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“O saneamento seria um ótimo legado da Olimpíada”

Candidata do PV à prefeitura critica a dispersão do investimento na Rio 2016 e propõe que água e esgoto sejam legados para a população mais pobre e o centro da cidade

Por Cecília Ritto e João Marcello Erthal
10 set 2012, 07h26

Bem antes de a Rio+20 ser assunto Brasil afora, Aspásia Camargo estava mergulhada nos documentos e discussões que trouxeram chefes de estado ao Rio de Janeiro em junho. A intimidade com as questões ambientais e a sustentabilidade vem de bem antes: ela negociou a Agenda 21 e teve participação marcante na Rio 92, quando o ambientalismo e os ‘verdes’ passaram a ganhar espaço na política. A conferência deste ano foi um dos motivos para que o PV não abrisse mão de lançar candidato à prefeitura do Rio. O eleitorado carioca foi generoso com o partido nas duas últimas eleições, garantindo votações expressivas para Marina Silva, que teve na cidade mais de 30% dos votos para presidente em 2010, e Fernando Gabeira, que perdeu para o PMDB de Eduardo Paes por uma diferença de 50 mil votos em 2008.

Um dos problemas da deputada estadual está exatamente aí: Marina e Gabeira não estão – ou ainda não estão – ativamente na campanha. Aspásia diz não se importar, e lembra de sua luta pela sustentabilidade como algo maior que os apoios locais. Ao mesmo tempo em que “pensa grande”, gosta de manter os pés no chão, cobrando que, entre os legados da Olimpíada de 2016 estejam, também, algo bem mais simples que obras viárias e arenas esportivas: água e esgoto para a população mais pobre. Em seu gabinete na Assembleia Legislativa do Rio, Aspásia falou ao site de VEJA.

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Fernando Gabeira e Marina Silva obtiveram votações expressivas no Rio em 2008 e 2010. Por que eles não estão participando ativamente da campanha?

Minha campanha vai ter Gabeira. A questão é que ele hoje está em uma de TV, fazendo um programa de comentários diários, e isso dificulta a participação mais ativa. Gabeira me ajudou o tempo todo, foi à minha convenção. Eu não preciso de muletas. Ele me apoiará no momento certo. Por que o constrangeria agora? Não é pretensão, nem galhardia, mas, sinceramente, tive tudo nesse mundo. Você vê as pessoas com quem eu ando? Hilary Clinton, Angela Merkel, com quem estive para cima e para baixo em grandes seminários internacionais. John Gummer está esperando terminar a eleição para vir conversar comigo. O Itamaraty disse que eu fui a mulher que fez a melhor agenda 21 do mundo. Eu salvei o Ipea. O Fernando Henrique me homenageou porque eu lancei a política do etanol. Não vou ficar atrás de Marina e Gabeira.

Mas a Marina conseguiu 31% dos votos em 2010. Não é um apoio necessário para alavancar o seu nome e sair do 1%?

A Marina me adora. Ela está com medo de me apoiar e acabar por dar força para o Partido Verde que a tratou mal. O PV sabe que eu apoiei Marina até o fim, que eu tenho relações especiais com ela. O partido também sabe que eu vou lutar para que a Marina volte. Eu era conselheira dela nas eleições passadas. Ela só ouvia a mim porque era a única que não ia para a mídia usá-la. Marina me chamava às 7h da manhã e eu ia sentar na cama dela para ouvi-la. Já dormi várias vezes na casa dela.

Antes de o nome da senhora ser lançado à prefeitura pelo PV, o partido chegou cogitar o apoio a candidatos menos conhecidos pela luta da sustentabilidade, como Marcelo Freixo, do PSOL, e Andrea Gouveia Vieira, do PSDB. Como foi a escolha pela senhora?

Eu propus a minha candidatura porque íamos entregar o partido a candidatos que não têm absolutamente nada a ver com a bandeira, o ideário, a prática e as ações do PV. Achei aquilo chocante. A Andrea nunca teve a ver com o PV, não se interessava por esses assuntos. O Freixo também não. Não cabia abrir mão do nosso patrimônio em um momento como esse, da Rio+20. Em termos de sustentabilidade, sou eu a maior especialista entre os candidatos. Como vou entregar tudo isso para outro?

