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‘Amor doentio do pai matou o meu filho’, diz mãe sobre tragédia

Em entrevista a VEJA, Rosália Moura conta como o pai matou o seu filho após tentar impedi-lo de participar de manifestações estudantis em Goiânia

Por Thiago Bronzatto Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 20 nov 2016, 19h12 - Publicado em 20 nov 2016, 12h25

No feriado do dia 15 de novembro, um pai tentou impedir o seu filho de participar das manifestações estudantis em Goiânia. Como não conseguiu, matou o rapaz e depois se suicidou. A tragédia familiar foi acompanhada de perto pela delegada aposentada Rosália de Moura, mãe do jovem universitário Guilherme Silva Neto, de 20 anos, como mostra reportagem de VEJA desta semana. Enquanto mostrava o quarto do seu filho, Rosália relembrava a relação conturbada de seu marido, Alexandre José da Silva Neto, 60 anos, com o filho. “O pai era muito possessivo e tinha um amor doente pelo filho”, contou ela, ainda sob o efeito de sedativos. Veja a seguir os principais trechos da entrevista de duas horas concedida na última quinta-feira.

Por que o seu marido que deu a vida ao seu filho resolveu tirá-la, suicidando-se logo em seguida?
O Alexandre era muito possessivo com o nosso filho. Quando o menino saía, ele ligava e ficava mandando mensagens a cada dez minutos, perguntando onde ele estava. Na verdade, ele tinha medo de perder o nosso único filho. O pai era muito possessivo e tinha um amor doentio pelo filho. E foi esse amor doentio do pai que matou o meu filho.

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Como ocorreu a tragédia?
O Guilherme gostava de participar de manifestações, e o Alexandre se incomodava com isso. Ele não aceitava a possibilidade de o menino ser preso pela polícia durante os protestos nas escolas ocupadas. O Alexandre dizia para o Guilherme: “Pare com isso, meu filho, a polícia vai te prender, e eu não vou suportar ver meu filho preso”. No feriado do dia 15 de novembro, o Guilherme disse que iria para a manifestação. O Alexandre se opôs e falou que o menino não entraria mais em casa. O Guilherme se revoltou e disse que a casa era dele também e que o Alexandre não pagava as contas. O pai falou que iria chamar a polícia. O Guilherme pegou o celular e disse que ele mesmo iria ligar para a polícia. Então, o Alexandre tomou o celular da mão do menino e quebrou o aparelho, partindo ao meio. Naquele momento, comecei a passar mal. Parece que a mãe sente a tragédia com o filho, né? Então, o Guilherme disse para o pai dele: “Você conseguiu o que queria. Fez a minha mãe passar mal”. Alexandre retrucou, dizendo que a culpa era do Guilherme, porque ele que queria participar da manifestação, contrariando a sua vontade. Então, o Alexandre saiu de casa. Pensei que ele ir para o shopping para espairecer. O Guilherme foi para o seu quarto, onde ficou chorando e disse para mim: “Prefiro morrer a viver desta forma, aprisionado pelo meu pai”.

O Guilherme acabou indo para a manifestação?
Sim, ele arrumou as coisas dele e disse que iria sair. Aí, perguntei se ele iria voltar tarde. Ele me disse: “Eu vou lá, mas volto, mãe”. Eu estava preocupada, porque ele estava sem celular. Aí, o Guilherme saiu. Pouco tempo depois, às 17h01, o pai dele me ligou e perguntou se o menino tinha saído. Eu disse que sim. Ele desligou o telefone. Passou pouco tempo e ouvi um barulho de tiro. Eu estava na sala com a minha mãe. Aí, me deu um trem esquisito e desci do meu apartamento para a rua, correndo. Logo pensei: “Será que esse homem é tão louco para matar o Guilherme?”. Quando eu estava correndo, alguém comentou: “Foi o pai que matou o filho”. Aí, o meu mundo desabou. Cheguei na esquina e vi o Alexandre deitado sobre o meu filho, ensanguentado. Eu não acreditava no que estava vendo. Aí, gritei: “Meu, filho, meu filho”. O guarda me disse: “Já peguei o pulso dele. Está morto”. Fiquei lá, sem saber o que fazer. “Gente, não acredito que esse homem teve coragem de fazer isso”, pensei.

