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Delação: PCC teria pago propina a agente do governo de SP

Desde 2008, autoridades ligadas ao governo de São Paulo são acusadas de receber propina para liberar presos. Investigações foram abafadas

Por Eduardo Gonçalves Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 2 set 2018, 08h44

A Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) dos governos José Serra e Geraldo Alckmin teria abafado por pelo menos dez anos uma investigação sobre um esquema irregular de concessão de benefícios penais a lideranças presas do Primeiro Comando da Capital (PCC). O esquema envolveria o pagamento, entre 2006 e 2008, de 50 000 reais ao então coordenador dos presídios da Região Oeste, José Reinaldo da Silva, por cada criminoso favorecido. Silva teria beneficiado pelo menos cinco líderes da facção com pareceres favoráveis a transferências para presídios menos rígidos e progressão do regime fechado ao semiaberto. Na época, ele era subordinado a Antônio Ferreira Pinto, ex-homem forte da área de segurança dos governos tucanos – foi secretário da Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) entre 2006 e 2009 (governo de José Serra) e secretário da Segurança Pública entre 2009 e 2012 (governo de Geraldo Alckmin).

A primeira vez que alguém falou formalmente ao Ministério Público sobre a existência de um esquema para favorecer líderes do PCC foi em 2013, mas a relação heterodoxa entre Silva e a facção já era de conhecimento da SAP desde 2008. No dia 30 de agosto de 2013, o detento Orlando Motta Júnior, conhecido como Macarrão — então uma das principais lideranças do PCC ao lado de Marcos Herbas Camacho, o Marcola — sentou-se diante de representantes do Ministério Público Estadual de São Paulo disposto a contar tudo o que sabia. Sua delação teve como consequência a maior denúncia apresentada pelo MP até agora contra a facção. Além de citar 175 criminosos, o depoimento de Macarrão frustrou um ambicioso plano de fuga que vinha sendo arquitetado pelo PCC para tirar Marcola da prisão. Outras informações valiosas, no entanto, foram desperdiçadas, como a que dizia que, para conseguir benefícios na execução penal dos criminosos e sua transferência para presídios com segurança menos rígida, o PCC subornava dirigentes da SAP do governo de São Paulo.

Citado como beneficiário do pagamento, José Reinaldo da Silva, na qualidade de coordenador das unidades penitenciárias da Região Oeste era o responsável por gerenciar os presídios onde está encarcerada a cúpula do PCC. A intermediação entre o PCC e o órgão chefiado por Silva, afirmou Macarrão, era feita pela advogada Maria Odete Haddad, que já trabalhou na defesa Marcola. Todo esse trecho envolvendo o PCC e autoridades da SAP ficou de fora das investigações que se seguiram.

Um ano depois, porém, o mesmo esquema foi relatado ao MP pelo delegado Ruy Ferraz Fontes. Atual diretor do Denarc (delegacia de Narcóticos do Estado de São Paulo), ele afirmou em um depoimento prestado no dia 20 de agosto de 2014 ter ficado sabendo, por meio de uma advogada ligada ao PCC, que a facção pagava propinas a autoridades do sistema penitenciário para favorecer membros da cúpula. Trechos desse documento constam do livro A Guerra, recém-lançado pela editora Todavia e escrito por Bruno Paes Manso e Camila Nunes Dias. Ao informar o caso a dirigentes da SAP, Fontes diz que passou a ser retaliado pelo então secretário Ferreira Pinto, que o afastou da delegacia de Roubo a Bancos do Deic, a elite da Polícia Civil, e o colocou em delegacias da periferia. Fontes também foi alvo de um processo administrativo, acusado de fazer investigações paralelas de assaltos a agências bancárias que estavam fora da jurisdição de sua delegacia. Este processo posteriormente seria arquivado, mas na época que veio à tona custou seu emprego de professor em uma universidade particular. Segundo seus relatos aos investigadores, as investidas foram uma vingança de Ferreira Pinto pelo fato de ele ter relatado o esquema de propinas do PCC à SAP e por ter feito operações contra venda de drogas dentro dos presídios.

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“Ele [Fontes] passou a notar certa hostilidade por parte de dirigentes da SAP, notadamente do secretário Antônio Ferreira Pinto (…). Acredita que por ter revelado irregularidades à Secretaria (transferência ilegal de presos e introdução ilegal de cocaína nos presídios) tornou-se alvo de perseguição”, anotou o promotor José Carlos Blat, em relatório.

