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O ‘bilhete premiado’ que motivou investigação no STJ contra a Lava Jato

Tribunal suspeita que ministros da Corte foram investigados de maneira clandestina pela força-tarefa — a origem da história é um manuscrito apócrifo

Por Laryssa Borges Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 12 mar 2021, 01h26 - Publicado em 5 mar 2021, 06h00

Era 19 de junho de 2015 quando uma equipe da Polícia Federal bateu à porta de um apartamento de classe média na cidade de Jundiaí. Por ordem do ex-juiz Sergio Moro, a Lava-Jato chegava ao ápice das investigações com a prisão dos empreiteiros Marcelo Odebrecht e Otávio Marques de Azevedo, então presidente da Andrade Gutierrez. Naquela manhã, porém, os policiais cumpriam diligências no interior paulista contra um investigado bem menos conhecido. Eles tinham orientações para executar um mandado de prisão temporária e recolher livros contábeis, recibos, agendas, computadores e arquivos eletrônicos que pudessem comprovar que grandes empreiteiras faziam contratações de empresas de fachada para irrigar os cofres do propinoduto instalado na Petrobras. O alvo daqueles mandados era o consultor Flávio Lúcio Magalhães.

Quase seis anos depois, um bilhete apreendido entre os pertences de Flávio Lúcio se tornou o estopim para a abertura de uma investigação sigilosa no Superior Tribunal de Justiça (STJ), em Brasília, que tem como alvo a própria Lava-Jato. O manuscrito, apócrifo, foi descoberto no início de fevereiro no acervo de mensagens hackeadas dos telefones dos procuradores da força-tarefa. Nele estão listados os nomes de alguns ministros do STJ, uma porção de números aleatórios e rabiscos. Para o presidente da Corte, Humberto Martins, o papelucho é um indício de que a Lava-Jato investigou clandestinamente os magistrados do STJ — procedimento que, se de fato ocorreu, foi totalmente ilegal. Em uma mensagem hackeada que já havia sido descoberta anteriormente, os procuradores conversavam sobre um documento considerado como uma evidência de pagamento de propina para “assessores” dos ministros do STJ. Não se sabia, porém, a qual documento eles se referiam. Agora se sabe.

A apuração determinada por Humberto Martins segue os passos de uma controversa experiência do Supremo Tribunal Federal (STF), que, premido por ataques contra seus integrantes em redes sociais, iniciou em 2019 uma apuração sigilosa para detectar a origem de ameaças aos juízes da Corte, expedindo ordens de busca e de prisão contra críticos do tribunal, quebrando sigilos e decretando a prisão de suspeitos. A ação enérgica fez com que as ameaças aos magistrados se reduzissem substancialmente, mas também produziu críticas de juristas renomados sobre a forma como o inquérito é conduzido. Não havia no início participação do Ministério Público e os advogados dos investigados reclamam da dificuldade em acessar os autos. Para o procurador-geral da República, Augusto Aras, a investigação do STJ é “extremamente grave e preocupante”. Ele pensa em recorrer a Cortes internacionais.

A ORIGEM - O bilhete e Flávio Lúcio Magalhães: papel apreendido durante operação que prendeu o consultor -
A ORIGEM - O bilhete e Flávio Lúcio Magalhães: papel apreendido durante operação que prendeu o consultor – (Pedro Serapio/Futura Press)

Segundo magistrados ouvidos por VEJA, a intenção de Humberto Martins é buscar provas que sustentem o que por enquanto é apenas uma suspeita de que os procuradores de Curitiba fizeram investigações ilegais para atingir o tribunal. O ministro, que não só abriu a investigação como também é o responsável por definir que medidas serão tomadas no inquérito, tem apoio de integrantes do Supremo e pediu acesso ao acervo completo das mensagens hackeadas. Antes da descoberta do manuscrito, algumas mensagens apreendidas na Operação Spoofing, que prendeu os hackers que invadiram os telefones dos procuradores, indicam que a força-tarefa discutiu a possibilidade de fazer uma “análise patrimonial” dos bens dos magistrados em parceria com a Receita Federal e cogitou até escarafunchar os processos de interesse da Andrade Gutierrez que teriam sido julgados pela Corte.

Procurado, o ministro Humberto Martins não quis comentar o caso. Já a força-tarefa garante que os procuradores “jamais praticaram qualquer ato de investigação sobre condutas de autoridades detentoras de foro por prerrogativa de função, sejam ministros do STJ, seja qualquer outra autoridade” e afirma que as mensagens roubadas constituem material ilícito que deveria ser descartado pela Justiça. A partir de um bilhete apócrifo, está começando mais um capítulo de uma história cheia de reviravoltas.

Publicado em VEJA de 10 de março de 2021, edição nº 2728

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