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Ministério Público suspeita de testemunha-chave do caso Marielle

Promotor que coordena força-tarefa criada para investigar o crime vê contradições e inconsistências no depoimento que guia o inquérito

Por Luisa Bustamante e Fernando Molica
Atualizado em 8 jun 2018, 19h01 - Publicado em 8 jun 2018, 17h59

Quase três meses depois do assassinato da vereadora Marielle Franco e seu motorista Anderson Gomes, a principal linha de investigação da polícia sobre o crime está sob suspeita. Coordenador da força-tarefa criada pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro para acompanhar o caso, o promotor Homero Freitas Filho afirmou a VEJA ter dúvidas sobre a validade do depoimento de uma testemunha-chave que procurou a polícia com a versão de que um miliciano e um vereador, Marcello Siciliano (PHS), tinham interesse na morte da parlamentar.

O delator é um policial militar que confessou ter integrado uma milícia que atua em Jacarepaguá, na Zona Oeste do Rio, e é chefiada pelo ex-PM Orlando Oliveira de Araújo, o Orlando de Curicica, que está em presídio federal. Segundo a testemunha, Orlando e Siciliano encontraram-se por pelo menos quatro vezes, ocasiões em que teriam armado a morte da vereadora. A motivação seria a atuação de Marielle em áreas dominadas pela milícia e sob influência de Siciliano. Para o promotor, as declarações não podem ser descartadas, mas devem ser vistas com “muita cautela”.

Na avaliação de Freitas Filho, o relato que passou a nortear a apuração “não tem coerência”, porque o trabalho desenvolvido pela vereadora em Jacarepaguá era “incipiente” e não justificaria sua morte. O promotor também disse estranhar outra versão do delator: a de que ele teria sido obrigado a trabalhar para Orlando, seu ex-rival na disputa de territórios. Mais um problema: a testemunha afirmou que o assassinato de um colaborador de Siciliano, Carlos Alexandre Pereira, menos de um mês depois do homicídio de Marielle, teria sido por queima de arquivo. Freitas Filho afirma que as investigações sobre esse crime não indicam relação alguma com a morte da vereadora.

A polêmica relacionada ao depoimento é ainda maior, envolve o papel exercido no caso por delegados da Polícia Federal e disputas entre vereadores por influência político-eleitoral em áreas em que há notória atuação de milicianos. De acordo com essa versão, a testemunha teria sido plantada para prejudicar o vereador Siciliano e, mesmo, dificultar a descoberta dos autores do crime. Nesse caso, a rivalidade de Siciliano não seria com Marielle, mas com outros dois políticos: o vereador Chiquinho Brazão e seu irmão Domingos Brazão, ex-deputado estadual e um dos conselheiros afastados do Tribunal de Contas do Estado por suspeita de corrupção. Regiões da Zona Oeste são reduto eleitoral de ambos. Siciliano e os Brazão têm desavenças, em particular na favela da Gardênia Azul – até o uso de um campo de futebol foi motivo de conflitos. O suplente de Siciliano, portanto seu eventual substituto em caso de afastamento, é Marcelo Piuí, aliado da família Brazão.

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Ouvido pelo site de VEJA, o ex-deputado Domingos Brazão diz que conhece e tem “excelente relação” com Siciliano, a quem se refere como um “empresário e político de primeiro mandato”. “Por que eu me incomodaria com Marcello Siciliano? Você não pode dizer que um vereador de 13 mil votos possa incomodar alguém”, alfinetou.

Policiais federais

O inquérito que apura os homicídios é conduzido pela Polícia Civil do Rio, mas a testemunha fez contato com o delegado da Polícia Federal Hélio Khristian Cunha de Almeida. De acordo com uma primeira versão, divulgada no início de maio, o delator não confiaria na polícia estadual. Ao site de VEJA, Khristian afirmou, sem detalhar as circunstâncias, que o PM teria, antes, procurado “alguns órgãos e outras autoridades” para prestar um depoimento e não foi bem recebido. “O pessoal virou as costas para ele”, resumiu.

O delegado diz que um amigo fez a ponte entre ele e a advogada da testemunha. Ele negou, porém, que esse amigo seja o ex-agente federal Gilberto Ribeiro da Costa, que ocupou cargos nos gabinetes de Domingos Brazão na Assembleia Legislativa e no TCE. Khristian admitiu conhecer Costa – com quem trabalhou – e Brazão, mas refutou qualquer ligação entre eles e a decisão do delator de procurá-lo. “Isso é ridículo, trata-se de um factoide para desviar o curso das investigações”, criticou.

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Quando a testemunha se apresentou à PF, Khristian chamou outros dois delegados federais – Lorenzo Martins Pompilio da Hora e Felício Laterça – para participarem da conversa, sem o conhecimento dos seus superiores. Só depois desse primeiro contato é que a existência do delator foi comunicada à chefia da Polícia Civil. Os três delegados federais ainda acompanharam o primeiro depoimento formal do PM, prestado fora da Delegacia de Homicídios, a pedido da testemunha.

Lotado na Delegacia de Repressão a Crimes Previdenciários, Khristian, em novembro do ano passado, interrogou Siciliano em inquérito que apura sonegação fiscal da casa de shows Barra Music, também na Zona Oeste – o vereador, porém, não é sócio da empresa, embora tenha declarado que emprestara dinheiro aos seus donos. “A investigação também apura outros crimes, como lavagem de dinheiro”, disse o delegado para justificar a convocação de Siciliano. Khristian afirmou, agora, que vai deixar a condução do inquérito.

Domingos Brazão não nega que conheça o delegado Hélio Khristian e também Gilberto, “assim como dezenas de outros delegados, agentes e policiais da Federal e da Civil”. “Fazer essa relação é coisa de quem está vendo muito seriado americano”, ironizou. Sobre a testemunha ter sido levada para os delegados federais por Gilberto, disse: “Não sei se foi, nem acredito nessa hipótese. Imagina se três delegados da polícia federal do nada resolveriam participar de um negócio desses botando suas carreiras em jogo?”, questionou. Já Gilberto afirmou que conhece os três delegados, com quem tem até uma relação de amizade, mas negou que tenha levado a testemunha até eles.

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Na última quarta, ao sair de depoimento na Delegacia de Homicídios, Siciliano evitou fazer qualquer comentário. O site de VEJA, porém, apurou que as desavenças com a família Brazão foram abordadas no interrogatório. O delegado responsável pela apuração, Giniton Lages, não dá qualquer detalhe sobre o andamento das investigações, mas o promotor Homero Freitas Filho é taxativo ao afirmar que a disputa entre Siciliano e os Brazão e sua eventual relação com o caso Marielle tem que ser apurada. “E vai ser”, completou.

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