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Em algum momento, a senhora suspeitou que o seu marido poderia chegar a esse ponto de matar o seu filho? Ele fazia algum tipo de ameaça?
Algumas vezes, ele ameaçava o menino, dizendo: “Se você sair, vou atrás de você e te mato”. Ele queria que o menino ficasse com ele. Aí, o Guilherme pensou em denunciar o pai. Eu disse para esperar. Ameaça poderia dar cadeia. No fundo, no fundo, o Alexandre não suportava a ideia de ver o seu filho preso pela polícia numa manifestação.

E como era a relação entre pai e filho antes da tragédia?
Uma vez, eles brigaram, e o Alexandre colocou o meu filho para fora de casa. Ele até trocou as fechaduras das portas. O Guilherme ficou na casa de um colega durante dois dias. Nesse período, o pai dele ficou doido. Ficou mal demais. Pensei que ele iria morrer. Ficou desorientado, porque ele tinha ciúmes. Ele era possessivo, louco por aquele filho, e queria o melhor para o menino. Mas o melhor dele não era o melhor para o meu filho. Aí, quando o Guilherme decidiu voltar para a casa, o Alexandre o ficou esperando à tarde inteira. Quando o menino chegou, Alexandre abriu a porta, abriu os braços e disse: “Meu filho…”. Aí, o Guilherme interrompeu: “Não quero que você me abrace, não”. Os dois conversaram no quarto. Me partiu o coração quando o Alexandre se ajoelhou, pediu perdão e falou: “Meu filho, não faz isso comigo, não. Você é o meu bem mais precioso. Estou com a minha mãe velhinha, que pode ir embora a qualquer momento. Eu só tenho você nesta vida. Eu te amo. Tenho medo de a polícia te prender”. Os dois fizeram as pazes e foram viajar. Foi a última viagem que fizeram juntos.

A senhora cogitou se separar do seu marido?
Eu tinha medo de acontecer alguma coisa pior. Ele era tão apegado ao filho que poderia se suicidar. Fui suportando essa situação, tentando contornar. Eu o conheço bem. A gente estava junto há 22 anos. Ele não iria se conformar com a separação. Eu tinha medo. Se eu largasse dele, o que aconteceria? Ele era uma pessoa muito fechada. Não tinha amigos. Ele focou a vida dele só no filho.

O seu marido tinha problemas psicológicos? Ele tomava algum tipo de medicamento?
Na minha opinião, o Alexandre nunca esteve bem com ele mesmo. Ele queria que a firma dele desse certo, mas não deu. Ele tinha uma frustração. E isso o levava a dizer que ele não conseguiu nada na vida. Numa determinada ocasião, Alexandre me falou que iria sentar no túmulo do pai dele e se suicidar com um tiro na cabeça. Falei para ele ir a psicólogos. Mas ele odiava psicólogos. Ele dizia que não precisava ir a psicólogos. Ele dizia que precisava de dinheiro.

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O seu marido estava passando por dificuldades financeiras?
Ele estava sem trabalho há um certo tempo. A firma dele de engenharia não estava sendo contratada. E eu tinha que pagar as contas de casa. Isso o deixava deprimido.

Quando ele comprou a arma?
Ele tinha essa arma há um certo tempo. Essa arma era registrada. Às vezes, ele saía com ela para se sentir seguro.

Hoje, refletindo sobre os fatos, o que a senhora mudaria?
Talvez o jeito do Alexandre. Ele era muito difícil. Tudo tinha que ser do jeito dele. Ele dava opinião até no que o menino deveria vestir. Ele não gostava que o menino usasse camisetas com estampas de rock. Não deixava usar. Mas o Guilherme usava escondido. Além disso, Alexandre estava passando por um momento pessoal difícil. Ele não estava achando emprego na área dele. O mercado estava ruim. Ele não tinha condições de pagar nem as contas de telefone. Ele se sentia mal de ver pessoas menos preparadas que ele se dando bem na vida. Tudo isso fez com que ele explodisse.

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