à segurança das pessoas que se preocupam com a exploração da terra e das florestas. ‘Nunca foi tão importante proteger o meio ambiente. E nunca foi tão mortal’, diz Billy Kyte, da Global Witness.
Pode ser. Mas o relatório não autoriza a contundência.
Para o Brasil, por exemplo, a ONG tomou por base os levantamentos anuais da Comissão Pastoral da Terra sobre a violência no campo. De acordo com a entidade, de 2002 a 2011, quase todas as mortes (360 das 365) ocorreram em disputas por terra – e não (pelo menos não necessariamente) em nome do meio ambiente.
Os conflitos pela propriedade ou o uso da terra são, conforme a Pastoral da Terra, ‘ações de resistência ou enfrentamento’ envolvendo ‘posseiros, assentados, quilombolas, geraizeiros (comunidades tradicionais de Minas Gerais), indígenas, pequenos arrendatários, pequenos proprietários, ocupantes, sem-terra, seringueiros, camponeses de fundo de pasto, quebradeiras de coco babaçu, castanheiros, faxinalenses (comunidades tradicionais do Paraná) etc.’
São grupos bastante diversos, mais ou menos organizados, alguns obviamente aliciados por movimentos sociais. O que eles têm em comum não é a bandeira da sustentabilidade – ou algum obscuro ‘direito humano relacionado ao meio ambiente’. É a pobreza, a vulnerabilidade e o fato de estarem no caminho de uma pistolagem que só o viés ideológico pode tomar como estampa do agronegócio ou qualquer outro setor da economia.
Devastação e crime – A escalada de homicídios no arco do desmatamento amazônico, alvo de madeireiras ilegais e grileiros, e em regiões fronteiriças, à mercê de traficantes e contrabandistas, já foi demonstrada há anos no mapa da violência do Brasil, organizado pelo Instituto Sangari. Não tem nada de episódico nem ‘oculto’ (embora tenha ficado de fora do discurso na Rio+20 em que a presidente Dilma Rousseff promoveu o Brasil como exemplo de desenvolvimento sustentável).
Mas não é tão simples fazer a ligação entre as mortes no campo e a causa ambiental, como faz supor o relatório da Global Witness. A rigor, algumas das pautas pelas quais certas ONGs se batem desencadeiam, elas mesmas, a violência e a depredação do meio ambiente. É o caso das invasões de terra, que respondem por cerca de 1/5 dos conflitos, conforme os dados da Pastoral da Terra.
Traduzir violência no campo por riscos para o ativismo verde é tentar cobrir toda disputa por terra, mesmo o obscurantismo do MST, com o manto do ambientalismo. A confusão prejudica a defesa do meio ambiente. Não são as ONGs, movimentos sociais ou comunidades por eles manobradas que vão deter o desmatamento ilegal – no caso do MST, é bem ao contrário. A confusão também prejudica o combate ao crime. O agronegócio, a mineração e as grandes obras não são condições da pistolagem. São atividades-chave que nenhum plano sério de desenvolvimento pode excluir. A condição da pistolagem é a ausência do estado, a certeza de impunidade e a confiança de poder esconder-se atrás de falsos demônios.