Ferreira Pinto, cuja trajetória na administração pública foi marcada pela caçada a policiais civis corruptos, afirmou a VEJA que o delegado Fontes é um “desafeto pessoal” e negou que tenha sido “omisso” ou protegido “quem quer que seja, principalmente bandido”. “Na minha carreira, o que eu mais fiz foi intervir nas coisas erradas. Eu jamais receberia informações que têm fundamento, e não são só rumores, e não as levaria adiante”, disse o secretário.

Sobre o seu subordinado, o suposto beneficiário da propina, Pinto disse que ele foi retirado do cargo por “uma série de questões administrativas”. De fato, no mesmo período em que a denúncia chegou ao delegado Fontes, Silva foi transferido de posto. Só que a mudança não foi uma punição e, sim, uma espécie de promoção. O suspeito de receber propinas do PCC assumiu o controle das penitenciárias da Região Central, que recebem a maior fatia do orçamento da secretaria. Silva ficou no cargo até 2011, quando foi exonerado após a descoberta de fraudes em licitações sob sua responsabilidade. Hoje, trabalha como agente penitenciário especial na penitenciária de Itirapina (SP), onde recebe um salário de 13 000 reais.

Ferreira Pinto e o então governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (Agência Brasil/.)

No depoimento dado em 2014, o delegado Fontes descreve como funcionava o esquema de propinas na SAP citando o exemplo do preso Eduardo Lapa dos Santos. Mesmo sendo apontado como braço direito de Marcos Herbas Camacho e condenado por crimes graves como roubo e sequestro (este hediondo), Lapa conseguiu ganhar na Justiça, em 2009, a progressão para o regime semiaberto, que lhe dava direito a saídas temporárias. O benefício só pode ser concedido por um juiz, que toma a decisão com base em relatórios sobre o comportamento do preso elaborados pela direção do presídio. Ocorre que a documentação da SAP informava ao juiz que Lapa havia sido um preso exemplar de 2001 a 2009, desconsiderando, por exemplo, o fato de ele ter cometido faltas graves no período (entre elas, incitar tumulto e outra por porte ilegal de celular), num caso de fraude ou incompetência. “Tal informação levou o juiz a erro “, disse o delegado ao Ministério Público.

Em janeiro de 2009, o secretário Ferreira Pinto recebeu um ofício do novo coordenador de presídios, Roberto Medina, relatando sua estranheza pelo fato de Lapa ter conseguido a transferência, mesmo sendo líder do PCC. Novamente, nenhuma medida foi tomada. Em dezembro daquele ano, Lapa conseguiu o direito da “saidinha temporária” de fim de ano, prevista no semiaberto. E fugiu da cadeia.

Desde 2008, alguns indícios da existência do esquema já eram de conhecimento da cúpula da SAP. Naquele ano, José Reinaldo da Silva foi alvo de um procedimento administrativo com base na acusação de um preso chamado Claudionor Bispo de Souza, que trabalhou por quatro anos como faxineiro e copeiro na coordenadoria. Segundo ele, a “advogada de Marcola” (Maria Odete Haddad) mantinha “conversas constantes” com Silva, a quem presenteava com cestas de chocolate. No processo, o detento reproduz uma conversa em que a advogada dizia a um assessor de Silva: “Se você mandar estes dois presos para onde eu pedir, você sabe que não irá perder comigo, pois eu sempre chego com você”. O procedimento administrativo contra Silva foi arquivado.

Já os depoimentos de Fontes e o de Macarrão, por envolverem um secretário do governo, seguiram para a Procuradoria-Geral de Justiça (PGJ), então chefiada por Márcio Elias Rosa. A PGJ decidiu pelo arquivamento da acusação de perseguição envolvendo Ferreira Pinto. As acusações contra José Reinaldo da Silva foram remetidas novamente à promotoria de primeira instância – onde estão tramitando ainda sem nenhuma conclusão. Procurado por VEJA, Márcio Elias Rosa, hoje integrante do governo Alckmin como secretário de Justiça, preferiu não se manifestar. O delegado Fontes também não quis se pronunciar sobre o depoimento que prestou ao MP e sobre a briga com Ferreira Pinto. Procurado por meio de sua advogada, José Reinaldo da Silva não respondeu ao contato feito por VEJA.

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