Marinheiro conta momentos de tensão na base da Antártida
Pablo Tinoco relembra atos de heroísmo da equipe para salvar pesquisadores
“Eu vi civis carregando mangueira, entrando no lago para tentar instalar bomba, transportando gelo, estourando cabos de aço. Eles fizeram de tudo para nos ajudar”
Foram nove horas de luta contra o fogo que começou à 1h de sábado na praça de máquinas, e se alastrou rapidamente pelas principais acomodações da estação Comandante Ferraz. “Em nenhum momento esgotamos as possibilidades. Em nenhum momento desistimos de tentar salvar nossos amigos”, conta Pablo Tinoco, 25 anos, que é integrante do Arsenal da Marinha, equipe responsável pela manutenção da estação brasileira, e desembarcou na madrugada desta segunda-feira na Base Aérea do Galeão. Ainda no estacionamento do aeroporto, sem dormir desde sexta-feira, ele contou como foi a luta para debelar as chamas e para salvar amigos sob as condições extremas da Antártida.
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Com três horas de incêndio, chegou a ajuda de um navio argentino. Os chilenos também chegaram em helicópteros. Logo os poloneses também se juntaram ao grupo. “Sem eles, o resultado humano talvez tivesse sido diferente. Com três horas de combate, não tínhamos a mesma força”, afirmou.
O militar conta ainda que o grupo estava preparado para lidar com a situação. Cinco dias antes, eles haviam praticado um treinamento chamado Controle e Combate de Incêndio. “Foi tudo muito rápido, mas as nossas atitudes foram controladas. Ninguém tomou uma atitude precipitada, todos sabíamos o que estávamos fazendo. Fomos treinados para isso”, disse.
Mais do que dois colegas, Pablo disse ter perdido duas pessoas que faziam parte de sua família. “Santos era fascinado por fotos. De todas as lindas imagens de paisagem que ele fazia lá, a que ele preferia era a foto que guardava de sua família, esposa e filhos. Era a terceira vez que estava na Antártica. Amava aquilo. Era flamenguista doente, como eu. Escutamos a derrota para o Vasco juntos lá. Eles foram minha família nos últimos dias”, disse.
Segundo ele, o suboficial Carlos Alberto Vieira Figueiredo era um pouco mais fechado. “Mas não significa que não participava do grupo. Tinha 20 anos de profissão. Só isso diz muita coisa. Era experiente e competente. Faltava um mês para ele retornar para casa. Já estava há 11 meses e alguns dias na Antártica”, disse.
Para Pablo, o legado que os amigos deixam é de heroísmo e exemplo. “Eles saíram da vida e entraram para a história, pelo menos das 59 pessoas que eles lutaram para salvar. Eram homens honrosos que amavam suas famílias e que estavam lá para levar experiências boas para casa. Eram excelentes praças, os mais antigos de bordo, e efetuaram suas funções de forma magnífica”, disse.
Mesmo diante do trauma, Pablo afirma que o amor pelo trabalho na Antártida é mais forte e que está disposto a dar continuidade a ele: “Eu volto para lá, já pedi. Os comandantes sabem que eu quero voltar. É preciso começar tudo do zero, consertar os equipamentos de carga e retirar o entulho que sobrou”.