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Advogado de infratores ambientais vira dirigente do Ibama

Nova leva de nomeados incluiu até um madeireiro, dispensado depois de o caso vir à tona

Por Eduardo Gonçalves Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 6 set 2019, 10h36 - Publicado em 6 set 2019, 06h30

O ministro Ricardo Salles assumiu a pasta do Meio Ambiente com a missão de “fazer uma limpa no Ibama”. A pretendida depuração, porém, trouxe mais sujeira para dentro da casa. No fim de fevereiro, em uma canetada, Salles demitiu 21 dos 27 superintendentes do órgão. A dança das cadeiras nessas posições no início dos governos costuma ocorrer, mas nunca havia acontecido uma mudança tão grande e em tão pouco tempo. O ritmo de substituições, no entanto, segue na direção inversa. A lentidão preocupa, uma vez que o país enfrenta problemas sérios nessa área provocados em grande parte pelas deficiências de fiscalização (ou afrouxamento proposital, segundo os críticos), como o que se dá com as queimadas na Região Norte.

Até o último dia 5, quinze superintendências do Ibama continuavam sem um responsável. Para piorar, alguns escolhidos para as poucas vagas preenchidas nunca haviam atuado de forma relevante no setor. Nos casos mais graves, a atividade é justamente o problema. Um dos nomeados por Salles é dono de uma madeireira que está com pendências na Receita Federal. Outro trabalhava até pouco tempo atrás defendendo empresas acusadas de crimes ambientais. Assim, a “limpa no Ibama” corre o risco de virar a política de pôr a raposa para tomar conta do galinheiro.

No dia 13 de agosto, o Diário Oficial chancelou o advogado Lucas Dantas de Souza, de 32 anos, como superintendente do Ibama em Santa Catarina. Os servidores do órgão que estavam acostumados a enfrentá-lo nos tribunais agora vão conviver com ele na posição de chefe. Souza atua como advogado de empreendimentos imobiliários e de condomínios residenciais que levantaram obras em áreas irregulares à beira de faixas de praias, lagoas e manguezais. O processo mais rumoroso envolve os beach clubs da badalada Praia de Jurerê Internacional, em Florianópolis. Os superbares, que ficaram famosos pelas festas de arromba com a presença de milionários e celebridades, tornaram-se alvo de uma longa disputa judicial. O imbróglio arrasta-se nos tribunais desde 2002. De um lado, a Associação dos Moradores do Jurerê, o Ministério Público Federal e o Ibama. Do outro, a dona do terreno e os locatários que mantinham cinco beach clubs em uma região de dunas e restingas. A acusação pedia a derrubada total das estruturas por danos ao meio ambiente, enquanto os empresários alegavam que tinham licença para operar.

No fim de 2017, em uma decisão de segunda instância, a Justiça optou pelo meio-termo. Apenas algumas estruturas deveriam ser demolidas, aquelas que invadiam a praia. A medida ainda não foi cumprida, em razão de recursos que tramitam nos tribunais. Na mesma decisão, a Justiça determinava que os réus apresentassem um projeto de “recuperação de área degradada”, que deveria ser aprovado pelo Ibama. Na época, na condição de advogado dos beach clubs Cafe de la Musique e Donna, Souza se posicionou contra a demolição e deu entrevistas dizendo que os bares haviam sido construídos na década de 80 — portanto, quando ainda não existia o conceito de área de preservação permanente. “Não são cinco estruturas de 400 metros quadrados que vão causar o impacto ambiental de que se fala”, declarou.

