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Área do megatemplo de Edir Macedo já foi destinada a moradias populares

Governo de São Paulo contratou empresa para construir 744 unidades habitacionais, em 2003, mas a obra fracassou. Dois anos depois, a IURD adquiriu a área e conseguiu autorização para erguer o templo

Por Mariana Zylberkan
12 ago 2014, 07h28

O gigantesco Templo de Salomão do bispo Edir Macedo, líder da Igreja Universal do Reino de Deus, foi erguido em uma área que, há uma década, abrigaria 744 unidades de habitação popular na capital paulista. Em julho de 2003, a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo (CDHU) abriu uma licitação para construir quatro conjuntos habitacionais, ao custo de 26,8 milhões de reais (54,4 milhões reais, em valores corrigidos pela inflação medida pelo IPCA). Mas o projeto nunca saiu do papel.

O terreno foi escolhido pela CDHU por estar localizado nas chamadas Zonas Especiais de Interesse Social (Zeis) tipo 3. Essa especificação inclui imóveis abandonados em zonas centrais urbanas, consideradas adequada para a construção de moradias populares. Por isso, o órgão estadual abriu concorrência pública para escolher empresas dispostas a comprar o terreno e realizar as obras sob o regime de empreitada integral. Na época, a licitação foi vencida pela empresa Construtécnica Engenharia Ltda., que acabou expirando o prazo máximo de 120 dias previsto em contrato para apresentar documentos. Segundo a CDHU, o contrato de compra e venda com a Construtécnica foi rescindido sem prejuízo ao erário e as 744 unidades habitacionais foram incluídas em outros projetos pela cidade.

Dois anos depois do fracasso na tentativa de transformar a área em conjuntos habitacionais, os imóveis abandonados foram incorporados ao patrimônio da Sol Invest Administração e Participações, do ex-governador Orestes Quércia, morto em 2010. Foi ele quem assinou pessoalmente, em 2005, o contrato de compra e venda, com a Igreja Universal do Reino de Deus, de doze imóveis que integravam o enorme terreno no Brás. Segundo o documento obtido pelo site de VEJA, a transação foi realizada no início de 2005, no valor de 11,3 milhões de reais (18,7 milhões de reais corrigidos pelo IPCA). Quércia adquiriu todos esses imóveis de amigos, dos primos José João Abdalla Filho e Antonio João Abdalla Filho. Procurada, a Sol Invest afirmou que a negociação é de conhecimento público, “portanto feitas em cartório público e encontram-se à disposição de todos os interessados”.

Entre as construções negociadas por Quércia com a Igreja Universal estava o Lanifício Ítalo-Paulista, antiga fábrica de lã inaugurada no início do século XX. A subprefeitura da Mooca chegou a incluir o imóvel no cadastro de tombamento, mas quando o processo teve início a prefeitura constatou que o prédio já havia sido demolido para virar um grande pátio de estacionamento. No ano em que adquiriu o terreno de Quércia, a Igreja Universal encomendou um laudo de engenharia no qual atribuiu a demolição da fábrica às más condições de conservação da estrutura.

O promotor de Habitação e Urbanismo do Ministério Público de São Paulo, Maurício Antonio Ribeiro Lopes, que investiga as suspeitas de irregularidades da obra do Templo de Salomão, afirma que esse laudo foi forjado porque o lanifício não funcionava mais no momento de sua venda à igreja. Segundo o Ministério Público, foi com base nesse laudo que Edir Macedo registrou a obra com o alvará de reforma, para burlar as regras das Zonas Especiais de Interesse Social (Zeis). Nessas áreas, 40% de qualquer edificação nova deve ser destinada às obras de moradias populares.

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A obra de Edir Macedo, inspirada no templo do rei bíblico Salomão, com custo estimado de 685 milhões de reais, não só desvirtuou o desenho urbanístico do bairro histórico como desrespeitou o código de obras da cidade. Segundo a Promotoria de Habitação e Urbanismo do Ministério Público de São Paulo, foi construída de forma irregular, com um alvará de reforma. Para o Ministério Público, a principal questão é: por que a prefeitura de São Paulo emitiu um alvará de autorização de eventos temporários, que permite o funcionamento regular do templo por seis meses – prorrogáveis por outros seis meses – sem o certificado de conclusão da obra?

A resposta pode estar em um velho conhecido de escândalos imobiliários da capital : Hussain Aref Saab, ex-diretor do Departamento de Aprovação de Edificações (Aprov), orgão resposável pela liberação de obras da prefeitura. A autorização para colocar abaixo as antigas construções do Brás e chancelar o templo da Igreja Universal foi concedida em um documento assinado por Aref. Na prática, a canetada de Aref fez com que o terreno deixasse de fazer parte das Zonas Especiais de Interesse Social da cidade. O documento foi assinado em 14 de junho de 2006, o que bastou para a liberação do alvará de reforma. Depois, Aref emitiu outro documento, no qual isentou a Igreja Universal de arcar com a taxa de outorga onerosa por ter excedido em 10.469 metros quadrados a previsão de área construída. A justificativa: era uma entidade sem fins lucrativos.

Em novembro de 2008, uma funcionária da Secretaria Municipal da Habitação chegou a questionar a isenção concedida à Igreja Universal e solicitou cópia dos três exercícios anteriores de Imposto de Renda entregues à Receita Federal, o que nunca foi atendido. Outra funcionária da secretaria também questionou a expedição de alvará de reforma para a obra com base em uma constatação óbvia: estavam previstas a construção de dois subsolos, elevação do nível do piso térreo e aumento do pé direito. Não era uma simples reforma. Até hoje, porém, nenhuma providência foi tomada.

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Não parou por aí. Durante as obras, foi notada a presença de metais pesados no terreno. O Ministério Público apura a origem do descarte de 600 metros cúbicos de terras contaminadas no campus da USP Leste em janeiro de 2011. Segundo as investigações, as terras despejadas no campus saíram das obras de terraplanagem do Templo de Salomão. A contaminação interditou o campus para aulas por seis meses – foi reaberto no último dia 22 de julho.

O Ministério Público de São Paulo promete continuar investigando as suspeitas que rondam a construção magma de Edir Macedo – que passou a morar num dos 50 apartamentos luxuosos na cobertura do templo. Mas o novo Plano Diretor da cidade, aprovado pela Câmara Municipal neste ano, jogou uma pá de cal sobre a obscura liberação de um terreno em Zonas Especiais de Interesse Social da cidade para a construção do megatemplo. A nova redação do Plano Diretor excluiu o quarteirão onde está o templo das Zeis. O relator do projeto, vereador Nabil Bonduki (PT) alegou que a prefeitura já havia permitido a construção do templo e, portanto, não caberia mais a exigência de erguer moradias populares no local.

Pelo planejamento original, a área no Brás teria hoje mais de 700 apartamentos populares. Na versão do bispo Edir Macedo do templo bíblico de Salomão, cujas dimensões equivalem a quatro vezes o Santuário de Aparecida, a capacidade é de 10.000 pessoas. Sentadas.

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