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Feitiço contra o feiticeiro: Hugo Chávez começa a ser rejeitado pelo povo que o elegeu

Presidente venezuelano que visitará o Brasil nesta segunda-feira enfrenta efeitos da crise que ele mesmo causou em seu país

Por Adriana Caitano
5 jun 2011, 11h20

Uma pesquisa divulgada na última semana pelo jornal El Universal demonstrou que 51% dos eleitores da Venezuela querem um novo líder para seu país. O levantamento, realizado pela empresa Hinterlaces, é um sintoma de que o prolongado governo do presidente Hugo Chávez pode estar perto do fim. A falta de comida, a inflação, a violência e os problemas com a energia elétrica são apenas alguns dos motivos que têm levado os venezuelanos a desacreditarem o coronel, antes tão exaltado popularmente, e apostarem na oposição como fonte de esperança para o fim da era chavista, que já dura doze anos. É nesse clima de desprestígio que o presidente visita o Brasil para fechar acordos com Dilma Rousseff nesta segunda-feira.

A primeira tentativa de Chávez de chegar ao poder foi em 1992, quando liderou um golpe militar contra o então presidente Carlos Andrés Pérez. Por causa da desmobilização de seus aliados, o golpe se frustrou e Chávez acabou preso. Sua exposição, no entanto, rendeu-lhe as graças do povo, que o elegeu anos mais tarde, em 1998, presidente do país com 56% dos votos. O coronel chegou com discurso sedutor, esbravejando soluções e promessas. Mudou o nome do país para República Bolivariana da Venezuela e garantiu que faria uma revolução socialista moderna, aliada à democracia.

O presidente não poupou esforços para conquistar o eleitorado. Os discursos continuaram cada vez mais frequentes. Como dizem analistas locais, Chávez passou a governar ao vivo, em frente às câmeras, para garantir que todas as atenções estivessem voltadas para ele. “Mais além de seu alcance social e sua retórica, o regime de Chávez se concentra em Chávez. Seu feitiço popular é tão aterrador como sua tendência a ver o mundo como uma prolongação, agradecida ou perversa, de sua própria pessoa. É um venerador de si mesmo”, descreve Enrique Krause, historiador mexicano, no livro O Poder e O Delírio, sobre o governo chavista.

No entanto, uma de suas primeiras medidas foi fazer alterações na Constituição que lhes dessem mais poderes. Seus aliados na Assembleia Nacional ainda o permitiram governar por decretos e ele aproveitou para trocar os executivos da estatal petroleira do país, a PDVSA, por pessoas indicadas politicamente. Mas nada disso foi suficiente para enfraquecer o coronel. Em 2006, mesmo tendo enfrentado greves e uma tentativa de golpe contra seu poder, ele foi reeleito com 62% dos votos. No ano seguinte, ele acusou a emissora de televisão RCTV de ter participado do golpe que tentou derrubá-lo e impediu que a concessão da TV fosse renovada.

Recessão – Aos poucos, as medidas autoritárias do caudilho passaram a afetar diretamente o bolso e o conforto dos venezuelanos. “Produtividade e rentabilidade são conceitos do malvado capitalismo e do neoliberalismo”, avisava o coronel em 2004. A má-utilização dos recursos vindos da exportação de petróleo – mais com a compra de armas que com investimento na produção interna – e a própria queda na produção do bem mais abundante do país provocou um grande impacto nas contas públicas.

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A oferta de alimentos ficou escassa e os preços subiram drasticamente. A população teve que adaptar a dieta ao que conseguisse encontrar. O governo criou mercados populares com a venda direta de produtos aos consumidores, mas não adiantou. “A equação de Chávez não fecha, ele está destruindo a economia e o povo está passando muita dificuldade”, comenta Norman Gall, diretor executivo do Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial, estudioso da América Latina que viveu seis anos na Venezuela.

Gall relata que a imagem guardada em sua mente da última visita feita ao país comandado pelo coronel é de destruição. “Lá hoje tem um dos mais altos índices de homicídio do mundo, o lixo está espalhado pelas ruas, não existem mais lugares onde as pessoas se reuniam para conversar e tomar café e parece que o Chávez não se importa com isso”, conta.

Outro ponto sensível da realidade venezuelana tem sido os frequentes apagões e a pressão do governo para o racionamento de energia elétrica. “Se você se levanta às três da madrugada para ir ao banheiro, compadre, por que gastar esse pouco de luz? Deixe a lanterna ali, na mesa de cabeceira”, incentivou Hugo Chávez em 2009. No mesmo ano, a Venezuela entrou em recessão. Desde então a taxa de inflação do país não sai da média de 30%.

A virada – Uma reação concreta e organizada contra os desmandos do coronel começou a tomar corpo em 2007. Chávez apresentou uma proposta para modificar a Constituição, o que possibilitaria que ele fosse reeleito ilimitadas vezes, tivesse mandatos de sete anos e assumisse o controle sobre a política monetária, além de restringir o direito à informação e implantar mais características socialistas ao país. Pela primeira vez desde que assumiu o poder, o ditador que tinha o sonho de ser Simón Bolívar sofreu uma derrota: 51% da população disse “não” às mudanças constitucionais.

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Em 2010, outra rasteira. Após as eleições legislativas, seus aliados, que monopolizavam a assembleia, passaram a ter que dividir espaço com a oposição, que ganhou mais de um terço das cadeiras e recebeu 52% dos votos na contagem geral. O novo fôlego dado ao grupo contrário ao seu governo serviu como um golpe profundo na soberania chavista. E inflamou ainda mais a população.

De acordo com uma publicação de maio deste ano do VenEconomia, instituto de análises econômicas da Venezuela, em 2010 foram registrados mais de 3.400 protestos nas ruas do país contra a violência, a pobreza, o desemprego e o racionamento de energia provocados pelo governo de Chávez.

O número de manifestações, diz a publicação, é crescente, mesmo com as seguidas tentativas do presidente de abafá-las. Em diversas situações, os manifestantes deparam-se com um exército de defensores do regime chavista autointitulados “muralha vermelha”, munidos de pedras e pedaços de pau ou ainda com armas que seriam cedidas pelas forças de segurança oficiais.

Reação – Na semana passada, Chávez, que estava afastado da mídia para evitar que sua imagem ficasse ainda mais abalada por causa das denúncias de seu envolvimento com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), voltou a disparar discursos inflados aos venezuelanos. Num ato tipicamente chavista, pediu desculpas pela morte de quase 100 pessoas em 1992, quando ele comandou a tentativa de golpe. “Peço sempre perdão a Deus e guardo na alma as recordações daquele dia e dos anos que nos levaram a essa revolta bolivariana; peço perdão pela dor causada”, disse.

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No entanto, com a possibilidade de a oposição fechar um candidato único para as eleições de 2012 já com o apoio de mais da metade dos venezuelanos, o monopólio de Hugo Rafael Chávez Frías está cada vez mais enfraquecido. E suas palavras podem não ser suficientes para segurá-lo. “Felizmente, Chávez não é o único protagonista desta história. Há outro protagonista soberano, o povo da Venezuela: plural, diverso, pacífico, generoso. Sua liberdade estará em jogo nas eleições que se seguem. E ele (o povo) saberá como se defender, como fez tantas vezes”, já apostava o historiador mexicano Enrique Krause, no livro publicado em 2006.

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