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Na caça a desmatadores, PF adota tecnologias para detectar madeira ilegal

Cruzamento de dados de dois sistemas tem sido usado como provas

Por Juliana Castro Atualizado em 26 Maio 2021, 11h28 - Publicado em 2 Maio 2021, 08h24

Ao longo das investigações de duas das maiores operações contra a exploração ilegal de madeira — a Arquimedes, deflagrada a partir de 2017, e a Handroanthus GLO, no fim do ano passado –, a Polícia Federal lançou mão de duas tecnologias que têm ganhado espaço e a preferência dos investigadores: um sistema novo de monitoramento por satélite, chamado Planet, e uma ferramenta que identifica, por assim dizer, o DNA da árvore.

Conjugados, os dois métodos têm sido usados para coibir o desmatamento. Com esse último, é possível aferir de qual região da Amazônia as toras apreendidas em uma ação foram extraídas. Dessa forma, a PF compara se elas foram retiradas da mesma área que a documentação descreve ou se houve fornecimento de dados falsos — quando, por exemplo, o madeireiro aponta que extraiu o material de um local permitido, mas, na verdade, o retirou de áreas protegidas. Esse DNA das árvores, chamado pelos especialistas de assinatura isotópica, é identificado porque cada vegetação guarda as características específicas, moldadas ao longo do tempo pelo solo, altitude, temperatura e clima a que foi exposta — e isso sempre varia de região para região.

Para chegar a essa identificação, é usado um espectrômetro de massas, aparelho que emite um laudo científico que aponta características únicas da origem geográfica da madeira. Esse mesmo método já era usado, por exemplo, para saber o local de procedência de cocaína ou ouro ilegal e desbaratar quadrilhas. Em janeiro deste ano, autoridades brasileiras foram aos Estados Unidos articular a devolução de madeira da Amazônia exportada ilegalmente. Na ocasião, foram coletadas, nos portos americanos, amostras de ipê, jatobá e outros exportados do Brasil para serem comparadas com o banco de amostras da área declarada como origem da exploração florestal, utilizando a técnica de isótopos estáveis e outros recursos tecnológicos desenvolvidos no Brasil.

No caso das árvores da Amazônia, um banco de dados vem sendo abastecido. “Vamos precisar de um tempo para formá-lo. Isso vai nos dar a rastreabilidade da madeira”, explica o delegado da Polícia Federal Alexandre Saraiva, que foi exonerado do comando da PF no Amazonas depois que apresentou uma notícia-crime ao Supremo Tribunal Federal contra o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Saraiva comanda a investigação da maior apreensão de madeira ilegal do país, a Handroanthus GLO, e Salles, por sua vez, defendeu a liberação da carga, tomando o lado da indústria madeireira. VEJA mostra na edição desta semana as irregularidades apontadas na apuração e como a ação chegou aos bastidores do poder em Brasília

Para completar o rastreamento da madeira, a PF passou a utilizar recentemente o programa americano Planet Labs, que dispõe de imagens em alta resolução de aproximadamente 130 satélites que fornecem imagens das últimas 24 horas e a uma curta distância. Na notícia-crime contra o ministro Ricardo Salles, o então superintendente da PF no Amazonas salientou a importância do uso dessa ferramenta e disse que ela fazia parte de um novo método de investigação, por meio de abordagem in loco. O auxílio da plataforma Planet propicia o confronto do Plano de Manejo Florestal, que indica onde as árvores foram retiradas, com imagens de satélites praticamente em tempo real (que verifica se realmente foram extraídas do local indicado). 

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O projeto-piloto foi testado na Superintendência do Amazonas e na Diretoria Técnico-Científica da Polícia Federal ao menos nos últimos dois anos. Em abril de 2019, com a deflagração de mais uma etapa da Operação Arquimedes — na qual 26 suspeitos foram presos, entre eles um ex-superintendente do Ibama no Amazonas –, o presidente Jair Bolsonaro veio a público defender a tecnologia, sem  explicitar o nome do sistema. “A operação marca o início da utilização de uma ferramenta tecnológica de imagens de satélite que possibilita identificar ‘novos focos’ de desmatamentos quase que diariamente, o que resultou numa melhor fiscalização e no aumento das ações de campo”, escreveu em suas redes sociais. Em setembro de 2020, o governo federal anunciou que a ferramenta seria usada em todo o território nacional.

Operação contra desmatamento irregular na região APA de Pouso Alto, no município de Cavalcante.
Desmatamento irregular na região APA de Pouso Alto, no município de Cavalcante (Divulgação/Divulgação)

Com essa tecnologia, os investigadores são capazes de identificar a exata localização indicada no respectivo laudo do DNA da árvore, comparar com o local descrito nos documentos necessários para a exportação e o transporte da carga e identificar eventuais divergências entre ambos. Para usar o programa, a União vai desembolsar anualmente 50 milhões de reais em recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública, valor que dá direito ainda a que o sistema esteja disponível também para os estados.

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Polêmica

O contrato gerou críticas de alguns especialistas e órgãos como o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que alegaram que o governo já contava com imagens e um sistema de alertas de desmatamento até melhor. A polêmica chegou ao Tribunal de Contas da União (TCU) e, no dia 18 de setembro, a ministra Ana Arraes determinou a suspensão do contrato recém-assinado, feito sem licitação, sob o argumento de que se tratava de um serviço único. Três dias depois, ela voltou atrás, convencida por argumentos da PF e do Ministério da Justiça.

Para os investigadores, o serviço da empresa americana é mais preciso, atualizado e permite, por exemplo, até localizar balsas que estejam descendo o rio carregadas de madeiras. O governo federal argumenta que, em comparação com tecnologias em uso atualmente, o programa permite receber cinco vezes mais imagens, com resolução sete vezes melhor e, além disso, defende que o sistema auxilia também na identificação de fraudes em obras de engenharia, crimes de tráfico de entorpecentes e crimes ambientais, como fraudes em manejo florestal, corte seletivo de madeira e a detecção, ainda no início, de queimadas, desmatamento, mineração irregular, dentre outros.

Nos projetos-pilotos, o programa ajudou na identificação de ilícitos praticados do dia para a noite, como a abertura-relâmpago de pistas de pouso clandestinas ou de pequenas vias de acesso para desflorestamento irregular.

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