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Na rota do pó, os primeiros pés fincados pelo PCC no RJ

Ao batizar bandidos nas cadeias, facção paulista começa a entrar no Estado por meio de criminosos que abastecem a capital fluminense de drogas e de armas

Por Leslie Leitão
28 nov 2016, 09h31

A investigação da Polícia Civil fluminense – revelada na edição de VEJA desta semana – que mostra o Primeiro Comando da Capital (PCC) fincando o pé no Rio de Janeiro pela primeira vez indica que a facção paulista adotou duas estratégias para começar a ganhar espaço no único estado no qual não tinha representatividade. A primeira delas, angariar adeptos dentro das cadeias, muitos integrantes do ex-aliado Comando Vermelho. A segunda, entrar em cidades do interior antes de chegar à capital, em especial regiões que fazem parte da “rota do pó”, ou seja, os corredores por onde passam drogas e armas antes de abastecer as favelas.

As gravações telefônicas publicadas por VEJA mostram Gledson Fernandes, um assaltante conhecido pelo apelido de Leo Fantasma, coordenando todo o processo de arregimentação de novos adeptos. Mesmo preso na unidade de segurança máxima de Piraquara, no interior do Paraná, detentos são batizados, recebem as orientações de um estatuto com dezoito regras a serem seguidas à risca e as orientações de como funciona o sistema de abastecimento de drogas e armas, pagamentos e caixinhas. Tudo por teleconferência, em conexão direta com detentos de presídios do Complexo de Gericinó, em Bangu, e Magé.

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Leo Fantasma é o chamado “Geral do Estado” para o Rio de Janeiro ou Espírito Santo, ou seja, o responsável geral. Nas gravações, feitas em abril, eles chegam a comemorar que o PCC já tinha cerca de 90 integrantes nas cadeias cariocas. “O objetivo deles é ter uma unidade prisional só com integrantes do PCC e, a partir daí, ir construindo novos tentáculos e ganhando espaço nas ruas”, explica o delegado Antenor Lopes Junior, que coordenou a investigação.

Entre os criminosos recentemente batizados, a investigação descobriu lideranças do tráfico em Paraíba do Sul, Rio Bonito, Saquarema e Rio das Ostras. Numa das conversas, Leo Fantasma manda Alexandro Gama Paes, o Lourinho de Rio Bonito, que junte integrantes de sua quadrilha ainda soltos para que todos entrem na quadrilha: “Depois de dois meses que você tiver na rua você começa a pagar o cebola. E vai ter que comprar um Claro [celular] e falar todo dia com nós [na cadeia]. E principalmente você vai arrumar uns maloqueiro [comparsas] bom na tua quebrada que nós vai batizar pra todo mundo virar PCC…”, diz.

A seguir, alguns grampos que integram a investigação da Polícia Civil e revelados por VEJA:

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Nas costas do CV

Léo Fantasma conversa com um homem a quem presta reverência e chama de “Padrinho”. Em seguida conta sobre a expansão dos batismos nas cadeias do Rio de Janeiro e que vai desagradar os aliados do CV:

Léo Fantasma – E aí, padrinho, boa noite.

Preso – Boa noite, meu amigo, um abraço…

Léo – Foi batizado mais três no Rio de Janeiro agora, com meu nome e o seu

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Preso – Ói, tá crescendo bonito, hein?! Já passou dos 80 (inaudível)

Léo – Ahhh….Passou dos 80, até o fim de semana nós chega com 90

Preso – (inaudível)…aquela raça do CV vai se foder com nós

Léo – É isso.

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Governo, o inimigo do PCC

Léo Fantasma conversa com Lourinho e explica que o PCC entra no Rio sem querer guerra com outras facções, como faz o CV.

“Nossa guerra é contra o governo”

Léo Fantasma – E aí, Lourinho…deixa eu falar outra caminhada aqui pra vocês que é muito importante pra vocês terem ciência. Essa guerra que o CV tem com o Terceiro Comando e com o ADA, essa guerra não é nossa. A partir do momento que vocês são PCC, vocês podem ter certeza que a palavra PCC pesa e os caras vai respeitar vocês de grande estilo…nós não tem guerra com eles não, quem tem guerra é o CV. Até mesmo, se o crime do Rio de Janeiro fosse unido, se eles não ficassem um se digladiando contra o outro, querendo matar um ao outro, vocês podem ter certeza que o sistema carcerário do Rio de Janeiro não ia estar esse massacre que você vem passando, não. Mas eles preferem ficar se mantando, tomando morro um do outro, no lugar de se unirem e lutar contra o governo. Que nossa guerra é contra o governo, entendeu?!

Lourinho – Com certeza, e esse é nosso raciocínio.

Léo – Então é isso, irmão. Que eu vou pegar seu nome direitinho, porque vai ter três padrinhos, que a data do batismo, tudo certinho, você tem que gravar, porque a partir do momento que você entra pro comando, essa é sua identidade no Comando, entendeu?!

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Lourinho – Entendi

(…)

Leo Fantasma – Como é seu nome completo?

Lourinho – Wallace Anderson Siqueira Teixeira

Léo Fantasma – Seu vulgo de batismo vai ficar como?

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Lourinho – Pode ser esse mesmo, ou tem que ser outro?

Léo – Pode ser esse mesmo. Irmão Lourinho, né?

Lourinho – Isso.

Léo – Sua quebrada de origem é Magé, né?!

Lourinho – É.

Léo – Sua quebrada atual é a mesma, né?!

Lourinho – Na rua, não. É Saquarema e Paraíba do Sul

As regras do facção

Léo Fantasma batiza traficante Alexandro Gama Paes de Rio Bonito, que diz estar ciente do estatuto de que não poderá sair da facção. Explica também que todo mundo terá a ajuda de mercadoria inicial para começar a fazer a boca de fumo vender. Fala que empresta armas para assalto se quiser.

