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Ex-ministro da Cultura diz: “Faltou investigar o Temer”

Marcelo Calero denunciou o ex-ministro Geddel, que acabou virando réu. Mas acredita que, se a apuração fosse mais fundo, pegaria o presidente

Por Luisa Bustamante
Atualizado em 23 jul 2018, 17h21 - Publicado em 23 jul 2018, 15h58

Não foram nem seis meses como ministro da Cultura, cargo do qual o carioca Marcelo Calero pediu demissão em novembro de 2016, depois de entrar em rota de colisão com o então colega de Esplanada, Geddel Vieira Lima sim, aquele que hoje está preso e é acusado de lavagem de dinheiro e associação criminosa por guardar 51 milhões de reais em um apartamento de Salvador. O rolo de Geddel com Calero diz respeito a outro imóvel, também na capital baiana: homem forte do presidente Michel Temer, Geddel pressionou Calero a liberar um parecer técnico do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), subordinado ao Ministério da Cultura, para a construção de um prédio em que havia comprado um apartamento. Calero negou e foi procurar o presidente Temer, que, segundo ele, teria recomendado que despachasse o enrosco para a Advocacia-Geral da União e lhe dado um tapinha nas costas, dizendo: “A política tem dessas coisas”. Recentemente, o caso pôs Geddel mais uma vez na condição de réu, por improbidade administrativa. Pré-candidato a deputado federal pelo PPS, Calero, que contou ter recebido ameaças após o episódio, volta a soltar a metralhadora: vê leniência nas investigações e fica indignado com o fato de Temer não ter sido alvo das apurações. A seguir, trechos da entrevista que Marcelo Calero concedeu ao site de VEJA.

O senhor achava que as investigações não iriam adiante? Achava que a história não ia dar em nada. Eu gosto do Rodrigo Janot (ex-Procurador-Geral da República), mas neste caso ele errou ao se omitir. Veja bem: o Temer diz que conversou comigo a respeito do apartamento, quando, na verdade, ele fez pressão para que eu favorecesse o Geddel. E então o porta-voz da Presidência aparece dizendo que Temer apenas “mediava conflitos entre dois ministros”. Não havia conflito coisa alguma. O que havia era um ministro, eu, tentando cumprir a lei e outro ministro, Geddel, querendo que o Estado o favorecesse. O simples fato de o presidente intervir no assunto já ensejava a abertura de um inquérito. Acho o cúmulo que Temer tenha passado incólume, e mais: custo muito a acreditar que ele me pressionou só porque seu ministro de confiança queria resolver uma questão pontual de um apartamento.

O que o senhor acha, então, que fez Temer intervir no assunto? Depois da descoberta do apartamento dos 51 milhões de reais, um assessor do Geddel delatou que o prédio cuja licença eu neguei seria parte de um enorme esquema de lavagem de dinheiro. Afirmou que Geddel colocou 2 milhões de reais naquele empreendimento. Então, a pergunta que faço é: o que o ministro disse a Temer para convencê-lo a largar a agenda presidencial e me pressionar? Terá dito que o prédio seria usado em um esquema de lavagem importante para o grupo político deles? Isso me parece verossímil. Mas só saberemos quando Geddel abrir a boca.

A denúncia que fez à época foi tratada como um mal menor? Sim. A população está tão anestesiada que minimiza esse tipo de história, como se houvesse corrupção maior ou menor. Acho que muito da fragilidade brasileira vem dessa relativização, porque a gente perde a referência ética.

Geddel acaba de virar réu por improbidade no caso que o senhor denunciou. Sente-se vingado? Sinto apenas que a Justiça está funcionando, e isso é bom. Quando fiz a denúncia, várias pessoas se voltaram contra mim, mas eu estava convencido de que se tratava de um caso claro de corrupção nos altos escalões da República. Uma prática que até a Comissão de Ética definiu como caciquismo. Existem pessoas que se acham acima da lei e consideram que o Estado nada mais é do que um instrumento para resolução de seus problemas pessoais.

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Quem o atacou? O Aécio Neves disse que quem tinha de ser investigado era eu, e não o Geddel. Líderes de partidos da base governista assinaram um documento de apoio a Geddel. O próprio Temer, na famosa conversa gravada com a JBS, afirmou que eu fiz um carnaval. O governo alimentou uma campanha difamatória contra mim, e essa campanha começou na boca do próprio presidente da República, dizendo que eu o havia gravado no gabinete presidencial.

Isso aconteceu? Não. Houve apenas gravações telefônicas. Gravei a conversa que tive com Temer no celular, quando pedi minha demissão. Fiz porque precisava ter um lastro comprobatório de toda a história. O próprio presidente havia me achacado. Quando eu deixei seu gabinete depois de me pedir para interferir no processo do prédio, ele me disse: “A política tem dessas coisas”. Como se atender a um interesse particular de um aliado fosse uma prática comum à qual eu deveria me dobrar. O recado era: se eu quisesse estar na política, teria de conviver com esse tipo de nojeira.

O senhor relatou à Procuradoria que sofreu ameaças no tom “esse moleque que se cuide”, que teriam vindo do irmão de Geddel, Lúcio Vieira Lima. Ficou com medo? Fiquei. Tentei não alterar minha rotina em nome de minha saúde mental, mas, se via carros estranhos na rua ou movimentações fora do padrão ao meu redor, me preocupava. Não tive qualquer tipo de proteção. A mim impressiona que, no Brasil, o sistema não proteja as pessoas que querem fazer a coisa certa e acaba só premiando o bandido que delata. Nos falta a honestidade premiada, como ocorre em outros países.

Por que o senhor aceitou ser ministro de um governo do qual é tão crítico? Vim de uma gestão exitosa como secretário municipal de Cultura no Rio de Janeiro. Fazia sentido, em termos profissionais, ocupar aquele lugar de ministro. Independentemente do momento político conturbado, a possibilidade era muito desafiadora e merecia ser acolhida. Hoje, tenho certeza: mais importante do que a maneira como eu entrei foi a maneira como saí.

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O que levou de Brasília? A certeza de que é uma ilha da fantasia. Os políticos são completamente desconectados da realidade do brasileiro comum.

Apesar de tudo, voltaria a aceitar um cargo em Brasília? Gato escaldado tem medo de água fria. Minha atenção em relação ao grupo que estiver no poder, qualquer que seja, é redobrado. Infelizmente. a política nacional se transformou em uma guerra de máfias.

O senhor é pré-candidato à Câmara dos Deputados. Esse episódio e a ética estarão no palanque? Nessas eleições haverá muita gente falando sobre ética. Até os corruptos falarão que são honestos. A questão é praticar depois.

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