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Marcelo Freixo, do PSOL, foi o assunto da eleição há duas semanas, propondo mudanças nos repasses para as escolas de samba. A senhora criticou duramente esse projeto. Como é a relação de vocês hoje?

Ele é um radical comunista, estalinista. Está disfarçado de ator de semana. Diz lá: “fui personagem de um filme (‘Tropa de Elite’)”. Eu pergunto “Qual é o seu próximo filme?”. Ele tem méritos, mas eu morro de medo. O tipo de posição dele, sobre o carnaval, por exemplo, foi o que destruiu a cultura da União Soviética. Na década de 1920, a URSS era vanguarda mundial. Stalin colocou todo mundo para correr para instalar o realismo socialista. Freixo está querendo colocar na secretaria de Cultura um estalinista de plantão para dizer qual escola de samba vai receber dinheiro e qual não vai. Ele quer o conflito de classe para criar conselhos populares e derrubar o capitalismo. Exacerbar esses conflitos é muito terceiro mundista. Isso não existe mais em lugar nenhum.

A cidade passa por transformações para os Jogos Olímpicos, que devem trazer melhorias mas também com grande impacto ambiental. Qual sua avaliação do projeto para 2016?

Houve um erro estratégico, apontado pelo Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB), que é a dispersão. A glória das três olimpíadas que mais deram certo – Sidney, Barcelona e Londres – foi a escolha de uma área vulnerável, maltratada e abandonada. Nesse local, o poder público concentrou os investimentos. No Rio de Janeiro, continuamos a olhar para a Barra da Tijuca como a solução para a expansão da cidade. A área do Porto, que é a menina dos olhos do prefeito, e que realmente merece a revitalização, quase foi deixada de lado no projeto olímpico. Depois de muita pressão do IAB, houve estruturas que se transferiram para lá, mas é irrelevante.

Uma das questões a ser resolvida é o Velódromo, estrutura construída para o Pan-Americano fora dos padrões olímpicos. Como a senhora lidaria com esse impasse?

Outro problema das Olimpíadas no Rio são os órgãos internacionais. Você vê gastos irracionais que não correspondem aos resultados. Por exemplo, o mundo inteiro está afundado em uma recessão terrível e há quem queira tirar o velódromo porque tem um milímetro a mais ou a menos, ou porque esses órgãos não estão gostando. Que comitês são esses? Estão desconectados da realidade. Eles alegam, pelo que entendi, que a construção apresenta dificuldade para bater recordes olímpicos. Custo a crer que um argumento desses sirva para derrubar ou desmontar o velódromo. Ficamos sempre com essa coisa de fazer obra. No término dos jogos Pan-Americanos, eu senti terrível dor e tristeza quando vi que ninguém sabia o que fazer com o Engenhão. Não é possível. Se eu fosse prefeita, eu saberia. Sou criativa. Não é possível que se entregue um estádio desses para o Botafogo, ou qualquer outro clube apenas. É um pecado mortal fazer obras sem uso, destino e planejamento. Devia ser preso o administrador que faz esse tipo de coisa. É crime.

A senhora teme que a Olimpíada repita os problemas do Pan?

Quando Pequim foi escolhida a sede da Olimpíada, o governo decidiu duas coisas. Primeiro, investir muito dinheiro na infraestrutura. Segundo, investir para ganhar as Olimpíadas. Isso é o que um país com visão estratégica faz. O Brasil não. A meta é ficar entre os dez primeiros colocados no quadro de medalhas. Se já estivemos no 14º, como vou propor o décimo sendo o anfitrião da festa? É muito modesto.

O que a senhora considera como um legado eficiente dos jogos?

