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Fernando Grostein Andrade: Devolvam as terras griladas

Terras públicas roubadas na Amazônia nunca são devolvidas

Por Fernando Grostein Andrade
Atualizado em 6 set 2019, 10h21 - Publicado em 6 set 2019, 06h30

Em breve, será lançado o documentário Amazônia Sociedade Anônima, de Estevão Ciavatta. É um duro retrato de como a grilagem de terras está intimamente relacionada ao desmatamento — terra invadida e desmatada tem preço multiplicado por até 100 vezes, segundo estimativa de Mauricio Torres, professor da Universidade Federal do Pará. Multas de até 100 milhões de dólares não são pagas. No Congresso, o roubo adquire ares oficiais, com o eufemismo chamado de “regularização fundiária”, sinônimo de anistia a crimes. O escândalo passa despercebido. Grileiro quase nunca é preso. Há conivência internacional. Há impunidade em todos os níveis. Quando um banco oferece crédito e investe nos conglomerados de carne e soja que lucram com produção em terrenos surrupiados na bala, há algo de muito errado, que pressupõe controle mais rigoroso. Há quem apresente selos de certificação, escondendo a contrafação. Mas, convenhamos, criminosos são craques em burlar regras. O setor financeiro deveria impor vigilância mais severa, tal qual ocorre na concessão de créditos em outros setores. Nos Estados Unidos, o Bank of the West saiu na frente e apresenta garantias dessa ordem aos seus clientes.

É urgente a montagem de um sistema de aferição à prova de fraudes, cuja fiscalização tenha um olhar horizontal, com a participação dos povos da floresta. Os grandes compradores de carne — churrascarias, supermercados e redes de fast-food — precisam assumir suas decisões (a rede McDonald’s, ressalve-­se, já está nesse bom caminho — depois de um puxão de orelha do Greenpeace). Há, evidentemente, quem dentro das companhias lute por essa postura sustentável, mas muitas vezes essas pessoas são sufocadas pelo autoritarismo da lógica de geração de valor destinada aos acionistas, custe o que custar.

O vale-tudo ambiental precisa seguir o rigor da aferição destinado ao mercado financeiro

O político que mais representa o setor financeiro, João Amoêdo, do Partido Novo, admirado por quase todos os membros da área (e por mim, inclusive), não emitiu nota clara de repúdio à política do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que vem desprezando dados científicos e adotando políticas públicas destrutivas. “Salles tem acertado mais do que errado”, disse Amoêdo em entrevista ao Valor Econômico, dando pistas de que não está entendendo nada. Ora, Salles é do partido que João fundou. Já na campanha presidencial de 2018, o ministro incitou assassinatos de sem-terra. Amoêdo, no Twitter, pede agora um debate “racional”, enquanto emite notas em que tergiversa e afasta suas responsabilidades. Também é racional enxergar além da ideologia liberal, tirando o melhor que ela tem a oferecer, mas ter clareza em relação ao problema: o que devasta a maior floresta do mundo é o dinheiro sujo, que mancha a parte séria do agronegócio brasileiro. Se desmatar não fosse lucrativo, a floresta estaria intacta. Amoêdo corre o sério risco de ser confundido com um bolsonarista de sapatênis, enquanto membros do Novo começam a se rebelar, mostrando que a criatura pode superar o criador. Talvez Amoêdo não tenha percebido as responsabilidades que seu poder e privilégios trazem: liderar a elite para ajudar a construir uma direita à altura de sua biografia de banqueiro de sucesso.

Publicado em VEJA de 11 de setembro de 2019, edição nº 2651

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