Dinheiro das multas serve até para bancar café na CET
Ao contrário do que manda a lei, prefeitura está usando a verba das multas para custear as operações da CET – do seguro do prédio ao cafezinho
No lugar de destinar os recursos das multas de trânsito de São Paulo para bancar serviços de engenharia de tráfego, como manda a lei, a Prefeitura de São Paulo está usando a verba para custear todas as operações da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) – do seguro de prédios ao cafezinho do pessoal. Sem transferência de recursos do Tesouro municipal, a companhia está “sucateada”, como admite a própria prefeitura, e até pede doações de mobília de escritório para os servidores. A CET arrecadou só em 2012 quase 800 milhões de reais em multas na cidade de São Paulo – e um levantamento feito com base em dados obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação mostra o que foi feito com esse dinheiro.
O dinheiro das multas, por lei, vai para o Fundo Municipal para Desenvolvimento do Trânsito (FMDT), uma conta criada em 2010 para custear quatro atividades: sinalização viária, engenharia de tráfego e de campo, policiamento e fiscalização e educação de trânsito. Entretanto, ao acompanhar os gastos desse dinheiro, foi possível notar que 67,5% dos recursos do fundo foram transferidos diretamente para a CET. Esses recursos, por sua vez, correspondem a 86% de todo o dinheiro que a companhia tem para trabalhar – o que inclui combustível e peças para os veículos, manutenção de elevadores e pagamento dos vigilantes dos prédios da companhia. Os outros 14% vêm de outros serviços que a CET promove, como venda de talões de zona azul, além de apoio para grandes eventos, que exigem intervenções viárias.
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Ou seja: a CET não tem ajuda direta da prefeitura. Ela é contratada para exercer a atividade de engenharia de tráfego. É paga com o dinheiro das multas e usa esse recurso para bancar toda a sua operação. A companhia confirmou, por meio de nota, que não recebe recursos diretos da prefeitura, e diz que o dinheiro do FMDT vem para a empresa pela prestação de serviços de engenharia que a CET faz para o poder público municipal. Graças a esse modelo de gestão, os recursos das multas vão para todas as atividades da CET.
“Temos um contrato de prestação de serviço com a Secretaria Municipal de Transportes que remunera os serviços prestados pela CET”, diz o texto. Essa remuneração chega por meio de cinco dotações do Orçamento da Prefeitura, carimbados como serviços de sinalização de vias, serviços de engenharia de tráfego e implementação de um programa de racionamento de energia, com troca de lâmpadas incandescentes nos semáforos por lâmpadas de LED.
Segundo o jornal O Estado de São Paulo, foram firmados 204 contratos pela companhia, entre licença para uso de softwares, operação de radares, roupas para agentes e manutenção de veículos, elevadores e do ar-condicionado. Mas o dinheiro das multas pagou também 116 000 reais em café (quase 32 toneladas), 55 000 reais em açúcar (19 toneladas) e recurso suficiente para comprar 2,5 milhões de copinhos, para citar alguns exemplos. Grande parte dos contratos ainda está em execução.
A nota da companhia diz também que os gastos dos contratos levantados pela reportagem, como do cafezinho, por exemplo, devem levar em consideração o tratamento do público externo. “Por exemplo, há uma parte direcionada aos alunos que fazem cursos no Centro de Treinamento e Educação de Trânsito”, um complexo de educação que, segundo a companhia, forma 40.000 alunos por ano.
Improbidade – O jurista e professor de Direito Público Adilson Dallari diz que o uso da verba carimbada do FMDT para custear todas as operações da CET não é a forma correta de atuar. “Se você tem uma atividade fim, como engenharia, e precisa de uma atividade meio, como uma foto aérea, cópia de projetos, ligados a essa atividade fim, tudo bem. Mas não a manutenção geral da entidade. Aí está realmente fora dos quadros”, afirma.
O professor não descarta que o caso possa configurar um crime de improbidade administrativa – quando um gestor público, deliberadamente, faz mau uso do dinheiro dos cofres público. “O Ministério Público Estadual pode entender, como às vezes entende, que basta o desvio para ter improbidade”, diz o professor. “Mas eles não levam muito em consideração o elemento subjetivo (a intenção de errar). A improbidade não é apenas o erro (do destino dos recursos). É o erro intencional”, afirma Dallari.
(Com Estadão Conteúdo)