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“Fui envenenado”, diz vítima de contaminação por cerveja da Backer

Cristiano Mauro Assis Gomes, mineiro de 47 anos, foi intoxicado pela bebida

Por Cristiano Mauro Assis Gomes
Atualizado em 17 jul 2020, 14h16 - Publicado em 17 jul 2020, 06h00

Sempre gostei de tomar uma cervejinha no fim do dia. É algo muito comum, claro: milhões de pessoas, mundo afora, fazem isso. Incomum foi o que me ocorreu por manter esse hábito. Tudo começou no fim de 2019. Durante a Black Friday, minha mulher comprou três caixas de cerveja Belorizontina, da marca Backer. Eu bebia uma garrafa por noite, e, em duas ocasiões festivas, tomei entre cinco e oito. Minha esposa e meus amigos tomaram também, mas em menor quantidade, e consumiram outras bebidas. Logo no primeiro daqueles eventos, eu me senti mal. Contudo, não suspeitei que teria algo a ver com a cerveja. Como melhorei, voltei a beber a Belorizontina. Eu não sabia que, aos poucos, estava me envenenando.

Na madrugada de 23 para 24 de dezembro, fui internado. Descobri que meus rins se encontravam lesionados. Eu já não urinava. Meu diafragma deixou de funcionar, meus pulmões estavam estragados. Quando me informaram que tudo se devia à presença do dietilenoglicol na cerveja, fiquei indignado. O pior é que o composto ainda estava sendo processado no meu fígado, envenenando-me — repare que falo que fui envenenado, não intoxicado.

Vieram, então, as complicações neurais. Fiquei 44 dias sob cuidados intensivos. Durante esse período, eu me comunicava apenas com olhares e pequenos acenos de cabeça. Cheguei a engordar 34 quilos por causa da retenção de líquidos. Peguei seis infecções hospitalares. O processo foi longo e dolorido. No total, foram 75 dias no hospital. Somente em 10 de fevereiro eu pude sair do respirador e voltar para o leito privado. Respirar era uma musculação. A cada inspiração, eu repetia para mim mesmo: “Sem dor, sem dor”. Torcia para que isso me ajudasse a esquecer a aflição que sentia. Inclusive a financeira: até agora, gastamos mais de 35 000 reais com o meu tratamento, já descontando tudo o que foi coberto pelo seguro-saúde.

Tive alta no dia 6 de março. No entanto, isso quer dizer apenas que estou funcional: respiro. Meu rosto continua paralisado, com exceção de parte da boca, que movimento com dificuldade. Quando tento me alimentar, a comida cai para um dos lados da bochecha, e tenho de redistribuí-la com a mão. Consigo andar, porém sinto como se estivesse vestindo um escafandro. Tudo se tornou um esforço gigantesco. Nada é leve, nada é suave. Faço fisioterapia cinco vezes por semana, fonoaudiologia três e hemodiálise outras três. Livre do hospital, eu me mudei, com mulher e filha, para a casa da minha mãe, que fez várias adaptações na moradia, que é grande, para me acomodar. Só tenho a agradecer à minha família. Sem esse suporte eu teria desistido.

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Eu me considerava independente e também um intelectual (formei-me em psicologia e ingressei na carreira acadêmica — tornei-me professor da UFMG). Gostava de tocar guitarra e de esportes. Ficar naquela cama sem poder ir ao banheiro sozinho, precisar ser trocado, ter alguém para me dar banho foi difícil. O que mais pesava era saber que não ocorrera algo inevitável, como um AVC, por exemplo.

O tempo ajuda a fechar cicatrizes, costuma-se dizer, entretanto não posso ser ingênuo a ponto de acreditar que sairei dessa sem sequelas. Não vivo a vida esperando alguma reparação da Backer. É óbvio que, se nada acontecer, eu me sentirei injustiçado. De qualquer modo, não tenho grandes expectativas. Uma indenização não fará com que meus rins voltem a funcionar ou meus músculos se regenerem.

Mas acho que há algo de positivo em tudo isso. O caso pode escancarar a necessidade de as empresas serem mais éticas e respeitosas com relação aos cidadãos, gente comum, de todo o planeta, sem grandes ambições — que, por exemplo, gosta de tomar uma cervejinha no fim do dia.

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Depoimento dado a Sabrina Brito

Publicado em VEJA de 22 de julho de 2020, edição nº 2696

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