O ‘Triângulo das Bermudas’ que assusta as estradas de SP
Autopistas que dão acesso ao aeroporto de Viracopos, na rica região de Campinas, viram alvo de criminosos em busca de cargas de celulares e eletrônicos
Na última quinta-feira, por volta das 19h30, minutos depois de deixar o Aeroporto Internacional de Viracopos, em Campinas, no interior de São Paulo, a carreta da empresa RodoImport foi bloqueada na alça que dá acesso à Rodovia Anhanguera. Carregava aparelhos celulares e componentes eletrônicos, avaliados em 800 000 reais, com destino à fábrica da sul-coreana Samsung. Dez homens armados até os dentes renderam o motorista e transportaram a carga do caminhão baú para dois furgões. Na mira de um fuzil, o motorista foi obrigado a estacionar a carreta propositalmente atravessada à pista, impedindo o avanço de veículos. Outros carros que trafegavam pela via foram obrigados a parar e seus condutores tiveram de permanecer deitados. Um policial militar foi feito refém e solto uma hora e meia depois do assalto numa estrada vizinha. Foi uma ação ousada e muito rápida. Pior: que tornou-se rotina na região batizada de “Triãngulo das Bermudas”, em alusão à área conhecida pelo desaparecimento de aviões e navios.
Os números da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo são autoexplicativos: no primeiro trimestre do ano, foram registrados 133 roubos de cargas na macrorregião de Campinas. Desse total, 90 (68%) ocorreram no “triângulo” que abarca as prósperas cidades de Campinas, Jundiaí, Itupeva, Indaiatuba, Louveira, Valinhos e Vinhedo.
Mas por que o trecho tornou-se tão atrativo para os criminosos? A primeira explicação é a logística: as empresas optam por desembarcar suas cargas em Viracopos, o segundo aeroporto com maior fluxo de cargas do país, por causa do traslado até seus depósitos e parques industriais – além da Samsung, as concorrentes LG e Dell também estão localizadas na vizinhança do aeroporto. Não é só: a região apresenta rotas de fuga porque é cercada por estradas vicinais. Por último, a bandidagem também está instalada no próprio aeroporto. “Foram descobertos funcionários do próprio Aeroporto de Viracopos que transmitiam informações aos bandidos, sobre chegada e saída de cargueiros”, afirma Ana Morettin, professora de logística da Faculdade de Tecnologia de São Paulo (Fatec-SP), que estuda a área.
Dados da Federação das Empresas de Transporte de Carga do Estado de São Paulo indicam que o aumento no números de roubos forçaram as transportadoras a investr de 8 a 12% de seu faturamento em escolta particular. Com isso, o valor do serviço acaba repassado para o fabricante que, por sua vez, insere a taxa no valor do produto.
O Triângulo das Bermudas paulista
O prejuízo com o roubo não é novidade para a própria Samsung. Localizada às margens da Rodovia Dom Pedro I (SP-065), a empresa sofreu um assalto cinematográfico no ano passado, no qual foram levados equipamentos avaliados em 20 milhões de reais.
Também na semana passada, um caminhão que levava 500.000 reais em telefones celulares foi interceptado pelos bandidos quando seguia para Jundiaí. No início do mês, o Centro de Distribuição da Magazine Luíza, em Louveira, foi invadido por criminosos. O alvo era o mesmo: smartphones, tablets e notebooks. Até o último dia 4, a polícia informou que tinha recuperado 24.000 itens. A carga encontrada estava distribuída em três caminhões em Limeira e Santo Antônio do Jardim, também no interior do estado.
Ao contrário do pedaço místico do Oceano Atlântico, no qual aviões e embarcações jamais voltaram a ser vistos, parte da carga roubada no complexo de autopistas de São Paulo pôde ser rastreada. Depois do assalto à fábrica da Samsung, por exemplo, os aparelhos começaram a aparecer semanas depois no Paraguai: um consumidor comprou um celular e, como não conseguiu habilitá-lo, procurou uma assistência técnica no Brasil, que identificou o material. A descoberta deu origem a uma operação da Polícia Civil que levou parte da quadrilha para a cadeia. Mas, lamentavelmente, não inibiu a ação nem o surgimento de outras.