Esquema em SP pode ter fraudado ISS de até 652 prédios
MP estadual apura lista de construções 'fiscalizadas' pelos auditores investigados. E quer cobrar das empresas responsáveis o imposto devido
Até 652 prédios entregues na cidade de São Paulo nos últimos três anos podem constar na lista de construções com impostos fraudados pelo esquema que desviou 500 milhões de reais da prefeitura da capital paulista. As incorporadoras responsáveis por essas construções serão chamadas à prefeitura para a realização de uma nova fiscalização. A lista de imóveis suspeitos contém o nome de centenas de Sociedades de Propósitos Específicos (SPEs), empresas que são constituídas apenas para a realização de um único empreendimento e que ficam vinculadas ao CNPJ das grandes incorporadoras. O trabalho é identificar todas as “empresas-mães” para averiguar os dados e fazer as cobranças devidas. Os responsáveis por elas também podem responder por crime de corrupção.
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O jornal O Estado de S. Paulo teve acesso ao Procedimento Investigatório Criminal (PIC) 3/13, do Grupo Especial de Delitos Econômicos do MPE, que contém a relação de todos os empreendimentos. A lista com os imóveis irregulares foi elaborada com base no cruzamentos de dados.
Primeiro, os promotores do caso identificaram todos os prédios que foram fiscalizados pelos auditores Ronilson Bezerra Rodrigues, Eduardo Horle Barcellos, Carlos di Lallo Leite do Amaral e Luis Alexandre Cardoso Magalhães – os quatro fiscais presos na semana passada. Magalhães foi liberado porque aceitou fazer um acordo de delação premiada com o MPE.
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Como essa relação de imóveis era “infinita” e havia notícia de que o grupo tinha uma preferência por imóveis luxuosos, foi criado um “filtro” para manter na lista suspeita apenas os imóveis cujo imposto devido superasse 2 milhões de reais. Depois, um novo filtro deixou na lista apenas os imóveis que tiveram desconto de imposto sobre serviço (ISS) superior a 60% do valor devido – era para aplicar esse porcentual que os ficais cobravam propina, segundo a investigação.
Citações – Além dos empreendimentos colocados sob suspeita com base na análise eletrônica, a investigação também contou com depoimentos de empresários do setor colhidos antes da prisão dos quatro fiscais. Foram chamados empresários identificados em uma lista aleatória. Os promotores fizeram uma pesquisa na internet sobre os grandes lançamentos imobiliários, confirmaram que eles tinham obtido grande desconto de ISS e convocaram seus representantes para saber a razão do porcentual aplicado.
Os empreendimentos eram das empresas Sisan, R Yazbec, FCB Construções, Ilha de Capri (controlado pela Agra), Onoda, Marpasa, Brascan (comprada pela Brookfeld) e Kalapalo (SPE da PDG). Nos depoimentos, nenhum executivo confirmou ter feito pagamento de propina para o grupo de fiscais. R Yazbec, Onoda e Marpasa não foram localizadas. A Sisan afirmou ao Estado não saber de propina. A PDG disse que não é investigada. O promotor Roberto Bodini afirma que todas as empresas tiveram a chance de colaborar com as investigações – como fez a Brookfield na semana passada. As demais serão investigadas.
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Há notícias que têm de ser dadas. Mas é igualmente necessário pensar a respeito. Vamos ver. O auditor fiscal Ronilson Bezerra Rodrigues, preso sob acusação de integrar o esquema que fraudava a cobrança de ISS da Prefeitura de São Paulo, afirma em conversa gravada que o ex-prefeito Gilberto Kassab (PSD) e o ex-secretário de Finanças Mauro Ricardo Costa “tinham ciência de tudo”. A gravação foi feita com autorização da Justiça, integra a investigação, mas já está na praça, como costuma acontecer nesses casos.
Vamos ver. A conversa ocorreu a 18 de setembro deste ano, no mesmo dia em que ele fora chamado pela Controladoria-Geral do Município para prestar informações sobre o seu patrimônio, considerado incompatível com o seu rendimento. A sua interlocutora era Paula Sayuri Nagamati, sua amiga e chefe de gabinete da secretaria de Finanças na gestão anterior. Ele afirmou literalmente:”Tinham que chamar o secretário e o prefeito também, você não acha? Chama o secretário e o prefeito com quem eu trabalhei. Eles tinham ciência de tudo”. Rodrigues não é bobo. Sabia que seu telefone deveria estar grampeado, pela simples e óbvia razão de que essa é praticamente a única forma de investigação que há no Brasil. Assim, a sua fala pode ter sido talhada a termo para comprometer terceiros ou, ao jogar a coisa para escalões superiores, tentar provocar um susto e esfriar o ânimo investigatório.
(Com Estadão Conteúdo)