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O estranho passado dos donos do avião que levava a Chapecoense

Companhia proprietária da aeronave foi constituída com dinheiro do governo venezuelano e de empresário chinês preso por corrupção

Por Eduardo Gonçalves
Atualizado em 30 nov 2016, 16h22 - Publicado em 30 nov 2016, 07h24

A história da companhia LaMia, a quem pertencia o avião que caiu na Colômbia enquanto transportava a equipe da Chapecoense na madrugada de ontem, é marcada por negócios mal sucedidos que se originaram de uma parceria entre um empresário espanhol radicado na Venezuela, um magnata chinês que prospectava negócios na África e o governo venezuelano ainda na época de Hugo Chávez.

A companhia LaMia (Línea Aérea Mérida Internacional de Aviación) foi fundada em 2009 numa iniciativa do então governador de Mérida, Marcos Díaz Orellana, para impulsionar o turismo local. O principal aeroporto do Estado, Alberto Carnevalli, localizado em meio aos andes venezuelanos, só recebia voos particulares desde fevereiro de 2008, quando um avião da companhia Santa Bárbara se chocou contra uma montanha logo após a decolagem, matando as 46 pessoas a bordo. A primeira aeronave comercial que voltaria a pousar no aeroporto, em 16 de agosto de 2010, pertencia justamente à frota da recém-inaugurada LaMia. A estreia da companhia foi aclamada com pompa pelo Correo Del Orinoco, jornal criado por Chávez e editado pelo governo venezuelano, como um “sonho materializado para os habitantes de Mérida”. As expectativas que cercavam a companhia de capital misto (estatal e da iniciativa privada) era grande. Os planos é que ela iniciaria a operação com 12 aeronaves, cada uma ao custo de 20 milhões de dólares, e se expandiria para rotas no exterior, em Panamá, Aruba, Trinidad y Tobago, Manaus e Boa Vista.

“Sentimos-nos animados por este projeto e contamos com o apoio total do presidente Hugo Chávez, a quem eu levei a questão e que ordenou recursos via Banco do Tesouro”, disse o governador Orellana, que é filiado ao mesmo partido de Chávez e Nicolás Maduro, o PSUV, em uma declaração publicada na imprensa estatal venezuelana, em 13 de maio de 2010.

O empresário responsável por tocar o negócio era o espanhol Ricardo Albacete, que tem cidadania venezuelana e é atualmente o presidente da LaMia. Em uma entrevista para um canal de TV venezuelana de junho de 2011 (confira o vídeo abaixo), Albacete diz que recebeu ajuda financeira do empresário chinês conhecido apenas pelas sílabas Sam Pa. “Há um chinês, amigo nosso, de boa situação econômica – que conheço há anos porque eu tenho empresa na China também -. O assunto é que ele está apoiando um pouco com esta operação. O nome dele é Sam Pa. Tem negócios em Angola”, disse ao jornalista Luiz C. Benedetto nos 3 minutos e 26 segundos.

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Acontece que Sam Pan é bastante conhecido na imprensa internacional. Numa extensa reportagem do Financial Times publicada em agosto de 2014, ele é apontado como o homem que abriu as portas dos países africanos para as estatais chinesas explorarem recursos naturais do continente. Uma das principais parcerias firmadas envolvia a petrolífera angolana Sonangol. “Durante a última década, Pa ergueu-se da obscuridade para conseguir negócios em cinco continentes no valor de dezenas de milhões de dólares”, diz o artigo assinado pelo jornalista Tom Burgis, autor do livro ‘A Pilhagem da África”. Em agosto do ano passado, Sam Pa foi preso em Benjing por uma investigação movida pelo próprio partido comunista chinês contra integrantes suspeitos de corrupção.

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Se os negócios de Albacete vingaram, conforme ele e o governo venezuelano esperavam, não é possível ter certeza. Com exceção dos eventos citados acima, a imprensa venezuelana pouco falou da empresa considerada orgulho nacional. O fato é que, a partir de 2015, a LaMia venezuelana passou a alugar os seus aviões para uma empresa boliviana criada com o mesmo nome, cujo principal negócio era fretar viagens para times e seleções sul-americanas. Entre as aeronaves locadas, estava o modelo Avro RJ85 (ver vídeo abaixo) que caiu numa região próxima a Medellín, na Colômbia, vitimando 75 pessoas.

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A LaMia boliviana tem como sócios o piloto Miguel Quiroga, que conduzia a aeronave e morreu no acidente, e o diretor-geral Gustavo Vargas. A VEJA, Vargas confirmou que as aeronaves pertenciam a Albacete e que pagava por elas um valor mensal. A reportagem não conseguiu contato com Albacete, que se encontra atualmente na Espanha.

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Em uma entrevista concedida ao jornal espanhol El Confidencial nesta terça-feira, Albacete afirmou que a responsabilidade das aeronaves era da companhia boliviana. “Não somos sócios ou empregados de LaMia Bolívia, e sim de LaMia Venezuela. Deixamos o mesmo nome por causa da pintura dos aviões. Nós somos os únicos que alugam aeronaves para eles, mas o avião é operado pela empresa da Bolívia”, disse ao jornal. Albacete também comentou sobre a sua relação com o ‘amigo’ chinês – “Ele iria comprar a aeronave, mas no final não se concretizou nada” – e aventou a possibilidade de que o avião de 17 anos teve uma pane elétrica após ser atingido por um raio.

Especialistas ouvidos por VEJA dizem que um dos pontos chaves da investigação é descobrir qual era o plano de manutenção da companhia. Também destacam a importância de saber quem são os responsáveis pelo avião, uma vez que, dependendo do desfecho do caso, eles podem ser condenados a indenizar os sobreviventes e os familiares das vítimas. “Não existe avião velho, mas avião sem manutenção”, disse George César de Araripe Sucupira, presidente da Associação de Pilotos e Proprietários de Aeronaves (APPA). Ele também frisou que qualquer hipótese que for levantada neste momento, antes da análise do conteúdo gravado pela caixa preta, é “mera especulação”.

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