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Elaine Neves enfrentou o parto da filha durante o apagão no Amapá

"Me desesperei no breu", conta; tudo foi feito à luz de celulares

Por Thais Gesteira
Atualizado em 4 jun 2024, 14h12 - Publicado em 27 nov 2020, 06h00

Estava tudo certo para o nascimento da minha filha, Sarah Beatriz, na quarta-feira 4 de novembro. A expectativa era enorme e tínhamos a casa preparada fazia mais de um mês para recebê-la. Naquela madrugada, houve uma tempestade de raios e faltou luz. Não me preocupei, achei que ia voltar logo. Mal sabia que era o começo de um apagão que duraria vinte dias. Ao amanhecer, fui para a maternidade, onde faria o parto por cesariana, porque a gravidez era de risco. Cheguei às 7 horas e o hospital funcionava com a energia de um gerador. Como ninguém sabia a dimensão do problema, demos entrada normalmente na minha internação. Devido aos protocolos de prevenção do novo coronavírus, meu marido não pôde ficar como acompanhante. Ele voltou para casa e me vi sozinha, aguardando a hora da minha filha nascer, tomada de ansiedade e emoção.

No começo da tarde, entrei no centro cirúrgico. Me preparava para a anestesia quando o gerador falhou. Todo mundo ainda pensava que a falha na energia se resolveria logo e adiaram o parto para a noite. Mas assim que retornei à sala de cirurgia, já sob o efeito da anestesia, acabou o combustível do gerador e, novamente, ficamos no breu. A médica mandou buscar lâmpadas de emergência enquanto a equipe, muito agitada, acendia as lanternas dos celulares. Aí começou meu martírio. Com o ar-condicionado inoperante e o calor dominando a sala, o bisturi abriu o primeiro corte na minha barriga e eu senti nitidamente a dor. Gritei. Esperaram mais alguns minutos, depois me sedaram, mas nada adiantou. Talvez pelo nervoso extremo, a anestesia não fez efeito e senti cada minuto da operação. O gerador voltou à ativa quase uma hora depois, quando já estavam na etapa final da sutura, que foi feita à moda antiga: os pontos dados um a um, sem cauterização, já que o aparelho para isso só funcionaria com energia.

A enfermeira contou que me mostrou a Sarah logo depois do nascimento, mas eu não me lembro. No meio daquela escuridão, me desesperei e tive muito medo de morrer. Só conseguia pedir a Deus para não me levar. O meu parto era para ter sido maravilhoso, repleto de lembranças alegres, mas são poucos os momentos positivos na minha memória. O que ficou de mais forte mesmo foi o pavor de perder a vida tão cedo e ainda acontecer algo com minha filha. Naquele dia, um recém-nascido havia falecido no hospital e, depois, foi a vez da mãe. A notícia me deixou completamente abalada. Eu só chorava. Enquanto estive internada, o celular ficou sem bateria e as tomadas não funcionavam. Consegui falar com minha família apenas quando uma senhora me emprestou o dela.

Apesar do que passei, não culpo a equipe médica, mas lamento a negligência dos políticos que deixaram a situação chegar a esse ponto. Os médicos, ao contrário, foram verdadeiros heróis. Fizeram de tudo para que o parto fosse o mais rápido e o menos doloroso possível. Me diziam o tempo inteiro que daria tudo certo, e deu. Na escuridão, à luz de lanternas, eles conseguiram tirar minha filha com vida. Se não fosse por essas pessoas generosas e preparadas que cuidaram de mim, o final da história poderia ter sido bem diferente. A Sarah não foi planejada. Descobrimos a gravidez pouco antes da pandemia e, desde o início, a gestação foi bastante conturbada. Passei muito mal nos primeiros meses e acabei contraindo diabetes gestacional, o que fez com que ela crescesse muito — Sarah nasceu com mais de 4 quilos e 51 centímetros. Apesar de todos os sustos, foi sempre muito desejada e esperada. Quando enfim consegui ver sua carinha pela primeira vez, passado o efeito da sedação e em local bem iluminado, peguei na mão dela e disse: “Vencemos, filha”.

Elaine Neves em depoimento dado a Thaís Gesteira

Publicado em VEJA de 2 de dezembro de 2020, edição nº 2715

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