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Doria e Leite buscam dissidências em estados dominados por adversários

O esforço pode ser decisivo nas prévias do PSDB, previstas para ocorrer no próximo dia 21

Por Bruno Ribeiro, João Pedroso de Campos Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 13 nov 2021, 08h00

Enquanto está no ar, viajando em um jato fretado de São Paulo para Fortaleza, em meio à campanha das prévias presidenciais do PSDB, o governador João Doria recebe um briefing sobre pontos que precisa abordar no discurso que irá proferir dali a algumas horas e estuda uma lista com todos os filiados com cargos públicos do Ceará. Metódico e disciplinado, ele ouve mais do que fala. Conhecer esses nomes e converter esses votos são os motivos da viagem de quem vem trabalhando arduamente para chegar à presidência da República. Terminados os despachos, depois de estudar cada detalhe de forma obsessiva, faz um rápido descanso em meio à batalha para transformar seu sonho em realidade, uma luta que tem hoje como seu principal oponente Eduardo Leite (Arthur Virgílio também está na disputa, mas é considerado azarão).

Em sua sexta ida desde o início da campanha ao Nordeste, realizada entre os dias 5 e 6, Doria colheu apoios políticos importantes em territórios simpáticos ao governador gaúcho. Os bons resultados não chegam a surpreender. Afinal de contas, sua agenda é incessante e ele sabe o que dizer. Nessa viagem, Doria abriu os trabalhos com uma entrevista coletiva em Fortaleza, enfatizando a bem-sucedida luta pela vacinação, a recuperação econômica paulista, que corre em ritmo muito superior à do país, as privatizações e os grandes investimentos em infraestrutura em curso no estado. Depois de atender a imprensa, o governador ofereceu um jantar para cerca de 100 filiados ao partido e ainda participou de um segundo jantar, oferecido por Emilia Buarque, em sua cobertura em Mucuripe, com outras cinquenta pessoas. Antes de embarcar para Salvador, ele dormiu menos de quatro horas — uma rotina comum na sua vida. Lá, fez uma caminhada, visitando o Santuário da Santa Dulce dos Pobres, para depois oferecer um almoço, com feijoada e sem bebida alcoólica, para cerca de 200 pessoas — nem todas filiadas. O tempo todo, enquanto o acompanha, sua equipe está com celular, papel e caneta na mão, contabilizando votos. É assim que precisam fazer na equipe do “João Trabalhador”.

OFENSIVA - Eduardo Leite em São João da Boa Vista (SP): apoios de aliados de Alckmin e Aécio Neves -
OFENSIVA - Eduardo Leite em São João da Boa Vista (SP): apoios de aliados de Alckmin e Aécio Neves – (Egberto Nogueira/Ímãfotogaleria/VEJA)

No mesmo fim de semana em que Doria estava no Nordeste, Eduardo Leite cumpria agenda de campanha com objetivos semelhantes, no interior de São Paulo, território do adversário. No início da tarde do sábado 6, chegava a São João da Boa Vista após um evento de campanha em São José do Rio Preto — mais cedo, ele desembarcara na capital paulista vindo da COP26, em Glasgow. Na cidade, de cerca de 90 000 habitantes, almoçou tranquilamente na choperia Tekinfin ao lado de convivas como o prefeito de Santo André, Paulo Serra, o ex-secretário-geral do PSDB Silvio Torres e o então secretário de Habitação da prefeitura paulistana, Orlando Faria, um dos nomes mais próximos ao ex-prefeito de São Paulo Bruno Covas, morto em maio.

Dali, Leite embarcou na van da campanha e seguiu ao salão de eventos da Sociedade Esportiva Sanjoanense, devidamente ornamentado com balões azuis e amarelos e faixas de apoio. O político gaúcho era aguardado por pouco mais de cem pessoas. Não faltaram cenas típicas de campanha, como a interação de Leite com uma criança e selfies. Com quatro prefeitos, dois vices e trinta vereadores, a região é entendida como mais relevante eleitoralmente do que alguns estados. Nos 25 minutos de seu discurso, o governador manteve a tônica de se mostrar o nome mais viável para pacificar o PSDB e sentar à mesa com os demais partidos de centro. Também fez acenos às raízes social-democratas do partido e citou nomes da velha guarda do tucanato paulista, como os ex-governadores Mário Covas e Geraldo Alckmin — chegou a imitar os trejeitos de Alckmin em uma passagem bem-humorada de sua fala. Algumas selfies depois, seguiu para o acanhado aeródromo da cidade e partiu a bordo de um táxi aéreo.

