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O poder da boleia

Sem fazerem muita força, os caminhoneiros arrancam do governo um pacote de benefícios que inclui financiamento e promessas de vantagens

Por Marcela Mattos Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO , Thiago Bronzatto Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 19 abr 2019, 07h00 - Publicado em 19 abr 2019, 07h00

Em maio do ano passado, o governo de Michel Temer foi alertado pelos caminhoneiros sobre a possibilidade de uma greve da categoria. Em um monumental erro de avaliação, o presidente não deu a devida importância ao aviso. Ainda hoje, a economia sofre as consequências do desastre causado pela paralisação que durou onze dias e desorganizou a produção e a vida dos brasileiros, provocando desabastecimento de alimentos, combustíveis e remédios — um prejuízo estimado em 60 bilhões de reais. Diante do caos, o governo fez uma série de concessões aos caminhoneiros, incluindo a redução do preço do óleo diesel. Na época, o deputado Jair Bolsonaro foi um dos primeiros parlamentares a solidarizar-­se com o movimento. “Apenas a paralisação poderá forçar o presidente da República a dar uma solução para o caso”, disse em vídeo publicado nas suas redes sociais.

Sem lideranças definidas, sem a estrutura organizada de sindicatos e mantendo distância bem-sucedida de políticos, os caminhoneiros ameaçam uma nova paralisação. E o estopim, mais uma vez, é o preço dos combustíveis. “A greve do ano passado mostrou o poder que os caminhoneiros têm. Eles provaram que podem parar o país, e sem fazer muita força”, diz um dos principais assessores do presidente Bolsonaro. Depois que a Petrobras anunciou o aumento de 5,74% do preço médio do diesel, a convocação para uma nova greve, exatamente como em 2018, começou a ganhar forma pelas redes sociais e via Whats­App. No mesmo dia, um dos líderes da categoria, Wallace Landim, conhecido como “Chorão”, fez a ameaça chegar diretamente ao Palácio do Planalto. “Mandei uma mensagem para o ministro Onyx Lorenzoni para olhar essa questão. E ele prometeu falar com o presidente”, disse. Poucas horas depois, Bolsonaro conversou com o presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco — e a estatal divulgou novo comunicado ao mercado, voltando atrás no aumento do valor do diesel.

60 BILHÕES DE REAIS –  Esse foi o prejuízo da greve do ano passado (Nilton Cardin/Estadão Conteúdo)

No mês passado, Chorão, um apoiador de primeira hora do presidente Bolsonaro, já havia subido o tom das ameaças. Reclamou de estar com dificuldades de interlocução com o Palácio do Planalto e de que a categoria já não aguentava esperar pela implementação das promessas oficiais — o risco de uma nova paralisação, dizia, era iminente. Ao deputado major Vitor Hugo (PSL-GO), líder do governo na Câmara, ele contou ter, inclusive, sofrido retaliações de uma ala de caminhoneiros que questionava o apoio a Bolsonaro na eleição do ano passado e que até chegou a ser ameaçado de morte. Nesse período, já corriam pelos grupos de Whats­App vídeos de caminhoneiros queimando as velhas camisetas em apoio à candidatura de Bolsonaro. “A sensação de abandono está em todos os grupos no país. As coisas estão esquentando, estão voltando aos patamares da greve do ano passado. Sei que o governo é novo, mas a ansiedade e o ânimo estão iguais ou superiores a maio”, alertou Carlos Dahmer, presidente do Sindicato dos Transportadores Autônomos de Carga (Sinditac) de Ijuí, no Rio Grande do Sul.

