Uma empreitada com potencial para gerar 30 bilhões de barris de petróleo e 200 bilhões de dólares, segundo projeções mais otimistas, está no centro de uma nova trombada no governo Lula. A exploração de petróleo na Margem Equatorial, na costa norte do país, virou prioridade da Petrobras, que há nove anos tenta autorização do Ibama. O ponto de discórdia é um poço a 500 quilômetros da foz do Rio Amazonas, região de alta complexidade ambiental, em águas profundas e pouco exploradas. De um lado da contenda estão o presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, e o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira. Do outro, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. A decisão será tomada sob o guarda-chuva da pasta que ela comanda — cabe ao chefe do Ibama, Rodrigo Agostinho, dar a palavra final.
A tensão entre essas autoridades aumentou no mês passado, quando um parecer de dez técnicos do Ibama recomendou o indeferimento. Segundo o documento, a região abriga espécies ameaçadas de extinção e outras desconhecidas, além de recifes de corais recém-descobertos. O órgão considerou que o Plano de Proteção à Flora oferecido pela Petrobras tem “deficiências significativas” e não reduz de forma satisfatória os impactos de um eventual vazamento de óleo. Além disso, o Estudo de Impacto Ambiental não abrange as complexidades da região e é incompleto em relação às comunidades indígenas. O parecer termina com o alerta de que a perfuração dá “salvo-conduto para a incerteza”.
Esses avisos em tons dramáticos não foram suficientes para intimidar os entusiastas do projeto. O ministro de Minas e Energia chama a empreitada de “novo pré-sal”. “É um passaporte para o futuro”, diz. O presidente da Petrobras pondera que a ideia inicial é sondar o potencial. “A partir daí, vamos nos aprofundar ou não sobre a continuidade do projeto”, afirma. A despeito dessa postura prudente, sabe-se que a estatal está preparada para iniciar quase imediatamente a exploração, na hipótese de um sinal verde do Ibama. A descoberta recente de mais de 10 bilhões de barris nas Guianas e no Suriname, ou seja, na vizinhança, aumentou a expectativa. “Do ponto de vista técnico, não há dúvida de que vale a pena explorar”, diz Ricardo Cabral de Azevedo, professor de engenharia de petróleo da USP.
Do ponto de vista político-ambiental, a equação muda completamente. A posição de Marina terá um peso na decisão final do Ibama, segundo pessoas próximas a Prates. Ela já se colocou de forma desfavorável ao projeto, o que incomodou a cúpula da Petrobras. Prates afirma que a companhia se dedica a promover a transição energética, mas lembra o óbvio: o fato de que as “atividades de petróleo e gás continuarão sendo essenciais nos próximos anos”. Mas a resistência não vem só da ministra. Em março, 35 organizações da sociedade civil, movimentos sociais e especialistas pediram a suspensão do licenciamento. Há dois inquéritos no Ministério Público Federal que investigam a violação ao direito de consulta prévia aos povos indígenas e a regularidade do processo, questionando o licenciamento ambiental iniciado em 2014. “Os estudos podem ficar defasados”, diz Daniela Jerez, analista de políticas públicas na WWF-Brasil.
O parecer técnico do Ibama e as críticas não desestimularam a Petrobras. A expectativa é de que o órgão abra prazo para que a empresa preencha todas as lacunas apontadas. “Trata-se de área bastante sensível, com grande biodiversidade, que talvez dificulte qualquer atendimento em caso de emergências”, diz Rodrigo Agostinho, presidente do Ibama. O imbróglio na concessão de licença a um empreendimento desse porte não é novidade. Aconteceu com a usina de Belo Monte (PA), também sob a oposição de Marina. O que se espera é que o processo contemple todos os argumentos — ambientais, sociais e econômicos — e que prevaleçam ao final da disputa os interesses do país.
Publicado em VEJA de 17 de maio de 2023, edição nº 2841