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Audiências de custódia liberam 48% dos presos em flagrante na capital paulista

Modelo em teste prevê a apresentação do suspeito à Justiça em 24 horas; 39% dos presos por estupro e 72% por furto foram liberados entre fevereiro e julho

Por Felipe Frazão 11 ago 2015, 07h59

Desde o início do ano, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tenta instituir nos Estados as audiências de custódia, que preveem a apresentação dos presos em flagrante a um juiz em até 24 horas após a detenção, para que o magistrado avalie pessoalmente a necessidade da medida, além de evitar prisões ilegais e casos de tortura e abuso policial. Atualmente, o Código de Processo Penal determina apenas que delegados comuniquem a prisão ao juiz, por meio do envio do auto de prisão em flagrante, no prazo de um dia. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) lançou projeto-piloto em fevereiro. Desde então, Espírito Santo, Maranhão, Minas Gerais, Mato Grosso, Rio Grande do Sul, Paraná e Amazonas aderiram – Goiás e Tocantins começaram nesta segunda-feira. Em geral, a iniciativa reduziu entre 40% e 50% o número de presos encarcerados provisoriamente, segundo o CNJ. Um levantamento do TJSP mostra que 48% dos 5.642 presos em flagrante na capital paulista foram liberados pelos juízes, e 52% tiveram a prisão mantida por meio de preventiva. Dos que foram liberados, 1.501 saíram em liberdade provisória sem pagar fiança, mas com alguma medida cautelar imposta. A taxa de liberação, porém, varia de acordo com o crime.

O juiz Rodrigo Tellini de Aguirre Camargo elaborou uma análise sobre o destino dos presos por tipo de crime na capital paulista nos primeiros cinco meses de vigor do projeto-piloto. Ao todo foram liberados 39,14% dos detidos por estupro, 50% dos presos por sequestro e cárcere privado e 72% por furto. “Se eles foram soltos é porque não se caracterizou o estupro como ele é descrito no tipo penal. Há muitas acusações. O juiz tem discernimento e vai analisar as provas. Se não é estupro tem de soltar”, explica o desembargador José Renato Nalini, presidente do TJSP, entusiasta das audiências. “Um porcentual enorme daqueles que são presos em flagrante na verdade precisam de assistência médica, psiquiátrica e de apoio. Quando um juiz vê um preso em flagrante que está só de calção e chinelo de dedo, até sem camisa, é outra a sensação dele em relação à necessidade de manter esse indivíduo em um cárcere.”

Os índices mais elevados de conversão da prisão em preventiva foram registrados em casos de roubo (88,61%), extorsão (86,66%) e tráfico de drogas (76,91%). Em números absolutos, as prisões mais frequentes são por furto (1.742), roubo (1.695) e tráfico de drogas (1.386). O TJSP analisou 23 suspeitos de estupro, quinze de extorsão e oito de sequestro e cárcere privado. Não são levados para as audiências de custódia presos por assassinato ou crimes previstos na Lei Maria da Penha. Os presos são ouvidos também por um defensor público (ou advogado) e um promotor. O juiz pode decidir pela decretação da preventiva, pelo relaxamento da prisão, pela liberdade provisória com ou sem fiança e com ou sem medida cautelar.

A Procuradoria Geral da República deu parecer favorável e afirmou que o projeto obedece ao que determina o Pacto de San José da Costa Rica, tratado internacional sobre Direitos Humanos recepcionado como lei no Brasil. AAssociação Paulista do Ministério Público (APMB) não conseguiu suspender o projeto por meio de um mandado de segurança. A entidade afirma que “a audiência de custódia é um remédio errado para uma doença evidente” e que o combate à criminalidade teria efeitos mais duradouros.O Supremo Tribunal Federal (STF) terá de posicionar sobre a obrigatoriedade da apresentação dos presos em flagrante à Justiça em 24 horas. Na última segunda-feira, o ministro Luiz Fux enviou à pauta do plenário uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) que questiona a legalidade da norma administrativa que instituiu as audiências em São Paulo. O presidente da corte, ministro Ricardo Lewandowski, promove a expansão das audiências. Há resistência da Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (Adepol) e da APMB, além de juízes criminais.

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“Nós damos como fato consumado. Nossa ideia é disseminar e tornar as audiências uma rotina. É bom para o país e melhor ainda para nosso respeito à liberdade”, defende o desembargador Nalini. “Alguns críticos disseram que estávamos fazendo um jogo para aliviar os presídios desse excesso de encarceramento, da superlotação, mas não era isso. O objetivo direto era a tutela da liberdade, não aliviar presídios. Agora, percebemos que para a tutela da liberdade e para cumprir os compromissos internacionais e depois, como subproduto final, aliviar a tensão nos presídios, está funcionando perfeitamente. Ficamos impressionados e satisfeitos com a possibilidade de conversão de alguns centros de detenção provisória em presídio. Isso em tese vai reduzir a necessidade de construção de inúmeros presídios para fazer face à necessidade.”

Por enquanto, não há lei aprovada no Congresso, tampouco norma geral do CNJ a respeito. Na última quarta-feira, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado aprovou o projeto de lei 554, de 2011, do senador Antonio Carlos Valadares (PSB), que regulamenta as audiências. Consultado sobre a proposta no ano passado, o procurador-geral de Justiça de São Paulo, Márcio Fernando Elias Rosa, rejeitou o projeto do senador e propôs mudanças como a oitiva do preso somente “se houver fundados indícios de ilegalidade na prisão ou de violação aos direitos fundamentais, em 48 (quarenta e oito) horas”. Ele ponderou que o Pacto de San José da Costa Rica fala em apresentação do preso “sem demora” e não “imediatamente”. Para o chefe do Ministério Público paulista, as audiências dão margem a “inconvenientes” como “indevida liberação de pessoas presas por delitos gravíssimos” e “geração de perplexidade e inconformismo social”. Elias Rosa também contesta a obrigatoriedade de que o depoimento verse “exclusivamente sobre a legalidade da prisão, direitos do preso e eventuais maus tratos e tortura sofridos”. “O indivíduo é conduzido a uma corte de Justiça e, perante um juiz de direito, um promotor de Justiça e sua defesa, é ouvido com todas as garantias constitucionais e, mesmo assim, eventual confissão não tem qualquer validade”, escreveu.

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