No entorno de Bolsonaro, o clima continua sendo de apreensão. Na véspera de o presidente decidir intervir no preço do diesel, o general Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional, admitiu a aliados que estava acompanhando de perto a possibilidade de greve e que o governo ainda teme que os atos de 2018 possam ser reprisados. Para Heleno, menosprezar a capacidade de mobilização dos caminhoneiros ou minimizar o poder da categoria de paralisar o Brasil seria a repetição de um erro que custou muito caro. Heleno diz que é “impressionante” a capacidade do grupo de inviabilizar os principais setores do país. Porta-voz do Palácio do Planalto, o general Rêgo Barros reiterou a VEJA que o Gabinete de Segurança Institucional faz um estudo continuado sobre a possibilidade de paralisação dos caminhoneiros, e que os dados são rotineiramente repassados a Bolsonaro. “O presidente vem sendo abastecido”, diz.

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“E por que não atendê-los? Os caminhoneiros são muito importantes para a movimentação da nossa economia.”

General Rêgo Barros, porta-voz do Palácio do Planalto

Rastrear a escalada das insatisfações dos caminhoneiros antes da conflagração de uma greve não é tarefa fácil para o governo. O movimento reúne 2,6 milhões de motoristas e tem lideranças com perfis variados. Entre os que encabeçam a interlocução com o Executivo estão desde presidentes de sindicato até administradores de centenas de grupos em redes sociais. “O cara faz parte de um grupo de Whats­App e já se intitula líder”, diz Diumar Bueno, presidente da Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos (CNTA), entidade que representa cerca de 900 000 caminhoneiros e uma frota superior a 1 milhão de veículos. “Esse cenário pode contribuir para que o movimento tome corpo de uma maneira desorganizada, diferentemente do que ocorreu em 2018”, afirma.

CAOS – Marca da greve de 2018: desabastecimento de combustíveis, alimentos, remédios e transtornos à população (Lucas Lacaz Ruiz/A13/Estadão Conteúdo)
(VEJA/VEJA)

Antes do anúncio do pacote de bondades feito na semana passada, o Planalto já vinha tentando agradar aos caminhoneiros e frear a crise — o que se mostrou insuficiente para acalmar os ânimos. No fim de março, o Ministério da Infraestrutura, em uma resposta às reclamações sobre a falta de interlocução, pôs em prática uma série de medidas para aproximar a categoria do governo. Criou um modelo de ouvidoria via Whats­App — o meio de comunicação preferido do grupo —, dedicou um programa semanal na Voz do Brasil, chamado Minuto do Caminhoneiro, à divulgação no rádio das iniciativas federais que contemplam os motoristas — o que inclui anúncios de atendimento odontológico gratuito e de aulas de prevenção a doenças na coluna nos pontos de parada — e decidiu até resgatar a política implementada no início do segundo mandato de Dilma Rousseff ao criar linha de financiamentos do BNDES. Tudo isso apesar de Dilma ser apontada como responsável por boa parte da crise dos caminhoneiros pelas concessões excessivas que fez à categoria.

Mantendo o mesmo nome do programa criado em 2015, o governo também relançou o Fórum Permanente para o Transporte Rodoviário de Cargas, um grupo que abrange entidades federais e representantes de caminhoneiros para tratar das demandas da categoria. O esforço do governo em afagar os motoristas é tamanho que até mesmo as mulheres deles são alvo das ações — foram consultadas sobre o que mais as incomoda, e o tempo longe de casa é a maior reclamação. O governo, então, estuda algumas novas medidas, como a equalização de valores para fretes mais curtos de modo que os maridos voltem para casa com maior frequência. Em outra frente, o próprio Bolsonaro entrou em campo para dar fim ao que chama de indústria da multa: anunciou o cancelamento da instalação de 8 000 novos radares eletrônicos nas rodovias federais e chancelou o envio de um projeto de lei ao Congresso que dobra de 20 para 40 pontos o limite para suspensão da carteira de habilitação.

Nenhuma outra categoria recebeu tamanha atenção do governo. “E por que não atendê-los? Os caminhoneiros são muito importantes para a movimentação da nossa economia. É um entendimento do presidente de que eles são as artérias que fazem o transporte da nossa economia ao longo do nosso país e para exportação”, diz o general Rêgo Barros, porta-voz do Planalto.

Com reportagem de Marcelo Rocha

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Publicado em VEJA de 24 de abril de 2019, edição nº 2631

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