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O júri não é um circo, os jurados não são palhaços

Advogados da defesa do Caso Bruno tumultuaram início do julgamento, manobraram para retardar a Justiça e acabaram prejudicando os réus. Nos Estados Unidos, abandono do plenário pode render prisão de um ano

Por Cecília Ritto Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 25 nov 2012, 07h32

“Com todo o respeito pela advocacia, acho que os advogados acabaram prejudicando os réus. As estratégias usadas são também um prejuízo para o estado, que gastou com escolta, alimentos, mobilizou imprensa, convocou jurados para julgar cinco pessoas. No fim, ficaram duas”, diz o presidente da Associação de Magistrados Brasileiros, Nelson Calandra

Reservado ao julgamento de assassinos, o Tribunal do Júri é um momento especial da Justiça. O ritual em que o juiz compartilha seu poder de julgamento com integrantes de determinada comunidade, para decidir entre culpa ou inocência dos réus, fascina o público, inspira a ficção. Clássicos do cinema e séries como Law & Order são exemplos de como nos Estados Unidos os tribunais são admirados. Se um grande crime assume a condição de drama, como no caso O.J. Simpson, absolvido em 1995, no que os americanos chamaram de ‘julgamento do século’, dada a repercussão, ou no do goleiro Bruno, no Brasil, o movimento das togas torna-se um espetáculo para a população.

Diferentemente da frieza dos julgamentos ordinários, no júri, acusação e defesa competem com forte apelo emocional, tentam impressionar os jurados, usam as semelhanças que cada um dos sete ‘julgadores’ (é esta a quantidade fixada pela lei brasileira) podem ter com a vítima ou com o autor, e seus motivos para matar.

Apesar de ter inevitável dimensão de espetáculo, o Tribunal do Júri não é um circo. Tampouco são palhaços os jurados e os que acompanham as exaustivas sessões. Mas foi essa a impressão passada à centena de pessoas que, na última segunda-feira, acompanhou a abertura do júri para julgar cinco dos sete acusados do sequestro e da morte de Eliza Samudio, a ex-amante do goleiro Bruno Fernandes morta em 2010.

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Agindo dentro das regras do júri – sim, atuavam dentro da lei, mas muito além dos limites aceitáveis para algo previamente acordado – advogados de defesa passaram a praticar o “antijogo”, algo punido até nos esportes. Comandante da fanfarra do vale-tudo, Ércio Quaresma, que já defendeu Bruno e atualmente representa apenas o ex-policial Marcos Aparecido dos Santos (Bola, acusado de ser o executor da vítima), simplesmente abandonou a sessão. Alegou não concordar com os 20 minutos – prorrogáveis por mais 15 – para suas considerações iniciais.

O movimento de Quaresma foi semelhante a um pontapé desleal que prenuncia, para o árbitro de futebol, uma partida marcada por faltas duras. A juíza Marixa Fabiane Rodrigues poderia, naquele momento, nomear um defensor público para assumir a defesa do réu e evitar o desmembramento do processo – criando um novo julgamento para Bola, apesar de as acusações serem referentes a crimes conexos. Era esse, como se viu, o objetivo de Quaresma – ele e seus assistentes comemoraram essa decisão, ao deixarem o Fórum. Marixa preferiu, nesse momento, evitar futuros questionamentos da sentença, e permitiu que o processo de Bola tomasse caminho distinto dos demais.

A juíza ergueu, no entanto, seu cartão amarelo: anunciou, nas primeiras horas do segundo dia de sessão, uma multa para os advogados que tinham tumultuado a sessão “desnecessariamente” na manhã anterior. A medida sinalizou que o espaço não seria dominado pela baderna. Mas para a defesa do goleiro Bruno o importante era seguir adiante, atropelando o bom-senso. Dispostos a também separar o processo do jogador, Bruno pediu a palavra e destituiu seu principal advogado, Rui Pimenta, na esperança de obter um desmembramento e adiar mais uma vez o julgamento. Marixa reagiu, dizendo a Bruno que ele tinha outro defensor nomeado. Bruno tentou destituir também o criminalista Francisco Simim, alegando preocupação com outra ré defendida por ela (Dayanne, sua ex-mulher). A juíza manteve a sessão, e deferiu um pedido da acusação para tirar do julgamento o processo de Dayanne – o que, em tese, acabaria com as ‘preocupações’ de Bruno. No dia seguinte, no entanto, o principal acusado conseguiu o que queria: constituiu novo advogado, Lúcio Adolfo, e ganhou prazo. O novo júri está marcado para 4 de março.

