Fenômeno popular no mundo evangélico, com 5,7 milhões de seguidores nas redes sociais, mais do que estrelas do púlpito como Silas Malafaia (Assembleia de Deus) e Edir Macedo (Universal), o pastor mineiro André Valadão, 45 anos, vem pavimentando sua fama à base de uma retórica virulenta. Nas últimas semanas, o líder global da Igreja Batista da Lagoinha, com sede em Belo Horizonte e 700 filiais em cinco continentes, enveredou por uma pregação movida a intolerância, cujo conteúdo foi parar no Ministério Público Federal em Minas Gerais. Valadão bradou aos fiéis que “Deus mataria” a população LGBTQIA+ e os instou a “ir para cima” deles. O ataque de Valadão a essa comunidade não se restringe às falas transmitidas de Orlando, nos Estados Unidos, onde vive. Sem fazer alarde, mas de modo incisivo, a igreja comandada por ele defende e promove uma suposta “reorientação” da sexualidade, aberração conhecida como cura gay.
VEJA ouviu relatos de pessoas que passaram pelo processo, a cargo de pastores da Lagoinha. O palco das atividades é a Estância Paraíso, a quarenta minutos de BH. Os retiros ali duram de três a oito dias, custam até 3 000 reais e ficam sob responsabilidade de uma pastora. A promoção da “cura gay” não é explícita. “Nossos retiros não são só para homossexuais, lésbicas, essas coisas, mas sempre trabalhamos a cura e a libertação interior, e muita gente sai restaurada”, informou uma atendente do local. “Eles entendem que essa não é a vida que agrada ao senhor.” Entre os fiéis que passaram pela experiência está a publicitária Cláudia Baccile, 33 anos. Ela conta que nas dinâmicas os participantes são bombardeados com ideias como as de que “a homossexualidade é o pecado extremo” e que quem se envolver em ato sexual dessa natureza “será condenado à morte eterna”. “Na época, já me via como lésbica e fui levada a uma sessão de exorcismo”, diz Cláudia.
Como ela, outros que se sentiram alvo de violência psicológica na Estância abandonaram a Lagoinha. Hoje ligado a uma igreja progressista, o pastor gay Bob Botelho, 29 anos, fundador da organização Evangélicxs pela Diversidade, ainda era missionário, em 2015, quando mergulhou numa crise. Buscou o retiro justamente para “anular” sua homossexualidade. “Eles tentam te convencer de que, para ser filho de Deus, é necessário negar sua orientação”, afirma. “O trabalho é tão forte que as pessoas são induzidas a acreditar que estão demonizadas.” E é aí que se seguem as sessões de exorcismo.
O passo a passo da “cura” se estende no Ministério Clínica da Alma, também em Minas, um braço da igreja de Valadão para onde fiéis são encaminhados para receber ajuda de psicólogos. “Aqui, os profissionais defendem que o homem foi feito para a mulher, e vice-versa. São princípios cristãos”, explicou a VEJA um funcionário. Desde 1999, o Conselho Federal de Psicologia proíbe que seus associados tratem a homossexualidade como patologia. “Não existe psicologia cristã: ela é laica e todas as vertentes precisam obedecer às mesmas resoluções”, esclarece Pedro Bicalho, presidente da entidade.
Com cultos frequentados por famosos como o ex-jogador Kaká, o apresentador Silvio Santos e o cantor Wesley Safadão, Valadão vem afiando a pregação anti-gay depois que criou o movimento “Deus odeia o orgulho”, em junho, o mês do orgulho LGBTQIA+. Os ataques culminaram em um culto carregado de incitações à violência contra esse grupo em 2 de julho, o que deu origem à ação civil pública no MPF mineiro. “Foi um ato criminoso. Ele usou o poder de líder religioso para incentivar os fiéis a promoverem agressões e execuções contra a comunidade”, dispara Erika Hilton, primeira mulher trans eleita deputada federal, que levou a denúncia ao MP. Procurado pela reportagem, o pastor alegou em nota que suas palavras contra os LGBTQIA+ foram distorcidas e que jamais estimulou a violência nem tampouco a morte de homossexuais, a quem diz dar “auxílio espiritual”.
Filho do pastor Márcio Valadão, que ficou à frente da Lagoinha por cinquenta anos, André é visto, até por membros da congregação, como um líder radical, dado a mesclar fé e política sem pudor. Aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro, que esteve em pelo menos dois de seus cultos em Orlando, o pastor fez campanha aberta no último pleito presidencial. Chegou a ser acusado de fake news e teve as contas no Twitter e no Instagram suspensas a pedido do Tribunal Superior Eleitoral. Com a derrota de Bolsonaro, mudou a direção dos ataques e passou a mirar a comunidade LGBTQIA+, uma flagrante demonstração de intolerância que deve ser combatida na raiz.
Publicado em VEJA de 26 de julho de 2023, edição nº 2851
Nota do pastor André Valadão:
“A Igreja da Lagoinha se dedica ao acolhimento cristão e fraterno de todos aqueles que buscam auxilio espiritual, incluindo a comunidade LGBTQIA+, presidiários, prostitutas e pessoas marginalizadas. Esse acolhimento é oferecido com amor e respeito, levando em consideração a história individual de cada fiel.
Em relação ao inquérito, é importante ressaltar que o pastor afirmou repetidamente que suas palavras foram distorcidas e que ele nunca incitou qualquer forma de violência física ou verbal contra a comunidade LGBTQIA+ ou qualquer outro grupo. É fundamental deixar claro que o sermão do pastor foi dirigido exclusivamente aos fieis, dentro de um contexto religioso e no interior de um templo. O sermão proferido em 2 de julho teve como base ensinamentos cristãos, afirmados por evangélicos e católicos. Em momento algum, o objetivo do sermão foi incitar crimes contra qualquer grupo. A liberdade de expressão durante cultos religiosos inclui o direito de pregar sobre temas sensíveis à sociedade, seja a favor ou contra, de acordo com os ensinamentos de cada denominação.
É importante enfatizar que o pastor jamais afirmou a frase “e Deus deixou o trabalho sujo para nós”, que faz referência à falsa ideia de que ele estava se referindo à morte de homossexuais. Por esse motivo, o pastor tomará medidas legais contra aqueles que inventaram tal declaração. É válido lembrar que os religiosos têm o direito de se posicionar em relação a temas controversos, como o aborto e a homossexualidade, desde que fundamentem suas opiniões em seus princípios religiosos e não incitem a violência ou a discriminação.”