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‘Em três dias, perdi meu pai e meu marido para a Covid-19’

O pesadelo vivido por Silmara Lizidatti, que também teve sintomas da doença, mas nunca fez testes

Por Roberta Paduan Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 6 abr 2020, 14h44 - Publicado em 6 abr 2020, 13h39

Em três dias, a educadora aposentada Silmara Lizidatti, de 53 anos, perdeu o marido e o pai para a Covid-19. Ela própria provavelmente contraiu a doença – acabou diagnosticada com pneumonia, mas nunca foi submetida ao teste do novo coronavírus. Seu pai, Sylvio Lizidatti, tinha idade avançada, 86 anos, e lidava há anos com problemas crônicos nos pulmões. O idoso vivia em uma suíte no quintal da casa da filha e do genro em São Caetano do Sul, no ABC paulista. O marido de Silmara, o empresário Raul Marcos Rosolini, de 55 anos, não tinha doenças. “Ele costumava dizer que nem gripe pegava”, lembra a esposa, que afirma que ele trabalhava como um menino em sua empresa de tecnologia da informação. Rosolini também adorava passear com sua Harley Davidson, moto com a qual o casal fazia viagens curtas nos finais de semana.

A primeira a sentir os sintomas do que parecia uma gripe banal foi Silmara, em 8 de março. Começava ali a cronologia do pesadelo da família Lizidatti Rosolini. Dois dias depois, o pai reclamou que estava ficando gripado. Mais um dia e o esposo, Rosolini, começou a se sentir mal e chegou a 38,7 graus de febre, o que levou o casal a procurar um hospital particular em Santo André, também no ABC. Isso foi em 11 de março, uma quarta-feira. Silmara foi medicada com antibiótico para infecção na garganta e Raul apenas com dipirona. Seu caso, segundo os médicos, era uma clássica gripe. Na sexta-feira 13, Sylvio, o pai de Silmara, queixou-se de falta de ar e a filha o levou ao hospital onde já se tratava da doença pulmonar. Lá, foi diagnosticado também com gripe, fez três inalações e voltou para casa. Os três ficaram de molho no final de semana.

Silmara e Raul chegaram a ir à festinha de uma das duas netinhas, no sábado 14. No domingo, Rosolini disse que já estava se sentindo melhor. Na segunda-feira, porém, ele acordou com dores insuportáveis no corpo, e o casal voltou ao hospital. A verificação dos sinais vitais de Rosolini mostrou que seu nível de oxigenação estava baixo, apesar de ele não sentir falta de ar, o que soou como sinal de alerta para a equipe. Um raio-x mostrou manchas em seu pulmão e a tomografia denunciou que havia sinais compatíveis com infecção pelo novo coronavírus.

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Rosolini foi internado em 16 de março com suspeita de Covid-19. Chegou a dizer para a esposa que tinha de melhorar rápido, porque tinha muito trabalho acumulado. No mesmo dia, Silmara foi submetida a um raio-x e diagnosticada com pneumonia. Os médicos aumentaram a dose de seu antibiótico, mas não a submeteram ao exame. Só pacientes graves faziam o teste, informaram os funcionários do hospital. Seu pai piorou no dia seguinte e também foi internado, o que só ocorreu depois que a filha relatou aos médicos que seu marido estava no hospital com suspeita da doença. Foi a última vez que Silmara viu o pai. Após a internação, as visitas foram proibidas por causa do isolamento.

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No mesmo dia em que internou o pai, Silmara visitou o marido, que estava na UTI, mas ainda conversava e pretendia ter alta logo. Na saída do quarto, foi avisada que não poderia mais voltar para visitas. O hospital passaria a dar informações sobre o marido por telefone. Só então ela foi orientada a ficar em isolamento, pois provavelmente também estava infectada. “Dia 17 de março foi a última vez que vi meu pai e meu marido”, lamenta.

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O pai de Silmara faleceu em 22 de março e o marido no dia 25. A situação de Rosolini se deteriorou rapidamente. Foi entubado três dias após a internação, quando não sentia nem falta ar. Em seu atestado de óbito, a constatação foi de Covid-19. O pai de Silmara recebeu o teste negativo para o vírus e faleceu antes de receber a contraprova. Os médicos, no entanto, afirmaram que o quadro era característico da doença, e seu funeral seguiu o protocolo de coronavírus, com caixão lacrado, sem necropsia. “Ainda não consigo acreditar que isso tudo aconteceu. De uma hora para a outra, fiquei sozinha em casa”, diz Silmara, que tem contado com a presença constante dos dois filhos do casal – Milene, de 29 anos, e Henry, de 32, ambos casados.

O pesadelo da família Lizidatti Rosolini revela o total despreparo do sistema de saúde para lidar com o novo coronavírus até, pelo menos, duas semanas atrás, período em que o vírus seguiu se espalhando sem controle pelo país. Silmara, que foi a primeira pessoa da família a sentir os sintomas da doença, não foi tratada como suspeita, nem fez o teste, nem mesmo depois de o marido e o pai falecerem. Mesmo depois de procurar atendimento médico, continuou convivendo com a família, inclusive com o pai, que pertencia ao grupo de risco mais elevado, tanto pela idade, quanto pela doença pulmonar.

Na primeira ida ao hospital, o casal não foi tratado como suspeito de ter a doença por não pertencer a um grupo de risco. Os dois chegaram a ir a uma festa infantil. O pai, de 86 anos, por sua vez, também não foi tratado como suspeito na primeira ida ao pronto-socorro por já ter doença pulmonar — os médicos deduziram que fosse apenas mais um crise de sua condição crônica. Os sintomas também foram menosprezados pelas equipes médicas. Até a internação do marido, a família não cogitava a doença. “Ele só teve febre por um dia. Não tinha tosse, coriza nem falta de ar. Só reclamou de dor no corpo e um pouco de diarreia. Ninguém falava desse tipo de sintoma na época. A ficha só caiu quando ele foi internado. Foi um pesadelo. Acho que ainda não acordei”.

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