Para o presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Nelson Calandra, os advogados não só se excederam nas suas táticas para retardar a Justiça, como passaram insegurança aos clientes e acabaram por colocar os réus em maus lençóis. “Fico perplexo com as obstruções ao julgamento que trata de uma ação penal gravíssima. Também me sinto constrangido de ver que a morosidade do julgamento do processo penal não decorre da atividade da magistratura, mas da advocacia, cujo objetivo é julgar a ação de modo retardado e, com isso, provocar relaxamento da prisão de alguns réus, como a do Bruno”, diz Calandra.

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Esta semana, o presidente da AMB recebeu a visita do presidente da suprema corte do estado de Kentuckhy, nos Estados Unidos, e comentou sobre o caso. Ele relatou o abandono de Ércio Quaresma do júri, como forma de conseguir adiar o julgamento. Quis saber do colega americano, então, o que aconteceria nos Estados Unidos em uma situação como essa. “Lá, nunca aconteceu isso. Se houvesse algo parecido, seria cassada a licença do advogado e ele ficaria preso por um ano”, contou Calandra sobre a conversa com o magistrado.

No direito brasileiro, os advogados poderiam ter de responder a um processo ético disciplinar na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) – algo bem mais brando. “Marixa é uma santa. Ela foi plasmada na beleza dos ventos e montanhas mineiras”, diz Calandra, sobre a placidez com que a juíza atuou diante das controversas atitudes que resultaram na mudança de advogados e na alteração de data do julgamento de três réus.

Nos Estados Unidos, em caso de surgir alguma questão paralela, o júri é suspenso e os advogados se reúnem na sala do juiz, na companhia do magistrado, para dissolver a dúvida. Não existe a possibilidade de abandonar o plenário do júri. O desrespeito, nesse caso, não é ao juiz, ao réu ou a uma das partes, mas ao país. Se não se pode exigir postura semelhante dos advogados que atuaram em Contagem ao longo da última semana, pelo menos seria desejável que agissem com responsabilidade e respeito aos clientes. Não foi o que aconteceu. Para Calandra, as manobras da defesa no julgamento do Bruno mostraram despreparo dos representantes legais dos réus. “Para um julgamento como esse, o advogado deveria ter qualificação aprofundada. Não se pode pegar pessoa inexperiente para defender em um júri de tal complexidade. Um advogado, para atuar no júri, tem que ter nervos de aço e um preparo intelectual muito alto”, adverte o presidente da AMB.

O promotor do caso, Henry Wagner Vasconcelos de Castro, também criticou Quaresma. “Tem gente que não sabe o que é advocacia. Só sabe o que é cachorrada”, afirmou Henry Castro, referindo-se a Ércio Quaresma, que, segundo ele, é amigo de Bola há duas décadas. Bola foi quem matou Eliza estrangulada, de acordo com a denúncia.

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O promotor Francisco de Assis Santiago, do 2º Tribunal de Júri de Belo Horizonte, é famoso em Minas Gerais por suas atuações. Participou de 1.600 júris, com mais de 90% de condenação dos réus. No último dia do júri sobre a morte de Eliza Samudio, ele esteve no Fórum Pedro Aleixo, em Contagem, e comentou a atuação dos advogados. “Os advogados da defesa procuraram tirar proveito da mídia, e não fazer a defesa dos réus. Faltou ética profissional”, criticou.

A consequência de toda a encenação pode ser prejudicial aos réus. Criar manobras para atrapalhar o andamento do processo são mal vistas pelos jurados, que tendem a acabar por condenar o acusado. “Com todo o respeito pela advocacia, acho que os advogados acabaram prejudicando os réus. As estratégias usadas são também um prejuízo para o estado, que gastou com escolta, alimentos, mobilizou imprensa, convocou jurados para julgar cinco pessoas. No fim, ficaram duas”, disse Calandra.

Encerrado o julgamento de Macarrão e Fernanda – os réus remanescentes -, conclui-se que para os clientes de Quaresma e companhia a emenda foi pior que o soneto: sozinho diante dos jurados, o fiel escudeiro de Bruno não aguentou a pressão e confessou que Eliza foi morta. Recebeu pena de 15 anos de prisão pelo assassinato. Mas criou uma bomba relógio que deve explodir em 4 do março, quando Bruno e Bola estiverem no banco dos réus.

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