Em matéria de legado, estou insistindo no saneamento. O que foi oferecido até agora é a construção calamitosa de um filtro, uma unidade de tratamento de rios para conter o esgoto gigantesco que vem de Jacarepaguá sobre as lagoas da Barra da Tijuca. Filtro não é legado. A solução é municipalizar e fazer uma concessão ou uma parceria público-privada. Deveria ser estipulada a meta de universalizar o esgoto até 2020. O saneamento seria um ótimo legado de 2016. Hoje só metade do esgoto é tratada, e ainda assim temos dúvida sobre o número porque a coleta é muito deficiente em várias áreas da cidade, como o centro, cujos canos são muito precários. A rede está em pandarecos. Eu proponho uma agência carioca de água e saneamento ambiental.

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O próximo prefeito do Rio terá de lidar com situações de emergência. O crack, por exemplo, é um grave problema. A internação compulsória é um caminho?

Lamento estar em um país irresponsável, onde traficantes e empresários de crack não são eliminados da convivência social. Tínhamos que ter legislação extremamente severa, com prisão perpétua para essas pessoas. Não me passa pela cabeça como uma sociedade convive pacificamente e docilmente diante de uma barbárie como essa. Se eu fosse prefeita, ia fazer valer os meus direitos para proteger as minhas crianças indefesas. Eu ia fazer trabalho voluntário e cercar as cracolândias. Eu mesma seria capaz de prender um indivíduo desses. Não acho que devemos usar política sistemática de agressividade com objetivo de encarcerar uma pessoa ou constrangê-la. Há serviços especializados, ONGs e igrejas capazes de se aproximar de crianças como essas. Eu acho que o tratamento tem que ser o menos compulsório possível. Não podemos deixar as crianças na rua para morrer, mas não precisamos violentá-las. A minha estratégia seria atraí-las para o tratamento. Há pessoas que sabem fazer isso. Eu mesmo saberia, porque sou mulher.

Outra questão que precisa de uma resolução é a Cidade da Música, implantada na gestão de Cesar Maia e sem utilidade até hoje.

Eu tenho visão de grandeza para o Rio de Janeiro. Então, a Cidade da Música, bonita e espetacular, não é uma ideia que me desagrade. Eu vejo que esse prédio é uma das coisas belas que a cidade tem hoje, mas o grande crime administrativo e político é construir uma coisa dessa magnitude sem ter a menor ideia do que vai se fazer ali dentro. É sempre o mesmo tema: a mania de fazer obra sem função. A minha sugestão é fazer um projeto para se determinar o que vai ser feito na Cidade da Música. E a partir daí uma licitação. O projeto tem que ter o componente internacional. É preciso que o Rio seja uma das paradas do circuito internacional de grandes espetáculos. Você não faz uma exposição de Picasso com um só país pagando. Acho o Rio de Janeiro penosamente carente de espaços. Fazem espetáculos na praia achando que é charme. Mas não é. É pobreza mesmo. Estão destruindo as areias do Rio.

Apesar de não ser da alçada da prefeitura, qual é a sua posição quanto à descriminalização da maconha?

No momento não temos polícia para dizer que viveríamos em uma sociedade segura com essas coisas. Acho que eu é um risco fazer qualquer medida. Tenho netos, não gostaria de ver todas essas facilidades.

E em relação ao casamento gay?

O STF deu o ok. Eu, como socióloga, sempre me espanto de ver que os gays hoje prezam mais a família e os rituais familiares do que os heterossexuais. Isso me enche de ternura. Temos que ter cuidado em jamais adotar atitudes hostis e agressivas contra a maioria heterossexual que, muitas vezes, enxerga com reserva esse tipo de coisa. Temos que ter uma convivência pacifica, sem criar anticorpos de negatividade nem de um lado ou do outro.

Temos uma mulher na presidência. O Rio já teve uma governadora. A senhora é a única mulher na disputa pela prefeitura. Como é hoje para uma mulher fazer política?

As instituições políticas brasileiras, como pertencem ao século 19, são fisiológicas, patriarcais, retrógradas e muito defasadas. Elas são um tanto quanto impenetráveis às mulheres. É difícil entrar nesse mundo dos homens. A forma de conduzir os partidos é movida pelo espírito de chefia, pelo comando patriarcal. As mulheres têm que ser muito mais competentes que os homens para chegar ao mesmo lugar. E elas às vezes são tímidas para enfrentar as regras do processo eleitoral que são extremamente selvagens.

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