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OPOSTOS - Yeda e Tasso: a ex-governadora gaúcha apoia Doria, enquanto o senador cearense aposta em Leite -
OPOSTOS – Yeda e Tasso: a ex-governadora gaúcha apoia Doria, enquanto o senador cearense aposta em Leite – (Alexssandro Loyola/PSDB/Jefferson Rudy/Ag. Senado)

O esforço de usar a reta final da campanha no campo do adversário pode ser decisivo nas prévias, previstas para ocorrer no próximo dia 21. Diferentemente das primárias que escolhem os candidatos democrata e republicano nos Estados Unidos, nas quais os delegados nacionais votam respeitando os resultados em seus estados, no PSDB os eleitores de cada unidade da federação não precisam seguir a recomendação de seus diretórios. Por isso, o caminho é abrir o maior número possível de fendas nas fortalezas rivais. Doria obteve apoiadores relevantes em estados cuja cúpula tucana está fechada com Leite, como Minas Gerais. No reduto de seu desafeto Aécio Neves, o paulista conseguiu o aval do deputado federal Domingos Sávio e comemorou o resultado de um recente levantamento do Paraná Pesquisas mostrando que, em simulações para a corrida ao Palácio do Planalto em 2022, tem quase quatro vezes mais intenções de votos no estado do que Leite (ambos, no entanto, aparecem muito distantes dos favoritos Lula e Bolsonaro). Em Mato Grosso do Sul, outro campo hostil, conquistou o deputado federal Beto Pereira, que é o secretário-geral nacional do partido. “Pode existir maioria para Leite no estado, mas não existe unanimidade”, diz Pereira. Nas andanças pelo país, Doria é precedido por Wilson Pedroso, que também chefiou, desde as prévias, as suas campanhas para a Prefeitura de São Paulo e o governo do estado. Wilsinho, como é mais conhecido, pega o mapa da presença dos tucanos em cada estado e envia emissários para falar com prefeitos, vereadores e deputados estaduais. Não raro, esses cabos eleitorais fazem telefonemas ou chamadas de vídeo entre o Doria e esses eleitores qualificados.

Na passagem recente pelo Ceará, o paulista tinha como grande barreira o fato de o cacique local Tasso Jereissati haver declarado voto em Leite, mas a aproximação com Tasso, considerado um aliado de Ciro no estado, fez com que os dois deputados estaduais do partido e o único federal, Danilo Forte, fossem para o lado de Doria, levando quatro prefeitos, cinco vices e dois vereadores. Já em Salvador, a abordagem não conseguiu furar a barreira criada por ACM Neto, político do DEM cuja influência chega até o ninho tucano. Mesmo com o ex-prefeito de Salvador Antônio Imbassahy (PSDB) ao lado de Doria, a viagem só rendeu o apoio de um dos quatro deputados estaduais da legenda. O presidente estadual, Adolfo Viana, foi aos eventos e trocou afagos, mas a expectativa de figurar na chapa de ACM ao governo baiano como vice ainda afasta a chance de mudar o voto.

arte PSDB

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Pelos lados de Leite, a colheita de apoios no quintal paulista também tem rendido frutos, sobretudo entre aliados de Geraldo Alckmin, desafeto de Doria, que está de saída do PSDB. Trata-se, portanto, de uma situação pouco comum num pleito como esse. Filiados de uma legenda, o PSDB, estão seguindo a orientação de alguém — Alckmin — que está de malas prontas reforçar uma outra agremiação, provavelmente o PSD. “Os apoiadores de Eduardo em São Paulo têm uma relação de muito respeito pelas pessoas que ajudaram a construir a história do PSDB no estado, como Alckmin”, defende o prefeito de Santo André, Paulo Serra, coordenador da campanha de Leite. Além dele, estão entre os aliados do gaúcho o mandatário de São José dos Campos, Felício Ramuth, pelo menos um deputado federal, dois ex-presidentes do PSDB no estado, um dos atuais vice-presidentes e secretários da prefeitura paulistana. Com essa turma, o objetivo de Leite é obter votos de 10% a 15% dos prefeitos paulistas e 20% a 30% dos votos no estado (um desafio considerável). Como troco, Doria deve fechar a campanha em Porto Alegre, à caça de votos desgarrados de Leite — por lá, o paulista já recebeu o importante apoio da ex-governadora Yeda Crusius.

Primeiras prévias no país com efetiva disputa entre os candidatos, o processo que escolherá o presidenciável tucano é visto internamente como um trunfo para oxigenar um partido abatido pela derrota acachapante de Alckmin em 2018. “Filho das prévias”, como costuma dizer, Doria defende a disputa como movimento de “salvação” do partido, com o qual seria possível garantir que o PSDB renasça como legenda nacional, com pautas próprias e independência, ante um PSDB que se assemelha hoje às legendas do Centrão, personificado na figura de Aécio Neves, líder da bancada tucana alinhada com o bolsonarismo (leia a matéria na pág. 44). Se vencer, o paulista buscará a reconciliação com Leite, mas fechará as portas para Aécio.

Apesar do discurso dos candidatos de buscar a união, no entanto, aliados do gaúcho preveem uma “implosão” do partido em caso de vitória de Doria. A sigla já excluiu da votação 92 prefeitos e vice-prefeitos paulistas filiados após o prazo no estado, diante de denúncia de diretórios aliados de Leite. Denúncia semelhante feita por aliados de Doria tirou do páreo 34 filiados do outro lado. O presidente do diretório estadual paulista, Marco Vinholi, afirma que os prefeitos ainda poderão recorrer à Justiça para garantir o direito à votação. “Espero que o PSDB saia unido desse processo, desde que, é claro, as regras sejam respeitadas”, diz Leite. A dificuldade de pacificar o partido após essa disputa será um desafio a mais em meio à difícil caminhada para viabilizar e liderar a terceira via em 2022. Para a sorte dos tucanos, ainda falta muito até a eleição realmente esquentar.

Publicado em VEJA de 17 de novembro de 2021, edição nº 2764

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