Cinco PMs são presos por fraudar cena de crime em favela do Rio
Delegado afirma que militares tentaram ‘induzir a polícia e a justiça em erro’. Soldado que colocou a arma na mão de jovem morto nem sequer participou do confronto
Após horas de depoimentos e uma minuciosa análise da filmagem que flagrou policiais da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) do Morro da Providência, no Centro do Rio, adulterando a cena do crime que vitimou um jovem de 17 anos, o delegado da Divisão de Homicídios (DH), André Leiras, prendeu em flagrante os cinco agentes que aparecem nas imagens. Eles foram autuados por fraude processual qualificada e têm direito à fiança, arbitrada em cinquenta salários mínimos. Todos são investigados ainda por homicídio, já que as circunstâncias do suposto tiroteio que matou Eduardo Felipe Santos Victor, de 17 anos, conhecido como Pintinho, são misteriosas.
“Se fosse um legítimo confronto, não faria sentido o policial ir lá, colocar a arma na mão do morto e atirar”, diz um agente da Polícia Civil envolvido na investigação.
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Todos os presos são soldados, formados nos últimos anos e, em tese, com a nova filosofia da Secretaria de Segurança, de polícia de proximidade e pacificação através das UPPs. O quinteto foi levado para o Batalhão Especial Prisional da PM. São eles: Gabriel Julião Florido (que na filmagem aparece fazendo um disparo com a própria arma para o alto), Pedro Victor da Silva Pena, Paulo Roberto da Silva, Riquelmo de Paula Geraldo, além de Éder Ricardo de Siqueira, este o mais experiente mas que, curiosamente, nem sequer teria participado do confronto. É ele quem aparece no vídeo colocando a pistola na mão de Eduardo e dando dois tiros para o alto.
O site de VEJA ouviu policiais da própria UPP da Providência que dão uma versão de que o soldado Éder estaria em outra parte do morro, dentro de uma base avançada. E que, depois dos tiros, foi até a localidade da Pedra Lisa, e ajudou os PMs a montarem a farsa que acabou filmada. “Ele não estava nem de uniforme porque estava na base. Foi lá só para ajeitar”, diz um policial.
Na filmagem, uma mulher narra que Eduardo chegou a se render e, mesmo assim, acabou levando um tiro no peito. O adolescente tinha três anotações em sua ficha criminal (tráfico de drogas, injúria e agressão) e, na internet, circulam fotos suspeitas de que ele integrava uma quadrilha no morro. “Inicialmente, prendemos os cinco por fraude processual. Mas a investigação do evento da morte do Eduardo, em si, também está caminhando paralelamente”, explicou o delegado André Leiras.
Em seu despacho, o policial da Divisão de Homicídios justificou a prisão em flagrante dos cinco dizendo que “a fraude processual qualificada protege o regular desempenho das funções jurisdicionais. Ou seja, a boa fé e a honestidade processual”, diz, explicando que que o objetivo da medida é “coibir o artifício malicioso” de ludibriar a Justiça. E conclui: “É um estelionato processual que tenta induzir a polícia e a Justiça em erro”.
O clima no Morro da Providência, que conta com uma UPP desde abril de 2010, é tenso. Moradores chegaram a cercar a delegacia e bateram no carro da Polícia Civil que levava os PMs suspeitos do crime. Na manhã desta quarta-feira, doze ônibus da Viação São Silvestre foram apedrejados nos arredores e um motorista foi ferido no peito.
Após serem autuados em flagrante, os cinco policiais tiveram as prisões decretadas pela Justiça. Na Divisão de Homicídios, porém, eles não admitiram ter cometido qualquer ilegalidade. Alegaram que fizeram os disparos com a arma do jovem morto porque a munição estava “trepada” e havia o risco de a pistola disparar.
A versão, obviamente, não convence. No vídeo fica claro que o soldado Éder coloca a arma na mão de Eduardo para fazer os dois disparos.
Também em depoimento, o soldado Paulo Roberto admitiu ter sido o autor do disparo que acertou o peito do jovem. Ele alegou ter feito o disparo durante um confronto.