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Souza é sócio do escritório Buzaglo Dantas, descrito em seu site como “altamente especializado” nas áreas de “contencioso civil, administrativo e criminal ambiental”, com “atuação em todos os foros e tribunais do país”. O escritório pertence a seu pai, o renomado advogado Marcelo Buzaglo Dantas, que é autor de pelo menos seis livros sobre direito ambiental. Em 22 de maio, Souza e o pai tiveram um encontro com o ministro Ricardo Salles no qual também estava presente o deputado do PSL Daniel Freitas, que hoje é presidente da Frente Parlamentar de Apoio ao Carvão Mineral. Procurado por VEJA, Dantas não quis dar entrevista. Os servidores do Ibama já se posicionaram contra a nomeação. “Causa no mínimo um estranhamento estar no cargo de superintendente alguém que pode ter outros interesses além da defesa ambiental”, afirma Denis Rivas, vice-­presidente da Associação Nacional dos Servidores Ambientais (Ascema). “Isso vai também na contramão do discurso do governo de privilegiar pessoas com perfil técnico.”

Outra nomeação polêmica ocorreu na quarta-feira passada, 4. O coronel da reserva Ricardo Célio Chagas Bezerra assumiria a chefia do órgão ambiental no Ceará. Ele figura como proprietário, junto com a mulher, de uma fazenda de exploração de madeira e gado em Itupiranga, no interior do Pará, à beira da Rodovia Transamazônica. Conforme os registros na Junta Comercial, o empreendimento foi fundado em 1989 e exerce a “extração de madeira em florestas plantadas, com cultivo de espécies madeireiras”. Vale dizer que muitos realizam esse tipo de atividade seguindo as regras ambientais — e, até o momento, não há nenhuma denúncia de ilegalidade nesse sentido envolvendo o negócio de Bezerra. “Mas parece mais que uma provocação colocar alguém com essa atividade na cúpula do Ibama”, afirma o ex-agente ambiental Otávio Lima. A empresa do novo superintendente do Ibama no Ceará, no entanto, não está livre de problemas. Ela tem uma pendência na Receita Federal, que a declarou inapta por falta de documentos. Isso ocorre quando há alguma omissão de escriturações e de declarações dos últimos cinco anos. A VEJA Bezerra explicou que a fazenda está sem atividade desde 2003, quando o Movimento Sem Terra (MST) a invadiu em uma ação criminosa.

INVASÃO NA PRAIA – O advogado Dantas, novo chefão em Santa Catarina: defesa de beach clubs contra o Ibama e o MPF (./.)

As atividades agrícolas não são a única ocupação do coronel. No ano passado, ele tentou entrar para a política. Filiado ao PSL, o partido do presidente, conseguiu 13 000 votos e virou suplente de deputado federal. Ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), declarou ser proprietário de dois terrenos, avaliados em quase 4 milhões de reais. Seguindo a linha do ativismo bolsonarista nas redes, já criticou no Facebook as ONGs que “lotearam a Amazônia” e o “sensacionalismo” dos dados sobre o aumento do desmatamento”. Para completar o figurino em moda no Palácio do Planalto, ostenta na internet fotos em loja de armas, posando com uma carabina na mão. Um dia depois de sua nomeação para o Ibama ter sido revelada pelo site de VEJA, a decisão foi revogada pelo ministro Salles. “Fato que recebo com desapontamento, mas também com naturalidade e resignação”, escreveu Bezerra em sua conta no Twitter.

A despeito dessas nomeações polêmicas, o facão de Salles no Ibama acertou em pelo menos duas demissões. Em abril e maio, a Polícia Federal prendeu os ex-superintendentes do Amazonas e do Acre em duas operações diferentes que investigavam o pagamento de propina em troca de a fiscalização fazer vistas grossas a exploradores ilegais de madeira. Mas a demora em preencher as vagas tem deixado os órgãos estaduais acéfalos, sem planos de metas a cumprir e, por vezes, com equipes de campo às moscas. As operações recentes contra as queimadas na Amazônia, por exemplo, foram coordenadas pela sede em Brasília, já que boa parte das superintendências da Amazônia Legal está sem chefia. Salles já justificou o atraso dizendo que estava sendo supercriterioso nas nomeações. Como demonstram os casos do Ibama em Santa Catarina e no Ceará, seria bom caprichar um pouco mais nessas escolhas.

 

Publicado em VEJA de 11 de setembro de 2019, edição nº 2651

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