Em 2011, a empreiteira Odebrecht decidiu construir um estádio para o Corinthians como um agrado ao ex-presidente Lula, torcedor fanático do time, pela longa e rentável parceria entre eles. A princípio, o presente custaria 400 milhões de reais — despesa com a qual a construtora e o clube resolveram arcar sozinhos. A Operação Lava-Jato, que mostrou o que havia por trás de toda essa camaradagem, só começaria dali a três anos. Antes do início da obra, alguém sugeriu ampliar o tamanho da arena para que ela recebesse o jogo de abertura da Copa do Mundo. A mudança no projeto dobrou a capacidade do estádio e elevou seu custo para mais de 1 bilhão de reais. Era dinheiro demais até para a poderosa Odebrecht. Numa operação financeira avalizada pelo governo da então presidente Dilma Rousseff, a Caixa Econômica emprestou boa parte dos recursos que faltavam. Em setembro passado, após vários atrasos no pagamento, o banco anunciou que executaria a dívida — mas logo depois voltou atrás na decisão.
Das doze prestações que deveriam ter sido pagas neste ano, o Corinthians quitou apenas duas. A dívida da administradora do estádio, uma sociedade formada entre o clube e a construtora Odebrecht, chega a quase meio bilhão de reais. A hipótese de calote acendeu o sinal de alerta dos técnicos do banco, que passaram a analisar com lupa os termos do contrato de financiamento. Eles descobriram, em suma, que a Caixa havia feito um péssimo negócio, sustentado por garantias frágeis e lastreado por fontes de receita irreais. Um exemplo: somente com o tour no estádio, o Corinthians projetou que receberia 1 milhão de visitantes por ano. Desde a inauguração, há cinco anos, recebeu pouco mais de 100 000. Diante do risco de calote, o banco notificou judicialmente a administradora de que começaria a executar as garantias. Em última instância, se os pagamentos não fossem retomados, o estádio poderia ser até mesmo incorporado pelo banco.
Esse desfecho, curiosamente, não parece ser uma opção para o palmeirense Jair Bolsonaro. O presidente disse a um parlamentar que não quer se indispor com a segunda maior torcida do Brasil. Logo depois desse comentário, a direção da Caixa reabriu as negociações e estuda uma proposta em condições ainda mais favoráveis ao time paulista. “Acordo ainda não tem. Vamos esperar. Se eles aceitarem o que a gente quer, tudo bem”, disse a VEJA Andrés Sanchez, presidente do clube. Ex-deputado petista, Sanchez, no auge do impasse, pediu ajuda ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia, para abrir um canal com a direção do banco. A intermediação surtiu efeito. A execução da dívida foi suspensa, e a proposta apresentada pelo time tramitou rapidamente pelas áreas técnicas da Caixa. Os detalhes são protegidos por sigilo. Sabe-se, porém, que os novos termos alongam o prazo de pagamento da dívida por, no mínimo, mais três anos e admitem como garantia de receita os recursos obtidos com os naming rights (o direito de explorar o nome do estádio). Assim como no caso do tour de 1 milhão de visitantes, é mais uma promessa de arrecadação futura.
Desde que a arena foi inaugurada, em 2014, o Corinthians vem penando para conseguir convencer algum investidor a aportar cerca de 400 milhões de reais para associar sua marca ao estádio. O problema é que, após a Lava-Jato, a imagem da arena foi vinculada a histórias de corrupção, desvio de dinheiro público, ao PT, Lula e a outros personagens envolvidos no escândalo. Até agora não apareceu nenhuma empresa disposta a pagar essa fortuna para dar seu nome ao estádio popularmente conhecido como Itaquerão. Em sua delação premiada, Marcelo Odebrecht, filho de Emílio Odebrecht, o patriarca da família e dono da empreiteira, confirmou que o Itaquerão foi construído a partir de um pedido de Lula no fim do mandato dele como presidente da República, em 2010. “Esse assunto, como ele nasceu? Basicamente, um pedido de Lula para o meu pai: ‘Ó, eu tenho o Corinthians no coração, ajude o Corinthians a construir um estádio privado’.” Emílio, amigo do então presidente, teria topado a empreitada sem pestanejar.
O que era para ser um simples presente virou um tremendo problema. “Houve um momento em que tentei desistir. Foi logo após saber que a obra, que era para ser um estádio para 30 000 pessoas, tinha virado um projeto para a Copa cujo valor saltou dos 400 milhões de reais para mais de 800 milhões”, disse Marcelo. Para que o projeto saísse do papel em formato megalômano, foi preciso que outras forças passassem a atuar. A fim de conseguir o dinheiro extra, o governo da presidente Dilma colocou no circuito a Caixa Econômica Federal e o BNDES. Com os bancos públicos na retaguarda, o custo da obra saltou mais uma vez — de 800 milhões para 1 bilhão de reais. Para completar, a Lava-Jato investiga se parte desse dinheiro foi desviada para pagamentos de propina e financiamento de campanhas políticas. Uma bola fora atrás da outra. Se nenhuma empresa se associar ao projeto de naming rights, o clube poderia adotar um nome que conta a história da obra: Arena da Corrupção.
Publicado em VEJA de 20 de novembro de 2019, edição nº 2661