Lourinho de Rio Bonito  – É o Lourinho de Rio Bonito, meu fiel…

Leo – Da hora, Lourinho, forte abraço. Lourinho, você veio aceitar entrar pro PCC de coração, irmãozão?

Lourinho RB – De coração….(inaudível) o certo é o certo.

Leo – Correto. Deixa eu falar pra você, irmão. Referente ali, você tem ciência que a partir do momento que você entra pro PCC, ninguém é obrigado a permanecer no Comando, mas se um dia você pedir pra sair do PCC, você não pode fazer parte de nenhuma outra facção, e isso pode até ser pago com a vida, que nós pode ver isso como traição, Lourinho?!

Lourinho RB – Tenho ciência do estatuto aqui…

Léo – É isso, você tem ciência disso.

Lourinho RB – Tô ciente, até queria tirar uma dúvida contigo. Nós tá pra vir de rua…nós vai chegar um pouco descansado….nós vai ter que pagar….

Léo – É 400. Você vai ter dois meses de fôlego. Depois de dois meses que você tiver na rua você começa a pagar o caixinha. Que é o seguinte: esses 400 reais é revertido em ajudar todos os seus irmãos que tá preso no sistema carcerário. E você tem o dever e a obrigação, irmão, de ficar na sintonia com nós. Mas isso nós tem um progresso. O Comando vai mandar mercadoria pra você fiado, você vai ter 15 dias pra pagar, você paga a mercadoria e com o seu lucro você faz o que quiser. Também tamo aí pra te ajudar, te fortalecer, pra seus irmãos que tá na rua. Se você precisar de uma arma, alguma coisa, você pode pedir emprestada pro Comando. Pra você ir pra um corre, fazer um assalto, você devolve depois a arma do Comando. O Comando não quer nada seu. Se você tiver uma boca você não precisa pagar caixinha, ninguém. O que é seu, é seu. O Comando quer apenas que você participe dos trabalhos que é revertido em advogados, essas caminhadas…até mesmo se vocês estiverem precisando de advogado…

Lourinho RB – Eu peguei a visão e queria tirar essa dúvida contigo. Chegar na rua tem dois meses…

Léo – É, depois de dois meses que você tiver na rua você começa a pagar o cebola. E vai ter que comprar um Claro e falar todo dia com nós…E principalmente você vai arrumar uns maloqueiro bom na tua quebrada que nós vai batizar pra todo mundo virar PCC…

(…)

Léo – Nós não é igual o CV que tem que pagar uma mensalidade para registrar seu morro.

Lourinho – É, tem que pagar 1000 real na caixinha

Léo – Pro PCC vocês não paga nada não. O morro é seu e nós não quer nada do seu morro, não.

Lourinho RB – Tem um fiel meu que tá lá fora botando o bagulho pra andar. Queria ver se colocava vocês aí na sintonia, se for possível…

Léo – Lógico que é possível. Já passa o número que nós vai lá fora já batizar ele. Vou ter maior honra de ser padrinho de vocês tudo.

A expansão do crime

Integrante do PCC explica que há uma rifa que concorre a carros e motos e que a organização expandiu seus domínios pela América do Sul, oferecendo ajuda em outros países.

Léo Fantasma – Deixa eu falar pra você: o PCC jamais vai aí cobrar caixinha do seu morro. O PCC não exturque (sic) ninguém. Nós vai mandar mercadoria pro seu morro, que é pra você se fortalecer, e ir pagando seu caixinha, sua rifa. Porque nós também faz uma rifa que concorre a carro, concorre a moto, tudo feito pela loteria federal. Nós é a maior facção organizada do Brasil, irmãozão. Em todo o canto do Brasil você vai ter irmão seu. No Ceará, Paraíba, Rio Grande do Norte e nos quatro países, no Paraguai, na Colômbia, na Bolívia e na Venezuela. Pra onde você quiser ir você vai se comunicar com nós e os irmãos vão estar prontos pra te ajudar.

Crack, a droga proibida

Léo repete o início do batismo, diz que o PCC é a facção mais respeitada do Brasil e avisa que a facção não permite o uso de crack ou pasta base por parte dos seus integrantes.

Léo – E até mesmo quando você tiver na sua quebrada e o ADA e TCP tiver querendo invadir, você vai se apresentar: Oh, mano, nós é tudo PCC. Eu garanto que os caras vai respeitar e ninguém vai entrar no seu morro pra dar tiro e nem pra fazer nada não, entendeu?!

Lourinho RB – Certo. A gente tá ciente de tudo mesmo…

Léo – No automático…você virando PCC , pode falar que o morro é de um integrante do PCC, não é do PCC, que todo mundo vai te respeitar na sua quebrada, que o PCC é a facção mais respeitada do Brasil, irmão…

Lourinho RB – É verdade. Ouvi falar muito mesmo…

Leo – Vou fazer umas perguntas pra você iguais eu fiz pro outro aí, não quero que você leve a mal, responda de coração, tá bom irmão?!

RB – Correto.

Leo – Você entrou o convite de coração pra entrar no PCC, irmão?!

RB – Aceito sim, de coração.

Leo – Da hora. Deixa eu falar pra você. Você já fez uso de crack, essas drogas aí, irmãozão?

RB – Já fiz uso, já. Mas meu filho nasceu e dei última forma com pó…só natural.

Leo – Pó, maconha, essas caminhadas é tranquilo. Mas integrante do PCC não pode usar crack e nem pasta base, essas drogas é proibido, entendeu?

RB – Não, jamais.

Leo – Já segurou BO de alguém, ou fez alguma coisa que fere a ética do crime, que degrina (sic) o crime?

RB – Não. Graças a Deus

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